Seguimos um humilhado,
e somos testemunhas da sua exaltação.
São muitas e diversas as tentações que ameaçam limitar ou eliminar a
força revolucionária do Evangelho de Jesus Cristo, e uma delas é considerar a
encarnação e a humilhação do Filho de Deus como algo transitório, como uma
etapa pouco importante da sua vida, como uma espécie de parêntesis superado
pela ressurreição e pela ascensão ao céu. A ascensão seria sua fuga definitiva
das contradições do mundo, onde teria vindo apenas para nos falar das coisas de
Deus. A glorificação e o poder seriam o prêmio pelos sofrimentos suportados e
teriam apagado os sinais de uma vida de filho da humanidade, de homem pobre e
sonhador.
Desde cedo, os primeiros cristãos fizeram questão de evitar essa tentação
sublinhando que a humanidade do Filho de Deus, inclusive sua rejeição e
assassinato na cruz, não foram uma espécie de acidente de percurso ou um
descuido de Deus, mas a realização das Escrituras. Em Jesus realizou-se
plenamente o essencial daquilo que as leis, os profetas e os salmos intuíram e
anunciaram. Mas isso não nos autoriza concluir que Deus Pai teria desejado o
sofrimento e a morte do próprio Filho. O que a igreja apostólica sublinha é que
as Escrituras apontam para a encarnação e a humanização de Deus.
Sabemos que o dinamismo da encarnação não conhece paradas nem limites. A
glória de Deus brilha no ser humano livre, humilde e servidor. Aquilo que
começou no seio anônimo de Maria e se manifestou aos pastores na estrebaria,
continuou na carpintaria de Nazaré, prolongou-se nas cidades e aldeias da
Galileia e culminou no calvário, fora dos muros da cidade. Quando os cristãos
resumem as Escrituras com a expressão ‘o Messias sofrerá’, estão afirmando que
o Enviado de Deus se caracteriza mais pela vulnerabilidade compartilhada com os
seres humanos que pelo poder e pela glória acima ou à margem da história.
Este movimento de abaixamento e esvaziamento de Deus é libertador e
emancipador, uma vez que é guiado e sustentado pelo amor, e continua nos
cristãos pelo Espírito que nos é concedido. Assumindo solidariamente a
humanidade humilhada, Jesus Cristo assina o decreto de reconhecimento público e
universal da dignidade de todos os seres humanos e, ao mesmo tempo, concede-lhes
seu Divino Sopro, o respiro que lhes faz povo e lhes permite reinventar sempre
de novo a sociedade em parâmetros de justiça e de comunhão. Este movimento de
esvaziamento expressa a verdadeira glória e a admirável grandeza de Deus e do
ser humano.
Não é correto imaginar a ressurreição de Jesus Cristo como a passagem de
uma fase transitória e limitada para uma etapa definitiva e potente, como a
premiação que se segue a uma submissão obediente e desonrosa. E é um perigoso desvio teológico imaginar a
ascensão de Jesus ao céu como uma superação da sua condição humana e
servidora. A ascensão deve ser
compreendida no quadro da sua crucifixão, da demonstração cabal da sua
identificação solidária com o ser humano oprimido. Proclamar a ascensão de
Jesus ao céu significa mudar e aprofundar o nosso modo de ver o mistério do seu
esvaziamento.
Ressurreição, ascensão, glorificação e acolhida à direita de Deus são
imagens e conceitos que, de forma complementar, procuram dar conta deste complexo
dinamismo e afirmar que Deus se manifesta exatamente no amor que assume a carne
humana, serve e dá a vida. É este Filho de Deus humanado e esvaziado que está
acima de todos os poderes e forças, de todos os senhores e autoridades. Tudo o
mais está sob seus pés! Só o amor solidário merece crédito, submissão e
reverência! É disso que somos constituídos testemunhas: de um Deus que assume a
posição de Cordeiro e Servo, que mostra sua grandeza fazendo-se pequeno.
Jesus Cristo é a cabeça do corpo composto pelos homens e mulheres que
acreditam nele. Como cabeça, Ele não é refém da Igreja e, menos ainda, da
hierarquia. A comunidade eclesial é convocada a assumir a forma de vida de
Cristo, sua cabeça. E isso significa não buscar outra glória que não seja
aquela de servir, outra honra que não seja esta de partilhar o destino dos
deserdados da terra. Assim, podemos dizer que a ascensão de Jesus é a maturidade
missionária daqueles que o seguem. “Recebereis o poder do Espírito Santo que
virá sobre vós, para serdes minhas testemunhas.” Que ninguém fique extático, olhando para o
céu!
Jesus de Nazaré,
Cordeiro ferido e Servo exaltado! Não nos deixe cair na tristeza, na inércia e
na resignação. Faze-nos abertos ao teu Espírito, vibrantes no louvor, generosos
no amor. Guia-nos na realização da nossa missão de testemunhar o amor que se
faz carne, que nos aproxima e nos faz servidores de todos. Faze que sejamos
profetas da alegria, discípulos agradecidos por descobrir que tua ascensão é
teu mergulho definitivo no coração do mundo, honrados por continuar tua missão
de tirar o pecado do mundo. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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