quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

ANO A | TEMPO COMUM | SEGUNDO DOMINGO | 19.01.2020


Jesus elimina o pecado que fere e aprisiona a nossa liberdade.
Com a solenidade do batismo de Jesus, celebrada no domingo passado, chegamos ao fim o ciclo litúrgico das festas natalinas e iniciamos o ciclo do tempo comum. Neste segundo domingo do tempo comum, a Igreja nos propõe uma espécie de apresentação de Jesus. O pequeno trecho do Evangelho que nos é proposto é rico de imagens, e nos mostra João Batista em maturidade profética, dando testemunho de Jesus e apresentando-o como Cordeiro de Deus e como aquele que elimina o pecado do mundo e arca com suas consequências.
No dia anterior à cena de hoje, interrogado sobre a própria identidade, João respondera claramente que não era Elias, nem o Profeta, nem o Messias, mas alguém enviado a preparar o caminho para a vinda do Messias, diante do qual reconhecia sua própria pequenez e transitoriedade (cf. Jo 1,19-28). No dia seguinte, vendo Jesus vindo ao seu encontro, declara: “Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo.” E completa: “Depois de mim vem um homem que passou à minha frente, porque existia antes de mim.” Os papeis se invertem: quem era discípulo passa a ser mestre; quem estava atrás, passa à frente.
Esta imagem de Jesus Cristo como Cordeiro de Deus adquiriu um lugar importante na tradição cristã e é recordada até hoje em cada celebração eucarística. No livro do Apocalipse, a imagem do Cordeiro é aplicada a Jesus e aparece frequentemente. Ele é o Cordeiro ferido, mas vitorioso e glorioso.  Nesta imagem do cordeiro vemos quase que espontaneamente a mansidão e a docilidade, ou nos vem a ideia de sacrifício ou do ‘bode expiatório’. Mas, na santa Palavra, o próprio Deus nos adverte que ele não pede de nos sacrifícios e oblações, mas ouvidos abertos à sua voz e aos clamores da criação (cf. Sl 39/40).
É importante compreender que, apresentando Jesus como Cordeiro de Deus, João nos quer apresentá-lo como o Cordeiro pascal da tradição judaica, o sinal de comunhão do povo na memória, no sonho e na luta pela liberdade. Com o Cordeiro pascal, o povo hebreu celebrava a história e a utopia libertária, que, com o passar do tempo, acabou sendo ligada de modo quase exclusivo a uma etnia, uma nação e uma cultura. Ultimamente, com o processo de privatização da experiência religiosa, a imagem do cordeiro terminou sendo refém de uma espiritualidade intimista e desencarnada.
Pra João, Jesus é o Cordeiro que tira o pecado do mundo. Mas escutemos atentamente: trata-se de tirar o pecado, não de expiar; e o profeta do Jordão se refere ao pecado no singular, e não a pecados diversos; e é algo que existe antes de Jesus, que não se define apenas pela relação com ele. Este ‘pecado do mundo’ se condensa na recusa do projeto de Deus e na submissão aos sistemas que se fecham em torno dos interesses privados e das violências e mentiras que sua manutenção exige. Somente o dom Espírito pode fazer o ser humano uma realidade nova, renascida e capaz de amar e dar a vida, como o próprio Jesus.
Enquanto Servo e Cordeiro de Deus, Jesus leva a sério esta missão, urgente e sem fronteiras. E começa indo ao encontro das ‘ovelhas perdidas’ ou marginalizadas do povo de Israel. Depois, abre as portas do Reino de Deus a todos as pessoas, classes, povos, etnias e crenças. Nele, com ele e por ele, nenhum povo ou indivíduo é considerado inapto, incapaz ou indigno da vida abundante proporcionada pelo Reino de Deus. Todas as pessoas, grupos e povos são chamados à liberdade e à vida, a todos é concedido o Espírito de liberdade e de serviço. Caducou a divisão do mundo em “pessoas de bem” e pessoas que tratamos como indesejaveis.
É isso que Paulo destaca nas primeiras linhas da sua carta aos Coríntios. O apóstolo Paulo diz que, em Jesus Cristo, todos os seres humanos, inclusive aqueles que são chamados de pagãos, são chamados a ser santos. Acabaram as hierarquias que privilegiam uns e descartam muitos! Então, acolhendo o anúncio convicto de Paulo e a palavra-de-ordem de João Batista, repetida em cada Eucaristia no convite à comunhão, assumamos alegremente nossa dignidade de filhos, herdeiros e enviados, e engajemo-nos sem reservas na missão de tirar o pecado do mundo, a fim de que o mundo seja cada vez mais a casa comum dos filhos e filhas de Deus.
Jesus de Nazaré, Cordeiro pascal, memória e esperança de uma liberdade radical: confirma-nos como discípulos na escola do serviço despojado e fiel, lúcido e eficaz à plena liberdade e dignidade dos nossos irmãos e irmãs. Faz do teu Espirito libertário e renovador a lei maior do nosso sentir, pensar e agir. Abre cada dia de novo nossos ouvidos à Palavra que pronuncias mediante os gemidos da criação. E ajuda tuas Igrejas a compreender que não queres sacrifícios, doutrinas e sacramentos, mas amor que serve, palavra que anuncia e estimula, celebração que resgata a dignidade e a grandeza dos pobres. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Isaías 49,3-6 | Salmo 39 (40)
Carta de Paulo aos Coríntios 1,1-3 | Evangelho de São João 1,29-34

Nenhum comentário: