A coragem de se arriscar pela promessa de Deus.
(Mensagem
do Papa Francisco para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações/2019)
Depois da experiência
vivaz e fecunda, em outubro passado, do Sínodo dedicado aos jovens, celebramos
recentemente no Panamá a 34ª Jornada Mundial da Juventude. Dois grandes eventos
que permitiram à Igreja prestar ouvidos à voz do Espírito e também à vida dos
jovens, aos seus interrogativos, às canseiras que os sobrecarregam e às
esperanças que neles vivem.
Neste Dia Mundial de Oração
pelas Vocações, retomando precisamente aquilo que pude partilhar com os jovens
no Panamá, desejo refletir sobre o
chamado do Senhor enquanto nos torna portadores de uma promessa e, ao mesmo tempo, nos
pede a coragem de arriscar com
Ele e por Ele. Quero deter-me brevemente sobre estes dois aspetos – a
promessa e o risco –, contemplando juntamente com vocês a cena evangélica da
vocação dos primeiros discípulos junto do lago da Galileia (cf. Mc 1, 16-20).
Dois pares de irmãos (Simão
e André, juntamente com Tiago e João) estão ocupados na sua faina diária de
pescadores. Nesta cansativa profissão, aprenderam as leis da natureza,
desafiando-as quando os ventos eram contrários e as ondas agitavam os barcos.
Em certos dias, a pesca abundante recompensava a árdua fadiga, mas, outras
vezes, o trabalho de uma noite inteira não bastava para encher as redes e
voltava-se para a margem cansados e desiludidos.
Estas são as situações
comuns da vida, onde cada um de nós se confronta com os desejos que traz no
coração, se empenha em atividades que espera que possam ser frutuosas, se
adentra num mar de possibilidades sem conta à procura da rota certa capaz de
satisfazer a sua sede de felicidade. Às
vezes somos beneficiados por uma pesca boa, enquanto noutras é preciso armar-se
de coragem para governar um barco sacudido pelas ondas, ou lidar com a
frustração de estar com as redes vazias.
Como na história de cada
vocação, também neste caso acontece um encontro. Jesus vai pelo caminho, vê aqueles
pescadores e aproxima-Se. Sucedeu assim com a pessoa que escolhemos para
compartilhar a vida no matrimônio, ou quando sentimos o fascínio da vida
consagrada: vivemos a surpresa dum
encontro e, naquele momento, vislumbramos a promessa duma alegria capaz de
saciar a nossa vida. De igual modo naquele dia, junto do lago da Galileia,
Jesus foi ao encontro daqueles pescadores, quebrando a paralisia da normalidade.
E não tardou a fazer-lhes uma promessa: “Farei de vocês pescadores de homens!”
(Mc 1, 17)
Sendo assim, o chamado do Senhor não é uma ingerência de
Deus na nossa liberdade; não é uma jaula ou um peso que nos é colocado às
costas. Pelo contrário, é a
iniciativa amorosa com que Deus vem ao nosso encontro e nos convida a entrar
num grande projeto, do qual nos quer tornar participantes, apresentando-nos o
horizonte dum mar mais amplo e duma pesca superabundante.
Com efeito, o desejo de Deus é que a nossa vida não se
torne prisioneira do banal, não se deixe arrastar por inércia nos hábitos de
todos os dias, nem permaneça inerte perante aquelas opções que lhe poderiam dar
significado. O Senhor não quer que nos resignemos a viver o dia a dia,
pensando que afinal de contas não há nada por que valha a pena comprometer-se
apaixonadamente e apagando a inquietação interior de procurar novas rotas para
a nossa navegação. Se às vezes nos faz experimentar uma pesca miraculosa, é
porque nos quer fazer descobrir que cada
um de nós é chamado, de diferentes modos, para algo de grande, e que a vida não
deve ficar presa nas redes do sem-sentido e daquilo que anestesia o coração.
Em suma, a vocação é um convite a não
ficar parado na praia com as redes na mão, mas seguir Jesus pelo caminho que
Ele pensou para nós, para a nossa felicidade e para o bem daqueles que nos
rodeiam.
Naturalmente, abraçar
esta promessa requer a coragem de arriscar uma escolha. Sentindo-se chamados
por Ele a tomar parte num sonho maior, os primeiros discípulos, “deixando logo
as redes, seguiram-No” (Mc 1,
18). Isto significa que, para aceitar a
chamada do Senhor, é preciso deixar-se envolver totalmente e correr o risco de
enfrentar um desafio inédito; é preciso deixar tudo o que nos poderia manter
amarrados ao nosso pequeno barco, impedindo-nos de fazer uma escolha
definitiva; é-nos pedida a audácia que nos impele com força a descobrir o
projeto que Deus tem para a nossa vida. Substancialmente, quando estamos
colocados perante o vasto mar da vocação, não podemos ficar a reparar as nossas
redes no barco que nos dá segurança, mas devemos fiar-nos da promessa do
Senhor.
