Preparemos o Natal de cabeça erguida e de mãos dadas!
O tempo litúrgico do Advento é marcado pela expectativa e pela
vigilância ativas, pelo discernimento, de engajamento, de preparação. Enquanto
o mercado, movido por sua sede voraz de faturamento sempre maior e ancorado no
mito interesseiro do bom velhinho, grita de mil modos seu apelo ao consumo, as
comunidades cristãs se reúnem nas casas e nas igrejas para abrir outros
caminhos, para não desviar o foco e descobrir os frágeis sinais da ousadia de
um Deus que vem e arma sua tenda no coração da humanidade.
Como cristãos, o que nos move, nesse tempo, é o que verbalizamos na
oração da coleta de celebração de hoje: o ardente desejo de acolher o Reino de
Deus, de congregarmo-nos à comunidade dos justos, de caminhar com nossas boas
ações ao encontro do Ungido de Deus. Nossa preocupação não gira em torno de
luzes que piscam, de músicas harmoniosas, de despensas abarrotadas, de
presentes vistosos... Com o salmista, repetimos, como um mantra: “Mostrai-me, ó
Senhor, vossos caminhos, e fazei-me conhecer a vossa estrada!”
Nunca é demais sublinhar que a preparação para o natal de Jesus, que é
também exercício para entrar no dinamismo do Reino de Deus, não é coisa fácil.
Na verdade, é luta! Não é por acaso que, no evangelho, Jesus pede atenção,
coragem e prontidão. E lança um alerta: que as preocupações com vantagens e
sucessos, a gula e a embriaguez não embotem nossa
sensibilidade. Preparar o natal de Jesus e entrar na lógica do Reino
de Deus supõe engajamento incansável para palmilhar caminhos de justiça e
fraternidade, de igualdade e solidariedade, de compaixão e partilha. E isso
nunca foi fácil!
Fácil é seguir o GPS e as placas de indicação que nos levam ao templo do
consumo, aos palácios da indiferença, às praças do faturamento e do acúmulo. À
nossa embotada sensibilidade, tudo isso parece tão aprazível, tão luminoso e
tão precioso. Temos a ilusão de que nisso estão os fundamentos sólidos e
imutáveis de uma vida feliz, da tão sonhada dignidade humana. E, então, uma
simples diminuição do poder de consumo basta para que as nações se angustiem e
as pessoas mergulhem no medo. Entretanto, Jesus diz que estas forças,
aparentemente estáveis e invencíveis, deverão ser abaladas, e isso é bom!
Os caminhos do Evangelho são outros! “Verdade e amor são os caminhos do
Senhor”, diz o salmo. “O Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com
todos aumente e transborde sempre mais”, diz São Paulo, ousando apresentar-se
como exemplo e modelo. Nisso precisamos progredir sempre, assustados e feridos
que estamos pela violência e pela intolerância que tem marcado os últimos anos
da vida política e social da nação brasileira. E, mais ainda, preocupados com o
perigoso namoro de certos grupos políticos, sociais, empresariais e eclesiais
com o autoritarismo e com o obscurantismo.
Precisamos mergulhar no espírito do Advento a aguçar a evangélica
sensibilidade que nos ajudará a identificar os pequenos sinais que teimam em
aparecer nos ventres de mulheres humilhadas, nas estrebarias das periferias
mais hediondas, nas mãos abertas e desarmadas de gente que confia na fraqueza,
nos corações generosos que compartilham sonhos e caminhos, nos movimentos que
se erguem como o indefeso Davi diante do Mercado gigante e idólatra. Precisamos
levantar a cabeça diante dos que venceram pela mentira e pretendem governar
pela intimidação, pois outro é o Humano.
Quem nos mantém de pé é o Filho do Homem, aquele que mostrou a divina
humanidade das suas entranhas, aquele que é caminho por sua solidariedade,
verdade por sua acolhida indiscriminada e vida pelo dom desmedido de si mesmo;
o resto é embriaguez e armadilha. O que nos move é a Boa Notícia que ele
testemunhou e anunciou: o povo de Deus, humilde e humilhado, será grande e
forte, apesar de suas vitórias e através da sua infinita capacidade de
recomeçar, de nascer sempre de novo. E esse nascimento é dom que acolhemos na
oração, ajoelhados diante do mistério da manjedoura e da cruz.
Deus pai e mãe, amor eternamente jovem e criativo que está sempre vindo
ao nosso encontro para armar em nós tua morada! Dissipa o medo e cura as
feridas que a vitória dos violentos deixou em nossos corpos, e a divisão que
provocou em nossas igrejas. Conduz aqueles que ainda acreditam em ti ao templo
silencioso e misterioso do lar e da carpintaria de Nazaré, e ajuda-nos a
perceber que ali moram a resistência mais corajosa e a ousadia mais criativa e
libertadora. Mostra-nos, ó Senhor, teus caminhos, e faze-nos conhecer a tua
estrada! Sustenta-nos em pé, levanta nossas cabeças e entrelaça nossas mãos!
Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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