domingo, 15 de junho de 2014

Fatos & Personagens: Cecília

Silvina Parodi
Uma mulher conta

Vários generais argentinos foram levados a julgamento por causa das façanhas que cometeram nos tempos da ditadura militar.

Silvina Parodi, uma estudante acusada de atividades subversivas por viver protestando e criando caso, foi uma das muitas prisioneiras desaparecidas para sempre.

Cecília, sua melhor amiga, prestou depoimento, diante do tribunal, no ano de 2008. Contou os suplícios que havia sofrido no quartel, e disse que tinha sido ela quem entregou o nome de Silvina, quando não conseguiu mais aguentar as torturas de cada dia e de cada noite.

“Fui eu. Eu levei os verdugos até a casa onde Silvina estava. Eu vi quando ela saiu, aos empurrões, às coronhadas, aos pontapés. Eu escutei ela gritar.”

Na saída do tribunal, alguém se aproximou e perguntou a Cecília, em voz baixa: “E depois de tudo isso, como é que você faz para continuar vivendo?” Ela respondeu, em voz mais baixa ainda: “E quem é que disse que eu estou viva?”


(Eduardo Galeano, Os filhos dos dias, L&PM, 2012, p. 195)

sábado, 14 de junho de 2014

Fatos & Personagens: a Guerra das Malvinas

A bandeira como disfarce

No dia 14 de junho de 1982, a ditadura argentina perdeu a guerra. Mansamente se renderam, sem que tivessem sofrido nem um cortezinho na hora de se barbear, os generais que tinham jurado dar a vida pela recuperação das ilhas Malvinas, usurpadas pelo império britânico.

Divisão militar do trabalho: esses heroicos violentadores de mulheres amarradas, esses violentos torturadores e ladrões de bebês e de tudo o que conseguissem roubar, tinham se encarregado das arengas patrioteiras, enquanto mandavam para o matadouro os jovens recrutas das províncias mais pobres, que naquelas remotas ilhas do sul morreram de bala ou de frio.


(Eduardo Galeano, Os filhos dos dias, L&PM, 2012, p. 194)

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Solenidade de Deus Uno e Trino

