sábado, 31 de agosto de 2024

Tudo nos é permitido quando o amor é a “cláusula pétrea” da nossa vida

Tudo nos é permitido quando o amor é a “cláusula pétrea” da nossa vida | 459 | 01.09;2024 | Marcos 7,1-23

O amor solidário de Deus, manifestado e atestado em Jesus Cristo, não muda jamais. E não muda também o amor como único caminho possível para construir outro mundo. Quando falamos em amor não estamos nos referindo a um vago sentimento interior, mas a um dinamismo envolvente, que encontra em Jesus sua máxima expressão e concretude: é o conjunto de atitudes de reconhecimento dos outros em sua dignidade, valorização da sua verdade e atendimento das suas necessidades.

É lamentável que inda hoje alguns cristãos priorizem a limpeza das toalhas e cálices, deem a máxima importância a panos e hábitos vistosos, mas pouco se importem com as atitudes anti-evangélicas que precisam ser combatidas. É esta a “lei” que os legistas e fariseus defendem diante da liberdade libertadora de Jesus e dos seus discípulos. “Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, pois comem o pão sem lavar as mãos?” Eles não se interessam pela partilha dos pães e peixes, mas o fato de que os discípulos e todo o povo haviam comido sem lavar as mãos! Para eles, essa é a única tradição legítima e respeitável.

Também em nosso tempo, alguns costumes irrelevantes e hábitos perniciosos vão conquistando uma importância cada vez maior, e acabam sendo considerados vontade de Deus. Quanta discussão sobre se é permitido receber a hóstia na mão ou não, e quanta polêmica em torno da prática de chamar leigos e leigas para proclamar o Evangelho numa celebração eucarística! E sem falar na comunhão aos casais separados ou recasados, aos critérios para o batismo e para a escolha de padrinhos e madrinhas. São tradições humanas que ocupam o lugar da vontade de Deus!

Jesus estabelece um princípio universal e concreto para o discernimento de cada dia: “O que vem de fora e entra na pessoa não a torna impura; as coisas que saem de dentro da pessoa é que a tornam impura”. O que nos torna dignos ou indignos não é nossa condição social, nosso grau de estudo, nossos recursos e bens, nossa orientação sexual, nossa condição moral ou nossa pertença religiosa, mas as ações e decisões que tomamos, as relações que estabelecemos. “Pois é de dentro do coração das pessoas que saem as más intenções, como a imoralidade, roubos, crimes, adultério, ambições sem limites, maldades...”

 

Meditação:

·        Releia o texto, procurando entender bem as práticas dos doutores da lei e o que eles criticam em Jesus e seus discípulos, e o sentido da parábola

·        Procure compreender a crítica de Jesus aos escribas, e o exemplo de como eles esvaziam a Palavra de Deus

·        Você percebe também hoje a tentação de esvaziar a Palavra de Deus e substitui-la por interesses mesquinhos? Dê exemplos

·        Quais são os argumentos mais usados hoje para defender a superioridade de alguns povos (religiões, classes) sobre outros?

O Evangelho dominical (PAgola) - 01.09.2024

UMA IGREJA SEM DEUS?

Os cristãos da primeira e da segunda gerações recordavam Jesus não tanto como um homem religioso, mas como um profeta que denunciava com coragem os perigos e as armadilhas de toda a religião. Eles não defendiam uma observância piedosa, mas a busca apaixonada da vontade de Deus.

Marcos, o evangelho mais antigo e direto, apresenta Jesus em conflito com os setores mais piedosos da sociedade judaica. Entre as suas críticas mais radicais, há que destacar duas: o escândalo de uma religião vazia de Deus e o pecado de substituir a sua vontade por tradições humanas ao serviço de interesses restritos a pequenos grupos.

Jesus cita o profeta Isaías: «Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim». O culto que me prestam está vazio, porque a doutrina que ensinam são preceitos humanos. Depois denuncia em termos claros onde está a armadilha: «Vocês deixaram de lado o mandamento de Deus para se apegarem à tradição dos homens».

Este é o nosso grande pecado. Uma vez estabelecidas as nossas normas e tradições, colocamo-las no lugar que só Deus deveria ocupar. Colocamo-las acima até da sua vontade, ensinando que não devemos ignorar a menor prescrição, mesmo que vá contra o amor e prejudique as pessoas.

Nessa religião, o que importa não é Deus, mas outros tipos de interesses. Deus é honrado com os lábios, mas o coração está longe dele. Pronuncia-se um credo obrigatório, mas acredita-se no que for conveniente. Cumprem-se ritos, mas não há obediência a Deus, mas sim aos homens.

Pouco a pouco esquecemos Deus e depois esquecemos que o esquecemos. Menosprezamos o Evangelho para não termos que nos converter muito. Orientamos a vontade de Deus para aquilo que nos interessa e esquecemos a sua exigência absoluta de amor.

Este pode ser o nosso pecado hoje: apegar-nos como que por instinto a uma religião desgastada e sem poder de transformar nossas vidas; continuar a honrar a Deus apenas com os lábios; resistirmos à conversão e viver esquecidos do projeto de Jesus, a construção de um mundo novo segundo o coração de Deus.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

A verdadeira alegria está em partilhar tudo

A verdadeira alegria está em partilhar tudo sem esperar nada em troca | 458 | 30.08.24 | Mateus 25,14-30

Jesus não desperdiça nenhuma ocasião para ensinar. Ele desenvolve a corajosa lição de hoje num sábado, na casa de um dos chefes dos fariseus, logo depois de afirmar que as necessidades de qualquer pessoa estão acima de toda e qualquer prescrição legal. Quase iniciando o mês que a Igreja do Brasil dedica à Palavra de Deus, fixemos os olhos em Jesus, a Palavra que ressoa como Boa Notícia.

O ensino de Jesus não é sobre as regras de boas maneiras numa refeição solene, mas sobre uma questão fundamental da vida cristã: quem é o maior ou o primeiro, o mais importante ou notável na vida cristã? Ele começa pela crítica ao orgulho e aos privilégios e passa à questão dos beneficiários da nossa atenção. Ele conhece o costume de privilegiar, tanto nas festas quanto nas decisões e projetos políticos, os familiares, parentes, amigos e vizinhos. Para Jesus, este é um círculo muito estreito.

Inicialmente, Jesus fala aos hóspedes que estão com ele à mesa, afirmando que “todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”. Depois, dirige-se ao próprio anfitrião, e questiona sua expectativa de retribuição, deixando muito claro que orgulho e a busca de retribuição não batem com o Evangelho. Os cristãos e as igrejas não podem ceder a honras e vaidades, mas buscar decididamente o lugar reservado aos servidores, superar a prática de apoiar e defender prioritariamente aqueles que a favorecem.

Jesus inverte a ordem dos grupos e pessoas que costumam aparecer no topo das nossas listas de convidados, presenças infalíveis em nossas festas e solenidades: os pobres, aleijados, coxos e cegos devem ser os primeiros! Jesus não quer estragar nossas festas, mas questionar a estreiteza das fronteiras que traçamos entre ‘nós’ e ‘eles’, entre os ‘nossos’ e os ‘outros’. Jesus questiona a busca de compensações que rege nossas pequenas e grandes ações.

Para quem segue o caminho de Jesus, a recompensa é prometida para ressurreição dos justos. A felicidade verdadeira é aquela que conquistamos entrando pela estreita porta da humildade, da generosidade e da solidariedade. Enquanto caminhamos nesta direção, não há honra e alegria maiores que servir, compartilhar sonhos e lutas com aqueles que normalmente são ejetados para os últimos lugares.

 

Meditação:

§  Releia atentamente este ensino de Jesus, reconstituindo a cena e participando ativamente dela

§  Observe atentamente a atitude e os pensamentos dos convidados à mesa, e, especialmente, o olhar e as palavras de Jesus

§  Que lugar as pessoas mais pobres e com posses limitadas têm em nossos eventos e projetos?

§  Examine com sinceridade e profundidade o que motiva aquilo que você faz: a gratuidade ou a expectativa de retorno?

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Jesus e o Reino de Deus podem tardar

Jesus e o Reino de Deus podem tardar, mas estão vindo ao nosso encontro! | 457 | 30.08.24 | Mateus 25,1-13

Na meditação sobre o evangelho de ontem, memória do martírio de João Batista, vimos que o profeta do deserto e do rio não se intimida, nem se cala, mas não é um homem apenas preocupado com o culto ou com a moralidade dos costumes. Uma leitura atenta dos evangelhos nos mostra um profeta engajado num movimento de mudança, no corte raso das instituições que encobrem ou sustentam injustiças e violências, e numa partilha radical.

Com a parábola do evangelho de hoje, Jesus continua sua insistência na preparação e na prontidão para acolher e promover o Reino de Deus, mesmo quando ele parece demorar. O caminho do discipulado tem um tempo indeterminado, um fim imprevisível e um desfecho desconhecido. Supõe ânimo e disposição para perseverar na luta até o fim, sem a ânsia de que este fim aconteça logo.

A parábola das dez moças põe diante dos olhos da nossa imaginação dois grupos contrastantes de pessoas, ou duas atitudes contrastantes: o grupo das moças sensatas e prudentes; o grupo das moças desligadas e insensatas. Estes grupos representam todos os discípulos, homens e mulheres, de origem judia e de origem pagã. O foco da parábola são as moças, e não o noivo. Estranho é que a noiva não aparece...

Com o atraso do noivo para celebrar suas bodas, todas as dez moças dormem. Mas cinco delas, as moças sensatas, providenciam uma reserva de óleo. Estas representam o discipulado fiel, obediente e perseverante. As outras cinco são insensatas: ouvem o Evangelho e não o colocam em prática ou não o levam a sério. Com a demora ou a aparente insignificância dos sinais do Reino de Deus, o grupo das moças insensatas perde o foco e se perde no caminho. São como terreno ruim, no qual o Evangelho não consegue criar raízes nem frutificar. São falsas discípulas que Jesus não reconhece, enquanto que as sensatas são acolhidas na festa.

Portanto, a exortação de Jesus é que estejamos sempre prontos a encontrá-lo, reconhecê-lo e acolhê-lo, vigilantes no sonho do Reino e no serviço solidário aos irmãos e irmãs. Jesus e o Reino de Deus podem tardar, mas estão vindo! Que nada nos distraia diante da absoluta primazia da fraternidade e da solidariedade.

 Meditação:

§  Retome calmamente as duas comparações que Jesus oferece sobre a correta atitude em tempos de espera e demora

§  O que você pode fazer para ajudar a evitar que as comunidades cristãs fujam da responsabilidade com a transformação do mundo e se refugiem no culto e no moralismo?

§  Como você tem se preparado para a “nova normalidade”? Tem conseguido rever e qualificar o estilo de vida?

§  Qual é o “óleo” que tem ajudado vocês a permanecer lúcidos e atenciosos, sal e fermento do Reino em tempos difíceis? 

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Ser discípulo de Jesus implica em participar da sua missão

Ser discípulo de Jesus implica em participar da sua missão e do seu destino | 456 | 29.08.24 | Marcos 6,17-29

A presença de João Batista nos evangelhos evidencia seus vínculos com Jesus Cristo. Além de preparar os caminhos para a missão de Jesus, o profeta do deserto e do rio Jordão antecipa em si mesmo o desfecho da missão de Jesus. Suas posições claras contra os desvios éticos do seu tempo, e a coragem com que enfrenta os poderosos de plantão, valeram-lhe a perseguição, a prisão e a decapitação.