Penso, antes de mais
nada, no chamado à vida cristã, que
todos recebemos com o Batismo e que nos lembra como a nossa vida não é fruto do
acaso, mas uma dádiva a filhos amados pelo Senhor, reunidos na grande família
da Igreja. É precisamente na comunidade eclesial que nasce e se desenvolve
a existência cristã, sobretudo por meio da Liturgia que nos introduz na escuta
da Palavra de Deus e na graça dos Sacramentos; é nela que somos, desde tenra
idade, iniciados na arte da oração e na partilha fraterna. Precisamente porque
nos gera para a vida nova e nos leva a Cristo, a Igreja é nossa mãe; por isso
devemos amá-la, mesmo quando vislumbramos no seu rosto as rugas da fragilidade
e do pecado, e devemos contribuir para a tornar cada vez mais bela e luminosa,
para que possa ser um testemunho do amor de Deus no mundo.
Depois, a vida cristã encontra a sua expressão
naquelas opções que, enquanto conferem uma direção concreta à nossa navegação,
contribuem também para o crescimento do Reino de Deus na sociedade. Penso
na opção de se casar em Cristo e formar uma família, bem como nas outras
vocações ligadas ao mundo do trabalho e das profissões, no compromisso no campo
da caridade e da solidariedade, nas responsabilidades sociais e políticas, etc.
Trata-se de vocações que nos tornam
portadores duma promessa de bem, amor e justiça, não só para nós mesmos, mas
também para os contextos sociais e culturais onde vivemos, que precisam de
cristãos corajosos e testemunhas autênticas do Reino de Deus.
No encontro com o
Senhor, alguém pode sentir o fascínio do
chamado à vida consagrada ou ao sacerdócio ordenado. Trata-se duma
descoberta que entusiasma e, ao mesmo tempo, assusta, sentindo-se chamado a
tornar-se pescador de homens no barco da Igreja através duma oferta total de si
mesmo e do compromisso dum serviço fiel ao Evangelho e aos irmãos. Esta escolha inclui o risco de deixar tudo
para seguir o Senhor e de consagrar-se completamente a Ele para colaborar na
sua obra. Muitas resistências interiores podem obstaculizar uma tal
decisão, mas também, em certos contextos muito secularizados onde parece não
haver lugar para Deus e o Evangelho, pode-se desanimar e cair no cansaço da
esperança.
E, todavia, não há alegria maior do que arriscar a vida
pelo Senhor! Particularmente a vocês, jovens, gostaria de dizer: Não sejam surdos ao chamado do Senhor!
Se Ele vos chamar por esta estrada, não
se oponham e confiem n’Ele. Não se
deixem contagiar pelo medo, que nos paralisa à vista dos altos cumes que o
Senhor nos propõe. Lembrem-se sempre que o Senhor, àqueles que deixam as redes e o barco para O seguir, promete a alegria
duma vida nova, que enche o coração e anima o caminho.
Queridos amigos, nem sempre é fácil discernir a própria
vocação e orientar justamente a vida. Por isso, há necessidade de um
renovado esforço por parte de toda a Igreja (sacerdotes, religiosos, animadores
pastorais, educadores) para que se proporcionem, sobretudo aos jovens, ocasiões de escuta e discernimento. Há
necessidade de uma pastoral juvenil e
vocacional que ajude a descobrir o projeto de Deus, especialmente através
da oração, meditação da Palavra de Deus, adoração eucarística e direção
espiritual.
Como várias vezes se
assinalou durante a Jornada Mundial da Juventude do Panamá, precisamos olhar para Maria. Na
história daquela jovem, a vocação também
foi uma promessa e, simultaneamente, um risco. A sua missão não foi fácil,
mas Ela não permitiu que o medo a vencesse. O dela foi o “sim” de quem quer comprometer-se e arriscar, de quem quer apostar
tudo, sem ter outra garantia para além da certeza de saber que é portadora duma
promessa.
Pergunto a cada um de
vocês: Você se sente portador duma
promessa? Que promessa você traz no seu coração, e precisa dar continuidade?
Maria teria, sem dúvida, uma missão difícil, mas as dificuldades não eram
motivo para dizer “não”. Com certeza teria complicações, mas não haveriam de
ser idênticas às que se verificam quando a covardia nos paralisa por não
vermos, antecipadamente, tudo claro ou garantido.
Neste Dia, unimo-nos em oração pedindo ao Senhor que
nos faça descobrir o seu projeto de amor para a nossa vida, e que nos dê a
coragem de arriscar no caminho que Ele, desde sempre, pensou para nós.
Vaticano,
Memória de São João Bosco, 31 de janeiro de 2019.
Francisco
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