A Trindade é mistério de comunhão, amor e compaixão
Quando dizemos que Deus é mistério estamos nos referindo a um Aonde e a um Alguém que faz com que nos sintamos em casa, estáveis e seguros; que nos supera, envolve e protege de um modo absolutamente gratuito e acolhedor; que nos arranca de nós mesmos e nos abre ao outro; que vence nossa passividade e nos põe a caminho.  Ele é mistério porque, em sua profundidade, nos espanta e, ao mesmo tempo, nos seduz e nos leva além de nos mesmos e além do tempo presente. Bendito seja Deus Pai, Filho e Espírito Santo, porque é grande seu amor por nós!
Quando intuiu este mistério inominável e inapreensível, Moisés “curvou-se até o chão”, prostrado pelo espanto de um amor tão imerecido e desproporcional: descobriu que Aquele que dá sentido e substância ao nosso ser é “misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel”, lento e vazio de cólera e punição. Moisés imaginava encontrar Deus subindo a montanha e conservá-lo na lei escrita na pedra fria, mas eis que Ele se manifestou descendo e caminhando no meio do povo...
É insuficiente e falsa a imagem de um Deus pronto a punir o menor dos desvios de criaturas que ele mesmo chamou à vida. É uma parcialidade mal-intencionada ensinar que Deus “não deixa nada impune, castigando a culpa dos pais nos filhos e netos, até a terceira e quarta geração” e, ao mesmo tempo, omitir que “ele conserva a misericórdia por mil gerações, e perdoa as culpas, rebeldias e pecados”. O próprio e original na revelação cristã é o perdão e a compaixão, e não a punição.
Deus é Pai e Mãe, ou vida e amor que nos antecede, Deus antes de nós. Deus é Filho, ou vida e amor compartilhados, Deus conosco. Deus é Espírito, ou vida e amor em nós, ou Deus em nós e em todas as criaturas, ao ritmo da história. O amor se caracteriza por chamar à vida e dar proteção, e nunca por limitar ou diminuir a vida. “Pois Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu filho único, para que todo aquele que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna...”
É verdade que dizer que Deus é Amor não resolve tudo. Esta palavra anda tão inflacionada quanto desgastada. Em nome dele se cometem loucuras e são feitas promessas que não duram mais que uma curta noite de verão. Porém, amor é mais um verbo que um substantivo, e para falar responsavelmente dele devemos ter diante dos olhos o percurso histórico de Jesus de Nazaré: “sabemos o que é o amor, porque Jesus deu a sua vida por nos” (1Jo 3,16).
No coração da melhor teologia desenvolvida pelo cristianismo está a convicção de que Deus não é um conceito que precisamos compreender mais ou menos exaustivamente ou uma doutrina que precisamos aceitas mais ou menos resignadamente, mas um mistério que merece nossa adoração. A teologia, pelo menos a boa teologia, está sempre a serviço da evangelização, ou seja: a questão substancial não é compreender uma teoria mas salvar ou transformar as pessoas e o mundo.
Em Jesus Cristo, Deus se revela não apenas dizendo e ensinando algo sobre si mesmo, mas principalmente agindo, salvando: acolhendo pecadores, alimentando famintos, curando doentes, resgatando a cidadania dos excluídos. Assim, Jesus Cristo revela um Deus que não é prisioneiro dos códigos de pedra ou de papel, que não assume a postura de um juiz distante e imparcial, mas um Deus que ama, que afirma o direito dos sem-direito, que age e julga em favor dos oprimidos.