No texto de hoje, o protagonista é Herodes. Ele é judeu, mas, como de resto todas as elites sociais e políticas, cumpre a Lei da sua religião apenas quando lhe convém. Ele tem medo de Jesus, e pensava que ele é uma espécie de reencarnação de João Batista, a quem havia mandado matar. O delito de Herodes vai além do roubo da mulher do seu irmão e da conivência com a morte de João Batista. A presença dos grandes da Galileia na sua festa de aniversário revela a quem ele serve, e de quem depende.

Marcos nos apresenta uma caricatura sarcástica de Herodes e das elites que o apoiam. As festas que promoviam davam asas às paixões incontroláveis e aos seus caprichos assassinos. Entre eles, como em toda a realeza, o casamento tinha fortes conotações de aliança para adquirir sustentação política. O juramento ou promessa de Herodes à filha da sua concubina revela o modo escuso como as elites tomam suas decisões políticas: matam para salvar a própria honra.

Diante de Herodes e seus acólitos, João não se intimida, nem se cala, mas não é um homem apenas preocupado com o culto ou com a moralidade dos costumes. Uma leitura atenta dos evangelhos nos mostra um profeta engajado num movimento de mudança, no corte raso das instituições que encobrem ou sustentam injustiças e violências, e numa partilha radical. É nesse horizonte que ele enfrenta Herodes.

Marcos situa a narração do martírio de João Batista no capítulo 6 do seu evangelho, onde a discussão é sobre a identidade de Jesus. Com isso, o evangelista evidencia o destino de todo aquele que anuncia e testemunha uma nova ordem social e religiosa. E, além de uma antecipação do destino de Jesus, o destino de João Batista soa aos discípulos de todos os tempos e latitudes como um forte alerta.

 

Meditação:

·    Retome calmamente a cena, desde o seu início até seu desfecho, observando com atenção a trama que leva à execução do profeta

·    Perceba a força política, social e religiosa da atuação corajosa de João Batista, profeta da Judeia que estende sua missão à Galileia

·    Como você e sua comunidade cristã tem se posicionado diante de um governo belicista e contrário aos avanços sociais no Brasil?

·    Como podemos evitar polêmicas religiosas parciais e estéreis, mas sem abandonar a necessária dimensão política da fé?

·    Você tem medo dos conflitos provocados pela atuação profética dos cristãos em nome do Evangelho? Por que?

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Ser cristão é ser diferente, transparente e coerente

Ser cristão é ser diferente, transparente e coerente com Jesus Cristo | 455 | 28.08.24 | Mateus 23,27-32

Estamos refletindo sobre as críticas e denúncias de Jesus contra os mestres da lei e fariseus. O evangelista fala dos fariseus, mas pensa nos discípulos de Jesus e nas comunidades dos anos 80 da era cristã. Ele quer alertar e chamar à conversão e à coerência de vida os discípulos de todos os tempos. No texto de ontem, Jesus já apresentou uma série de “ais” ou maldições contra os líderes religiosos.

No texto de hoje, temos a sexta e a sétima “maldições”, que dão continuidade e completam as cinco primeiras. Na primeira das duas, Jesus denuncia a incoerência entre a aparência que ostenta, e “vendem” e a realidade concreta da vida dos escribas e fariseus. Na segunda, afirma que, mesmo maquiando e buscando mil disfarces, eles continuam a tradição assassina dos seus antepassados, perseguindo e eliminando os profetas para depois chorar na sepultura deles ou incensa-los cinicamente.

Jesus usa uma imagem bem conhecida dos seus conterrâneos e contemporâneos. Acuados pela busca da quase impossível pureza cultual, os judeus pintavam as sepulturas para que ninguém corresse o risco de se contaminar pisando inadvertidamente sobre os cadáveres. Mas Jesus muda um pouco o sentido dessa imagem, e diz que os fariseus e mestres da lei são como sepulturas enfeitadas para esconder o mal e a podridão que eles mesmos alimentam e guardam dentro de si.

