Jesus é Pastor, Profeta e Testemunha, o Homem pleno!
Há mais de 100 anos,
algumas comunidades católicas imaginaram uma forma de propagar a relevância e a
dignidade de Jesus Cristo, afirmar os direitos da Igreja frente à sociedade
liberal e destacar a importância da doutrina cristã na formulação das leis
civis. Assim nasceu a solenidade de Cristo Rei. Como agenda litúrgica, foi
instituída há 60 anos atrás, mas hoje temos consciência de que é preciso evitar
o triunfalismo e destacar o mistério essencial de Jesus Cristo: ele é testemunha
da verdade e profeta de um Novo Tempo.
Mas Jesus não foi nem
sacerdote, nem rei. Como profeta e reformador, irmão dos pobres e pecadores e
servidor dos oprimidos, ele revelou o melhor que pode haver no ser humano e fez
brilhar no mundo a glória de Deus. Ele não precisa de outra dignidade! A única
razão aceitável para aproximar Jesus Cristo da figura do rei seria a de
contrastar e relativizar todos os poderes. Quando celebraremos a festa de
Cristo Servo de todas as criaturas? Quando os cristãos renunciaremos aos mantos
da nobreza e vestiremos o avental do serviço?
É verdade que o
Apocalipse de São João atribui a Jesus o poder, a riqueza, a honra, a glória, a
sabedoria, a força e louvor e tudo o mais. Mas não podemos esquecer que tudo
isso se diz daquele que é a pedra rejeitada, a vítima do poder estabelecido, e
que Jesus é “a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dos mortos”. Nessa
condição de testemunha e vítima da pena de morte, ele é “chefe dos reis da
terra”. Partilhando a sorte dos condenados, Jesus perdoou nossas dívidas e nos
constituiu como povo soberano, do qual é guia e líder único e inconteste.
A cena de Jesus diante
de Pilatos, que nos é proposta pela liturgia de hoje, é, no mínimo, paradoxal.
Um preso despojado de tudo, acusado pelos seus próprios compatriotas, sem
direito à defesa, está cara-a-cara com uma autoridade plenipotenciária que está
a serviço de um poder invasor. Um homem habituado às estradas é colocado diante
de um senhor habitante de palácios. A cena insinua um confronto radical, e a
pergunta de Pilatos é clara: “Tu és o rei dos judeus?” Pilatos não
pergunta se ele é um rei, mas se é o rei; e não o refere a Israel
(povo escolhido por Deus) mas aos judeus (um povo ou uma raça em meio
a tantas).
Astuto, Pilatos se
interessa mais pela ação que pelos títulos. Por isso, pergunta que tipo de
liderança Jesus exerce: “O que fizeste?” Jesus responde chamando a atenção para
a diferença e a originalidade libertadora da sua ação. Diz que seu reino “não é
deste mundo”, pois sua ação se distancia da força e do poder, tem outro
dinamismo e se rege por outra finalidade. Jesus age solidariamente para
responder às necessidades do seu povo, recusa assumir o poder (cf. Jo 6,15) e
se opõe duramente aos príncipes do mundo (cf. Jo 12,32; 16,11). A marca
distintiva da sua liderança é a compaixão solidária ,e não o poder que aniquila
e amedronta.
Parece que Jesus
aceita a qualificação de rei, mas recusa a redução da sua missão ao povo judeu.
“Você está dizendo que eu sou rei’. Ele não é o único rei, nem apenas
rei dos
judeus. Jesus preside e dirige o amplo movimento do reino de Deus, que
reúne todos os homens e mulheres de boa vontade, promove a liberdade e a vida
de todos, e não usa da força para defender os privilégios das elites. “Se o meu
reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue
às autoridades dos judeus”. Ele é rei exatamente e apenas na medida em que dá
sua vida por todos.
Jesus diz que nasceu e
veio ao mundo para dar testemunho da verdade. Sua prioridade é dar testemunho
do amor incondicional de Deus por todas as criaturas, especialmente pelos
oprimidos e, diante disso, sua própria sobrevivência é secundária. A verdade é
que Deus ama a ponto de dar a própria vida, e isso não expressa a fraqueza mas
a invencível força de Deus. Por isso, é na cruz que se revela e realiza a
realeza de Jesus Cristo e do ser humano. Nada mais paradoxal que esta figura de
rei! Nada mais distante da imagem de rei do que a figura de um escravo executado
na cruz, sem ninguém a quem possa apelar.
Jesus de Nazaré, profeta e pastor, servo e testemunha:
reunidos/as em torno da tua mesa e iluminados/as por tua Palavra, queremos
acolher teu gesto testamentário e teu chamado a sermos dom e semente. Grava em nosso
corpo os sinais da tua realeza: o amor fraterno, o serviço solidário, a
compaixão regeneradora. Ajuda-nos a superar a busca de poder dominador e de
nobreza vazia de humanidade. Que tua Igreja não se deixe guiar nem pela
indiferença, nem pela prepotência. E que à tua palavra-oferta “isto é meu corpo
que é dado por vós”, respondamos com liberdade e verdade: “Faremos a mesma
coisa em memória de ti”. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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