Eis o caminho da Igreja, nascida para prosseguir a ação de Jesus Cristo: ser mais pastora que cuida da vida das ovelhas mais frágeis e menos professora que ensina leis e doutrinas; sair do limbo dos princípios gerais e vazios e comprometer sua honra influência na defesa de quem é ameaçado e explorado; engajar-se na urgente missão de salvar o mundo com a força do Evangelho e com os recursos do próprio mundo, evitando uma postura autosuficiente de julgamento e condenação.
Deus querido e amável, Compaixão que não conhece ocaso, Abraço que não conhece limites, Comunhão que acolhe as diferenças, Amor que brilha no esvaziamento: glória a ti nas alturas celestes; glória a ti nos caminhos da história; glória a ti na intimidade das criaturas. Em ti somos, nos movemos e existimos. Tu és o Ventre de onde viemos, o Caminho que percorremos e a Pátria pela qual anelamos. Ensina-nos a compartilhar a vida e o clamor dos irmãos e irmãs de todos os gêneros, gerações e religiões. Que a graça, o amor e a comunhão corram soltas nas veias das Igrejas. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Exodo 34,4-9 * Daniel 3,52-56 * Segunda Carta aos Coríntios 13,11-13 * João 3,16-18)

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Fatos & Personagens: o suicidio dos soldados

Efeitos colaterais

No ano de 2010 também ficou-se sabendo que são cada vez mais os soldados norte-americanos que se suicidam.

Para resolver esse problema, o Pentágono resolveu multiplicar seus especialistas em saúde mental, que integram o setor mais promissor das forças armadas.

O mundo está se transformando num imenso quartel, e o imenso quartel está se transformando num manicômio do tamanho do mundo. Nesse manicômio, quem são os loucos? Os soldados que se matam ou as guerras que os mandam matar?


(Eduardo Galeano, Os Filhos dos Dias, L&PM, 2012, p. 193)

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Fatos & Personagens: a guerra contra o Afeganistão

A explicação do mistério

No dia 12 de junho de 2010, a guerra contra o Afeganistão confessou sua razão: o Pentágono revelou que naquele país há jazidas que valem mais de um trilhão de dólares.

Não são jazidas de talibãs... São jazidas de ouro, cobalto, cobre, ferro e sobretudo lítio, imprescindível nos telefones celulares e nos computadores portáteis.


(Eduardo Galeano, Os Filhos dos Dias, L&PM, 2012, p. 192)

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Fatos & Personagens: o vanguardismo da Argentina

O casamento homossexual

Nestes dias do ano 2010, foi aberto em Benos Aires o debate sobre o projeto de legalização do matrimônio homossexual.

Seus inimigos lançaram a “guerra de Deus contra as bodas do inferno”, mas o projeto foi vencendo obstáculos, ao longo de um caminho espinhoso, até que no dia 15 de julho (de 2010) a Argentina se transformou no primeiro país latino-americano a reconhecer a plena igualdade de todas e de todos no arco-íris da diversidade sexual.

Foi uma derrota da hipocrisia dominante, que convida a viver obedecendo e a morrer mentindo, e foi uma derrota da santa inquisição, que muda de nome mas sempre tem lenha para a fogueira.