Além disso, ao enfeitar as tumbas dos profetas e recordar o destino deles, em vez de fazê-lo para honrar os profetas fazem-no para esconder a violência com a qual perseguem os profetas do seu tempo, João Batista e Jesus à frente, e os discípulos depois. Para Jesus, com esta prática eles não apenas continuam a história de violência dos antepassados, mas a completam e levam ao ponto mais alto. Por isso, Jesus associa as suas cidades aos lugares mais detestados pela memória história do judaísmo, símbolos de fechamento e violência: Tiro, Sidônia e Sodoma.

Ser cristão é ser discípulo de Jesus, seguir seu modo de viver. A preocupação fundamental não pode ser a pureza ritual e exterior, mas a pureza de mente e de coração. Ser cristão é ser diferente, transparente e coerente com Jesus Cristo e seu Evangelho. O alerta está dado!

 

Meditação:

§  Seguindo o que fala Jesus, identifique as principais incoerências e contradições dos líderes cristãos e políticos de hoje

§  Identifique e dê nome às contradições e incoerências que ameaçam você, sua família e sua comunidade

§  Seria possível identificar situações concretas em que os cristãos perseguem e excluem pessoas e grupos que denunciam suas contradições e traições ao Evangelho de Jesus?

§  Você consegue perceber em você mesmo injustiças e hipocrisias que se escondem atrás da aparência de justiça?

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Nada pode vir antes da misericórdia

Nada pode vir antes, ser colocado acima ou no lugar da misericórdia | 454 | 27.08.24 | Mateus 23,23-26

Estamos acompanhando a atuação de Jesus em Jerusalém, onde ele se confronta com o templo e é atacado pelos sacerdotes, mestres da lei e fariseus. Jesus faz uma série de críticas aos fariseus e escribas, que começa no versículo 1 do capítulo 23: eles não fazem o que ensinam e, além disso, impõem pesados fardos ao povo, estão atrás de reconhecimento e notoriedade.

O texto de hoje faz parte de uma série de sete “maldições” ou críticas que Jesus dirige a eles por excluírem o povo do Reino de Deus, por fazerem dos convertidos cidadãos e crentes piores que eles mesmos, por serem guias cegos e por falsificarem a Palavra de Deus em benefício de seus interesses. No pequeno texto de hoje temos a quarta, a quinta e a sexta maldições ou críticas de Jesus a eles.

Na quarta maldição, Jesus acusa os escribas e fariseus de praticar e ensinar uma visão parcial da vontade de Deus, pois eles fazem e ensinam muitas pequenas coisas, mas ignoram a justiça e a misericórdia, que estão no centro do coração de Deus. Assim, eles não são como cegos que se oferecem para guiar outros cegos. Dão importância aos detalhes e fazem menos caso da compaixão.

A quinta e a sexta maldição acusam esses líderes de incoerência e hipocrisia, pois vivem de aparências e disfarçam a ambição, o roubo e a violência que se escondem dentro deles que movem tudo o que fazem. Roubo significa pilhagem violenta, e cobiça é descontrole na posse, no sexo e nas acusações injustas. Segundo Jesus, o centro da vida dos fariseus e doutores da lei está nas coisas e não nas pessoas.

A dura crítica de Jesus é originalmente dirigida aos fariseus e mestres da lei, mas, muitos anos depois, quando Mateus escreve o evangelho, está pensando nos discípulos e discípulas de Jesus. É uma crítica recordada e atualizada “para o consumo interno” da comunidade, visando a conversão e a coerência de vida dos discípulos do final do primeiro século e de hoje.

Na condição de discípulos missionários, precisamos estar sempre atentos ao risco da incoerência e da hipocrisia, pois elas não são privilégio dos fariseus. Ou será que às vezes, por trás de palavras formais e gentis, não se esconde um arrogante desprezo? E será que tantas picuinhas e regras que apregoamos não matam a compaixão?

