Celebrar a independência defendendo a soberania
Estamos
na semana da pátria, e o patriotismo tem se tornado um conceito disputado. Faz
tempo que a comemoração da independência se tornou palanque para discursos e apelos
desencontrados. Há décadas as manifestações têm sido pouco populares e muito
militares. Será que o amor à pátria vigora puro apenas nas casernas? A fé
cristã rima com paz, e não com desfiles que ostentam armas e glorificam guerras.
Paulo nos pede que, por amor a Jesus Cristo, tratemos a todos, inclusive os
escravos, como irmãos (cf. Fm 16).
Lembro
sem saudades, e com um certo constrangimento, as celebrações eufóricas que
marcaram os 150 anos da independência, em 1972. Ainda adolescente, e sem
nenhuma consciência de que a “pátria mãe gentil” era governada pelo medo e
muitos patriotas verdadeiros haviam sido mortos ou expulsos, eu cantava emocionado:
“Potência de amor e paz, esse Brasil faz coisas que ninguém imagina que faz...”
Eram os tempos da ordem de amar o Brasil ou deixá-lo (como se os exilados haviam
deixado o Brasil por não amá-lo).
Posteriormente,
com um pouco mais de consciência, eu ficava incomodado ao constatar que as
escolas não sabiam celebrar essa data senão com eventos que imitavam os
desfiles militares. Manifestações de defesa da soberania diante dos novos
colonizadores e de crítica aos “podres poderes” de plantão, reivindicações de
igualdade e justiça, expressões dos sonhos e utopias do povo eram mal vistas e,
não poucas vezes, proibidas.
Hoje,
em meio a novas tentativas de apropriação ideológica das cores e símbolos
nacionais, urge libertá-los do sequestro que estão sofrendo. Se conseguimos,
como cantamos no Hino, o penhor da
igualdade entre as nações soberanas com
braço forte, não é somente no seio da
liberdade que precisamos estar prontos a desafiar a morte: também no seio e
no sonho da igualdade e da justiça, precisamos desafiar e desmascarar aqueles que
impõem a morte perpetuando a desigualdade e promovendo o entreguismo.
Qual
é o sonho intenso e o raio vívido
de amor e de esperança que desce à terra?
Não vejo outro melhor que aquele expresso na Constituição de 1988: “Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e
solidária; garantir o desenvolvimento
nacional; erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”
(Art. 3º).
Vejo que nossos bosques
e florestas, cobiçados e destruídos, clamam por vida; nossos campos já não têm tantas flores, mas foram tomados por muita cana, soja,
café, gado, e cercas que limitam nossa vontade de viver e de amar. Por isso, no
seio dessa terra, nossa vida, a vida do nosso povo, tem mais dores que amores.
Não é verdade que nosso passado é marcado por glórias. E, para que haja paz no
futuro, é preciso fazer as contas com ele.
A semana da pátria é tempo apropriado também para
levantar um grito retumbante a clava forte da fome de justiça e de
igualdade, da defesa da democracia e da soberania, inclusive mediante um
plebiscito popular. É dessa luta que um filho não foge. Não ama a “pátria, mãe
gentil” quem se cala por medo e conveniência ou fala por ambição e ódio,
temendo desagradar senhores e perder privilégios.
Dom Itacir Brassiani msf
Bispo Diocesano de Santa Cruz do Sul
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