(Eduardo Galeano, Os Filhos dos Dias, L&PM, 2012, p. 190)

sábado, 7 de junho de 2014

Fatos & Personagens: Michelangelo

Sacrílego
No dia 8 de junho de 1504, Michelangelo estreou sua obra prima: o Davi ergueu-se na praça principal da cidade de Florença.

Insultos e pedradas deram más-vindas ao gigante completamente nu.

Michelangelo foi obrigado a cobrir a indecência com uma folha de parreira, talhada em cobre.


(Eduardo Galeano, Os Filhos dos Dias, L&PM, 2012, p. 188)

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Solenidade de Pentecostes (Ano A - 2014)

A diversidade é uma bênção que vem do Espírito Santo

A experiência do Espírito Santo é o ponto de chegada da caminhada pascal. Reunidos em comunidade, pedimos que o Espírito renove em nós os prodígios que realizou no início do cristianismo. Nossa prece é que o Sopro de Deus nos dê respiro e vida, nos ensine a testemunhar e anunciar o Reino de Deus na língua das diversas culturas, aumente nosso apreço pela diversidade, derrube os muros que nossos medos e prepotências ergueram, abra as portas das nossas igrejas e as empurre para a missão. Enfim: convoque todos homene e mulheres de boa vontade para a seleção que joga a favor da vida vida.
O Espírito Santo é dom, presença e força vital de Deus nas suas criaturas e nos caminhos da história. Ele suscita e sustenta a comunhão entre o Pai e o Filho; possibilita e mantém a comunhão dos cristãos entre si e com Cristo como sua cabeça; possibilita a comuhão entre as diferentes Igrejas; abre todas as criaturas para uma interdependência e colaboração essecial e vital. E cumpre esta obra maravilhosa criando e sustentando a riqueza da diversidade. Um mundo uniforme seria feio, frio, falso...
A diversidade de línguas, culturas e também é dom do Espírito, bênção de Deus e uma forma de proteger a humanidade. Sendo uma e única, a humanidade vê, sente, pensa, age, trabalha, crê, celebra e se comunica mediante diferentes linguagens. A imposição de um pensamento único é meio caminho para construir impérios que asseguram a dominação dos mais fortes e espertos sobre os mais fracos. O próprio Deus dispersa os povos e arruína o projeto de uma cultura uniforme e prepotente.
Mas será que podemos afirmar isso também em relação às religiões e Igrejas cristãs? Jesus é muito aberto em relação às diferenças religiosas: mesmo sendo judeu, ele respeita o movimento samaritano e demonstra apreço pela postura religiosa de pessoas pagãs. Chega a dizer que o que importa não é a religião, mas a prática e a lealdade (cf. Jo 4,23). E as primeiras comunidades cristãs seguem o mesmo rumo, louvando a Deus pela experiência e pela vivência espiritual de gente de diferentes religiões.
Na evangelização e na ação pastoral, o valor da diversidade se expressa na inculturação. Não deixa de impressionar como o relato dos Atos dos Apóstolos sublinha que cada um os diferentes grupos étnicos e culturais reunidos em Jerusalém na manhã do pentecostes escuta a pregação dos apóstolos na sua própria língua de origem (cf. At 2,6.8.11). É isso que causa espanto e admiração, além de uma certa confusão nas mentalidades muito arrumadinhas. O que impressiona é propriamente a diversidade!
Outra importante expressão da presença ativa do Espírito Santo no mundo e nas pessoas são os vínculos de amor, amizade e solidariedade. Onde o Espírito é acolhido, as pessoas isoladas se reúnem, os membros formam um corpo. É uma comunhão que ultrapassa os indivíduos e se estende às coletividades humanas, às organizações sociais e a todas as criaturas. O Espírito impede que sejamos fragmentos desarticulados, perdidos no tempo e no estaço: ele nos transforma em equipe!
Mas o Espírito Santo não se coaduna com o silêncio omisso, com o individualismo espiritual, com a submissão medrosa ou com a passividade irresponsável. Ele é a força de ação de Deus na história, a força da ação libertadora de Jesus Cristo. Ele nos é enviado como dinamismo missionário, como capacidade de gerar o homem novo e a nova sociedade: partilhar o pão, curar doenças, perdoar e acolher pecadores, anúnciar o Evangelho, denunciar as opressões, partir em missão.
Segundo o Evangelho, os discípulos são enviados por Jesus com o “Sopro” do Espírito para, como ele, “tirar o pecado do mundo”: superar e eliminar as práticas de dominação em si mesmos e nas instituições sociais, políticas e religiosas. E isso com sentido de urgência, sem deixar para depois, pois o pecado que for tolerado continuará produzindo seus frutos amargos. Nada de portas fechadas, nem de braços cruzados! A afirmação da diversidade vai de mãos dadas com a missão!
Deus Pai justo e Mãe compassiva, fonte da diversidade, origem e meta da missão: como nossos pais e mães o fizeram no passado, esperamos e suplicamos o precioso dom do teu Espírito. Que ele venha como Vento que arrasta o pó acumulado nas velhas leis, estruturas, ritos e posturas. Que ele venha como força de Comunhão respeitosa e benfazeja de povos, culturas, religiões, Igrejas e movimentos. Que ele venha como Terremoto que acorda e desestabiliza uma Igreja que dorme e se sente segura.  Que ele venha como Fogo e gari, que leva embora o lixo do pecado e purifica a Vida. Que ele venha com a suavidade da Brisa que celebra a diversidade e revigora quem quase perdeu a esperança. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 2,1-11 * Salmo 103 (104) * Primeira Carta aos Coríntios 12,3-7.12-13 * João 20,19-23)