 

Meditação:

·        Procure entender os detalhes de cada acusação e cada uma das maldições ou lamentos que Jesus dirige aos fariseus

·        Procure ler ao contrário: o que Jesus e o Reino de Deus pedem ou esperam daqueles que seguem este caminho

·        Seguindo o que fala Jesus, você seria capaz de identificar as principais incoerências e contradições dos líderes cristãos e políticos de hoje?

·        Você seria capaz de identificar e dar nome às contradições e incoerências que rondam você, sua família e sua comunidade em relação ao Evangelho de Jesus?

domingo, 25 de agosto de 2024

A fé não se mostra nas aparências

A fé não se mostra nas aparências, e um cego não pode guiar outro cego | 453 | 26.08.24 | Mateus 23,13-22

No capítulo 23 do evangelho segundo Mateus, o profeta Jesus instrui seus discípulos no caminho do Reino de Deus criticando e desmascarando o modo de viver e ensinar a fé dos fariseus e doutores da lei. Depois de pedir para que seus discípulos e discípulas não sejam como eles (cf. 23,1-12), Jesus os enfrenta proclamando sete maldições ou “ais” num tom claramente polêmico. No texto de hoje, temos as três primeiras expressões dessa espécie de julgamento escatológico.

As duas primeiras maldições destacam o resultado danoso da influência da elite religiosa sobre a vida do povo de Deus. Na primeira, eles são deslegitimados porque não acolhem o Reino de Deus anunciado por Jesus e, por seu ensino, impedem que outros entrem no seu dinamismo. E isso acontece porque impõem sobre o povo o pesado fardo de leis e prescrições das quais excluem a misericórdia, a justiça e a fé.

A segunda afirmação crítica também enfatiza o impacto prejudicial da prática e do ensino religioso dos doutores da lei e dos fariseus sobre outros. A razão é que eles não compreendem os propósitos ou a vontade de Deus e, por isso, convertem as pessoas ao judaísmo, mas são incapazes de apresentar a elas um caminho de vida coerente com a fé. Como eles não conseguem ou se recusam a reconhecer em Jesus o enviado de Deus, acabam levando os convertidos a fazerem o mesmo.

Na terceira maldição, Jesus muda o foco, que não é mais o mal causado nos outros, mas a própria prática religiosa atabalhoada da elite do judaísmo. Jesus inicia cada uma das duas críticas citando as próprias palavras dos fariseus e escribas, e condena o mau uso da prática popular do juramento, como um atalho para desviar das exigências da vontade de Deus. O juramento também costuma esconder a falta de credibilidade e a enviesada de quem jura.

Jesus ridiculariza as distinções casuísticas e arbitrárias, assim como as filigranas do ensino dos fariseus e escribas, um ensino e uma prática que não têm nada a ver com o Reino de Deus. Eles não passam de guias cegos que não fazem mais que desencaminhar e colocar em risco a salvação de quem se deixa guiar por eles. Na lógica do Reino de Deus não faz sentido distinguir entre juramentos que obrigam e juramentos que não obrigam, pois Deus é um só, e está presente em tudo.

 

Meditação:

·    Releia atentamente as três críticas de Jesus em relação aos fariseus e doutores da lei, e procure entender exatamente o que Jesus está reprovando neles

·    Hipócritas são as pessoas que “recitam um papel”, como os atores que representam um personagem, mas não são aquilo que representam, e guias cegos são uma espécie de contrassenso e um perigo muito sério

·    Deixemos que Jesus avalie nossas práticas religiosas e nosso ensino e pregação: será que não estão eivadas de hipocrisia, de distinções sutis que mais atrapalham que ajudam? Será que não somos uma espécie de guias cegos?

sábado, 24 de agosto de 2024

A quem seguiremos?

A quem seguiremos se achamos Jesus muito exigente e complicado? | 452 | 24.08.24 | João 6,60-69

Tornou-se recorrente reduzir o “diálogo catequético” de Jesus sobre o Pão da Vida a uma inofensiva e evasiva doutrina sobre a eucaristia. O trecho de hoje, que é o desfecho desse diálogo, não deixa dúvidas sobre seu caráter profético, exigente e provocador do ensino de Jesus, tanto que faz os discípulos desabafarem: “Estas Palavras são duras demais! Quem poderá continuar ouvindo isso?” Alguém reagiria assim diante de uma simples catequese “espiritual” sobre a Eucaristia?

A reação de Jesus não é adocicar seu anúncio para não perder ouvintes e seguidores. Frente aos discípulos que acham seu ensino insuportável, murmuram escandalizados, que só conseguem esperar de Jesus sucesso e triunfo, habituados a entender somente os sinais de poder, que se rebelam e pensam em desertar, Jesus reage com mais uma provocação frontal: “Entre vós há alguns que não creem... Vós também não quereis ir embora?”

Parece que Jesus prefere ficar sozinho a contar com discípulos pela metade, mais firmes em suas próprias ambições e medos que na proposta de Jesus, claramente centrada no dom solidário de si mesmo pela vida do mundo. Entre os Doze há quem não seja fiel na adesão a Jesus e na amizade com ele, é inimigo e causador de divisão e não consegue se afastar de um projeto contrário ao de Jesus.

Os Doze, representados por Pedro, parecem intuir que, por mais duras que sejam as palavras, e por mais exigente que seja o caminho trilhado e proposto por Jesus, não há vida que valha a pena longe ou fora dele: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. Mesmo cercados de dúvidas e fraquezas, eles intuem o essencial.

Se antes Jesus se dirigia às multidões e aos líderes dos judeus, agora dirige-se aos discípulos. Na verdade, todo a catequese é dirigida virtualmente a eles, desde a convocação a ajudar a saciar a fome da multidão até a provocação a tomar a decisão radical de ficar com ele ou deixá-lo. Apesar da resposta firme dada na voz de Pedro, eles tropeçarão, cairão e recomeçarão. Como nós!

 

Meditação:

·    Recomponha na memória este trecho final da catequese pascal que Jesus desenvolve para a multidão, mas com ênfase aos discípulos

·    Será que a assimilação profunda e integral da proposta e do caminho de Jesus também não deveria nos deixar preocupados/as?

·    O que pensar de pessoas que dedicam horas e horas à adoração eucarística, mas mostram total indiferença diante do próximo?

·    O que nos mantém firmes no caminho de assimilação da proposta de Jesus e impede que abandonemos seu barco?

·    Qual é a “palavra”, gesto ou ensinamento de Jesus que, para você, tem mais sabor e dinamismo de vida plena?

O Evangelho dominical (Pagola) - 25.08.2024

VOCÊS TAMBÉM QUEREM PARTIR?

O mundo em que vivemos não pode mais ser considerado cristão. As novas gerações não aceitam facilmente a visão de vida que antes era transmitida de pais para filhos por via da autoridade. As ideias e orientações que predominam na cultura moderna afastam-se muito da inspiração cristã. Vivemos numa era «pós-cristã».

Isto significa que a fé não é mais algo evidente e natural. O Cristianismo está sujeito a um exame crítico cada vez mais implacável. São muitos os que neste contexto se sentem abalados pela dúvida, e não são poucos os que, deixando-se levar pelas correntes do momento, abandonam tudo.

Uma fé combatida em tantas frentes não pode ser vivida como era há alguns anos. O crente não pode mais apoiar-se na cultura ambiental ou nas instituições. A fé vai depender cada vez mais da decisão pessoal de cada pessoa. Será cristão quem tomar a decisão consciente de aceitar e seguir Jesus Cristo. Este é talvez o fato mais decisivo no momento religioso que a Europa vive hoje: está passando de um cristianismo por nascimento para um cristianismo por decisão.