Apoio aos agricultores moçambicanos

CAMPANHA NACIONAL “NÃO” AO PROSAVANA

Em Maio de 2013, mais de 20 organizações da sociedade civil e movimentos sociais, camponesas, ambientais, religiosas, famílias e comunidades do Corredor de Desenvolvimento de Nacala, assinaram e submeteram junto dos Presidentes de Moçambique, do Brasil e do Primeiro-Ministro do Japão uma Carta Aberta para Deter e Reflectir de Forma Urgente o Programa ProSavana.
O ProSavana é um programa de cooperação triangular entre os três Governos que permite ao Brasil e ao Japão a aquisição de mais de 14.5 milhões de hectares de terra junto das autoridades moçambicanas para serem concessionadas a grandes empresas brasileiras e japonesas do agronegócio (monoculturas de soja, milho, girassol, algodão) no norte do País, ao longo do chamado Corredor de Desenvolvimento de Nacala, com forte incidência em 19 distritos das províncias de Nampula, Niassa e Zambézia.
A Carta Aberta dirigida aos governantes dos três Países responsáveis por esta mega-parceria tinha como objectivo principal a detenção e paralisação urgente do ProSavana de modo a proporcionar espaços de debate público profundo, amplo, transparente e democrático no âmbito do exercício do direito à informação, consulta e participação públicas neste processo de grande relevância social, económica e ambiental, com elevados potenciais impactos e efeitos directos nefastos para a vida de milhões de cidadãos e das futuras gerações.
O documento também denuncia a existência de inúmeras discrepâncias e contradições nas insuficientes informações e documentos disponíveis, indícios e evidências que confirmam a existência de vícios insanáveis de concepção do programa; graves irregularidades no suposto processo de consulta e participação pública; sérias ameaças de usurpação de terra e remoção forçada dos camponeses e das comunidades das áreas que ocupam actualmente.
Um ano após a submissão e publicação da Carta Aberta para Deter e Reflectir de Forma Urgente o Programa ProSavana, esta permanece sem resposta. Contra todas as críticas e exigências de vários segmentos da sociedade moçambicana, o ProSavana continua a ser implementado nos moldes corporativos e perversos em que foi concebido. O governo moçambicano, através do Ministério da Agricultura, continua a ignorar as demandas e justas reivindicações de moçambicanos e moçambicanas levantadas em torno deste programa.
Com muita apreensão temos assistido à permanência de secretismo, omissão, manipulação e deturpação deliberada e contraditória de documentos, multiplicação de intimidações e manipulação dos líderes das organizações camponesas, representantes dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e activistas, protagonizadas pelos proponentes e executores do Prosavana.
Para impedir situações de neocolonialismo expressas através do avanço do ProSavana e das multinacionais sobre os territórios camponeses anunciamos, publicamente, hoje, 02 de Junho de 2014, a CAMPANHA NACIONAL NÃO AO PROSAVANA como parte de um processo mais amplo de endurecimento da nossa luta numa mobilização conjunta das organizações da sociedade civil e movimentos de camponeses em defesa dos recursos naturais e contra a agressão, usurpação, mercantilização e possível privatização da terra.
Com o lançamento da CAMPANHA NACIONAL NÃO AO PROSAVANA pretendemos construir uma agenda pública de luta com o objectivo principal de deter e paralisar todas as acções e projectos (Plano Director, ProSavana Extensão e Modelos) em curso no âmbito do ProSavana nos termos e pressupostos em que foi desenhado e tem vindo a ser implementado, reafirmando a atualidade da Carta Aberta e todas as demandas e preocupações dos camponeses nela contidas que nunca foram respondidas. Esta Campanha tenciona ainda:
·      Denunciar e repudiar todas as formas de manipulação, cooptação, intimidação e tentativas de criminalização das organizações da sociedade civil, lideranças e activistas que contestam o Prosavana;
·      Promover uma ampla mobilização, organização e resistência popular dos camponeses e das comunidades afectadas contra a agressão e usurpação da terra e contaminação do ambiente a serem provocados pelo ProSavana;
·      Responsabilizar os Estados e as Agências internacionais envolvidas no ProSavana através de mecanismos legais nacionais e internacionais, processos judiciais sobre a denegação de informação de um programa de interesse público, e mover queixas e denúncias junto de instituições extrajudiciais como a Comissão Nacional de Direitos Humanos e Provedor da Justiça;
·      Exigir do Governo de Moçambique a instauração de um mecanismo inclusivo, amplo e democrático de construção de um diálogo oficial com todos os sectores da sociedade moçambicana (camponeses e camponesas, comunidades rurais, organizações religiosas e da sociedade civil) sobre as reais necessidades, aspirações e prioridades da matriz e agenda de desenvolvimento soberano do País.
Finalmente, reiteramos o nosso convite e apelo a todos os movimentos de camponeses, ambientais e sociais, organizações da sociedade civil, comunidades rurais e todos os cidadãos em geral para uma ampla mobilização, organização e construção de um movimento popular nacional de luta em defesa de nossos direitos e interesses relativos ao acesso e controlo da terra, água, bens e patrimónios culturais e históricos comuns. Exortamos para uma resistência vigorosa e firme de todos os atingidos pelo ProSavana e vítimas da mercantilização e usurpação da terra, injustiças sociais e ambientais.
Maputo, 02 de Junho de 2014