Agora bem, a pessoa precisa apoiar-se em algum tipo de experiência positiva para tomar uma decisão tão importante. A experiência está convertendo-se numa espécie de critério de autenticidade e um fator fundamental para decidir o rumo da própria vida. Isto significa que, no futuro, a experiência religiosa será cada vez mais importante para fundamentar a fé. Será crente aquele que experimenta que Deus lhe faz bem e que Jesus Cristo o ajuda a viver.

O relato evangélico de João é mais significativo do que nunca. Num determinado momento, muitos discípulos de Jesus duvidam e recuam. Então Jesus diz aos Doze: «Vocês também querem ir embora?» Simão Pedro responde-lhe em nome de todos, a partir da sua experiência básica: «Senhor, a quem vamos recorrer? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos».

Muitos se movem hoje num estado intermediário entre o cristianismo tradicional e um processo de descristianização. Não é bom viver na ambiguidade. É necessário tomar uma decisão fundamentada na própria experiência. E tu, também queres ir embora?

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

No caminho de Jesus, Humanidade e Divindade se encontram

No caminho de Jesus, Humanidade e Divindade se encontram e abraçam | 451 | 24.08.24 | João 1,45-51

A tradição cristã sempre viu em Natanael a figura de Bartolomeu, cuja festa celebramos hoje, e que é um dos discípulos e apóstolos de Jesus. A cena conta o final de uma corrente de encontros e testemunhos que reúne em torno de Jesus o primeiro grupo de discípulos. A notícia da novidade de Jesus corre como um fio de pólvora e incendeia a imaginação utópica dos mais pobres.

É assim que Filipe procura Natanael para lhe comunicar sua marcante experiência no encontro com Jesus. Ele fala em nome da pequena comunidade, e suas palavras revelam que ainda não conhecem Jesus em profundidade. Mas são movidos pelo desejo de entrar na vida de Jesus e desvendar o mistério de sua pessoa. E esse desejo os leva a arriscar tudo pelo tesouro de uma vida plena de sentido.

Filipe apresenta Jesus como “o filho de José, de Nazaré”, em quem reconhece “Aquele de quem Moisés escreveu na lei, e também os profetas”. A vila de Nazaré é uma região periférica da Palestina de então, habitada por um povo mestiço, tanto do ponto de vista étnico como religioso. Por isso, como judeu, Natanael não consegue conectar o Messias com essa região. De Nazaré só pode vir coisa ruim.

Filipe convida Natanael a fazer a experiência de conviver com Jesus, e ele se aproxima. Mas Jesus o havia visto e fixado seu olhar nele bem antes, e elogiou sua autenticidade, inclusive na atitude preconceituosa que compartilha como judeu. Natanael representa o resto fiel do povo de Israel, que só consegue ver em Jesus um mestre ao estilo dos fariseus e um messias nos moldes de rei.

Aqui temos a primeira declaração solene de Jesus sobre si mesmo no evangelho segundo João: ele é o humano (“Filho do Homem”) que possibilita a comunicação plena e permanente de Deus com a humanidade. Ele se apresenta como presença de Deus no Ser humano, enquanto que Natanael ainda separa Homem e Deus. Deus não se manifesta na realeza de Davi, mas na plenitude humana.

Com Natanael e os demais discípulos, somos convidados a fazer a experiência do olhar de Jesus fixado amorosamente em nós e de caminhar com ele, aprendendo e participando da sua vida. Dele e de quem nos apresenta ele, somos convidados a “ir e ver”. Como ele, nunca mais esqueceremos o momento do encontro!

 

Meditação:

·    Participe afetivamente da cena: do comunicado de Filipe, da reação de Natanael, do encontro com Jesus

·    Acolha uma a uma as palavras e comparações de Jesus, e penetre no sentido profundo e espiritual que elas têm

·    Aceite o olhar fixo e amoroso de Jesus, convidando a fazer a passagem dos lugares comuns a uma experiência transformadora

·    Se possível, leia o texto de Gn 28,10-17, que está relacionado com as palavras de Jesus no final do texto