União Nacional de Camponeses-UNAC * Liga Moçambicana dos Direitos Humanos-LDH * Justiça Ambiental-JA/Amigos da Terra Moçambique * Accão Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais-ADECRU * Fórum Mulher * Actionaid Moz * Associação de Apoio e Assistência Jurídica as Comunidades-AAAJC * Livaningo * Kulima

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Pe. Rodolpho Ceolin msf

Uma presença que se insinua em muitas ausências
O mistério de uma pessoa não cabe nestes poucos dados…
Passaram-se onze meses e já começou a contagem regressiva para o primeiro ano da tua páscoa definitiva. É verdade que não eras mais propriamente um jovem e que já podias apresentar uma longa fichha de testemunhos edificantes e de serviços relevantes ao povo, à Congregação, à Vida Consagrada e à Igreja. Tinhas chegado à desejada e difícil maturidade em idade, sabedoria e graça. Eras como uma fruta madura, bela e desejável. Somente agora damo-nos conta de que esta fruta nos foi roubada antes que a colhêssemos e degustássemos como desejávamos...
Nestes longos onze meses privados da tua presença física, querido Pe. Ceolin, crescemos na consciência de que não soubemos apreciar adequadamente o que tinhas a nos dar, e não consegimos nem imaginar quanta falta tua partida nos faria. Percebemos que não te levamos suficientemente a sério, que mais brincávamos contigo que te escutávamos. Hoje percebemos, com uma pitada de ressentimento e de dor, a falta do teu olhar nos encontros, o silêncio da tua palavra nas nossas rodas de conversa, o lugar vago na cadeira que ocupavas nos nossos encontros, a ausência da tua experiência nas nossas buscas e encruzilhadas, a falta da tua incrível memória nas nossas projeções, a falta do teu abraço nas nossas chegadas e partidas...
Apagou-se teu olhar, Rodolpho, aquele olhar do tipo que basta por si mesmo. Não precisavas dizer ou fazer nada. Ser visto por ti era o bastante para sentir-se acolhido, confirmado, valorizado, seguro. É verdade que às vezes te encontrávamos agitado e até nervoso, e parecía-nos que nos negavas teu olhar... Mas, mesmo naqueles momentos, comparecer diante de ti era o suficiente para desfazer a sensação de abandono e de nulidade. Nos teus olhos nos sentíamos amados, experimentávamos a serena alegria de podermos ser nós mesmos, sem nenhum constrangimento. Que teu olhar se volte ainda e sempre a nós...
Silenciou tua palavra, aquela palavra fácil e eloquente em público, mas que brotava como que arrancada do silêncio nos diálogos pessoais e íntimos, no acompanhamento espiritual e no aconselhamento. Uma palavra sempre ponderada e equilibrada, lentamente amadurecida. Palavra que estimulava, desafiava, confortava. No púlpito, era uma palavra que chamava a um sadio e concreto realismo, à mudança profunda e corajosa, à esperança que não engana, à memória responsável e agradecida. E quando escrevias, tua palavra não rabiscava idéias: era sempre auto-implicativa e traduzia experiências e esperanças. Por favor, não te cales!
Tua cadeira permanece desocupada, ali diante dos nossos olhos, nos grupos de trabalho e de reflexão, nos encontros e cursos da Província. Eras presença certa, desejada e apreciada pela maioria de nós, nos cursos, encontros, assembléias e discussões. Tua presença impunha respeito e seriedade às atividades, mesmo quando davas vazão a um humor cáustico ou a uma inesperada descrença, que nos parecia difícil coadunar com tua biografia. Há onze meses e tantos encontros tua cadeira permanece muda e vazia, e não encontramos ninguém que possa ocupá-la em teu lugar. Se fosse a cadeira do juiz ou do professor não faltariam candidatos... Ocupa de novo o lugar que te pertence no meio de nós!
Tua experiência também nos faz muita falta... Aquela experiência temperada no fogo das crises e nas noites escuras da fé. Esta experiência faz muita falta nestes tempos líquidos, quando aquilo que nos parecia sólido se desfaz em mil fragmentos e as promessas feitas “para sempre” estão sempre por um triz... Era belo, gostoso e animador te escutar quando falavas das crises superadas e dos questionamentos que te atormentavam, mesmo quando, por vezes, nos parecias denasiadamente voltado ao passado. Em ti, a experiência não era uma receita a ser seguida rigidamente, mas um saber que se oferecia generosamente.
Um click não consegue eternizar 
o mistério da pessoa humana…
Perdemos com tua partida um bocado da nossa memória coletiva. Tinhas alinhavados na mente a maioria dos fatos importantes que, desde 1943, envolveram a Província e a Congregação. Deles participaste como “testemunha ocular” e, em muitos casos, como protagonista. Se tivesses acolhido nossos insistentes pedidos de escrever esta história, hoje estaríamos mais vivos e menos pobres! Esta memória, que é muito mais que o registro de datas e fatos, faz muita falta na hora de visualizar nosso futuro como Província e como Congregação. Resta-nos catar as nodas que deixastes aqui e acolá... E aprender contigo a tomar notas, pensando nas gerações que virão.
E quanta falta nos faz oteu abraço, real ou imaginário, tanto nas chegadas como nas saídas... Sem ele, nossas viagens e travessias ficam com um sabor de fuga, de errância, de deserção. Nos teus braços alquebrados e no teu corpo que envelheceu sem jamais se enrijecer nos sentíamos acolhidos, envolvidos, revigorados, enviados. Somente agora, quando teu corpo jaz no cemitério do Seminário que tanto amavas, percebemos o quanto necessitávamos daquele abraço tão teu, abraço de pai generoso, de irmão e igual, de amigo fiel, de mestre sábio e prudente... Mas agora ele está para sempre perdido. Ou será que não?!
Sim, porque continuas conosco, saudoso irmão e precioso amigo, nas mil e uma lembranças que nos visitam cada dia, no edificante testemunho que recordamos com saudade e gratidão: teu indisfarçável apreço pela tua terra e tua origem; tua capacidade infinita de compreender nossos limites e erros; tua serenidade diante dos altos e baixos da vida; tua impressionante capacidade de autocrítica, de pedir desculpas, de recomeçar; tua incansável dedicação ao auto-cultivo; tua dedicação incondicional e generosa ao povo; tua proverbial liberdade frente às leis e instituições; teu apreço maduro e equilibrado pela Província e pela Congregação; tua grande estima e devoção a Nossa Senhora da Salette e à Sagrada Família de Nazaré...

Itacir Brassiani msf