Fui ordenado presbítero por Dom José Gomes, no dia 21 de fevereiro de 1987, na Paróquia Santa Lúcia, em Anchieta (SC). Lá se vão 25 anos de caminhada, com subidas e descidas, curvas e passagens perigosas, encontros e experiências gratificantes. Por isso, é com alegria serena e agradecida que celebro 25 anos de ministério presbiteral.
Desde que descobri o sentido da consagração religiosa, sinto-me mais religioso que presbítero. Ou melhor: fundamentalmente religioso e secundariamente padre. Aprendi que as pessoas consagradas não fazem parte da dimensão hierárquica da Igreja, mas da sua vocação à santidade. Ou seja: os ministérios pertencem ao tempo, enquanto que a consagração faz parte da sua essência. Os ministérios passam, a consagração é destinada a permanecer na plenitude do tempo.
Mas isso não significa menosprezo a esta vocação à qual desejo permanecer criativamente fiel. Aproveito a oportunidade jo jubileu para interrogar-me sobre o que significa substancialmente este chamado especial do Senhor e sobre como é possível e necessário vivê-lo neste complexo e apaixonante momento da história. Não pretendo oferecer um tratado teológico sobre o ministério ordenado, mas partilhar convicções e esperanças.
Um dom gratuito
O primeiro aspecto que me parece relevante e essencial neste ministério é propriamente seu caráter vocacional. Isso significa que o ministério presbiteral é um chamado que nos é dirigido, uma graça que nos é dada, um dom concedido à Igreja e a todo o povo. Sendo dom, não é mérito nem posso, e seu destino é expressar-se na gratuidade.
O ministério é por definição uma interpelação e um dom, não um estado, uma honra ou uma propriedade pessoal ou eclesiástica. O chamado é sempre gratuito e imerecido, pura iniciativa e gratuidade de Deus, e isso deve expulsar da nossa mente todo sentimento de superioridade e toda postura de propriedade de um dom que não nos pertence.
Um sinal eloquente
Um segundo aspecto fundamental do ministério presbiteral é seu caráter de sinal. Por mais que a teologia oficial insista no caráter ontológico do ministério presbiteral, parece-me que hoje importa destacar e resgatar seu caráter semiológico, sua força de sinal. Que importância poderia ter uma marca indelével sem falta a eloquência capaz de comunicar algo às pessoas de hoje?
E mais: se as relações e práticas concretas dos presbíteros não são capazes de traduzir numa linguagem compreensível e unívoca o que significa ser depositário de um dom e mediador de um serviço, a que serve uma marca ontológica que pretensamente dura para sempre?
Um serviço generoso
Um terceiro aspecto que me parece importante na vocação presbiteral é seu caráter de serviço. Mesmo depois de 50 anos do Vaticano II não conseguimos superar uma espécie desvio teológico – que hoje volta com força e com caráter de verdade inquestionável! – que reflete unicamente sobre os poderes e os valores objetivos do estado clerical.
Sem querer entrar aqui na discussão sobre estes conceitos, pergunto-me se não seria mais conforme o Evangelho falar em termos de serviço presbiteral ou em exercício do ministério. E respondo afirmativamente. A vocação presbiteral é mais relação de serviço que estado ou poder. E não vejo como o ministério possa continuar existindo quando o serviço deixou de ser efetivamente exercitado.
Em função do povo de Deus
Um quarto aspecto que julgo essencial do ministério presbiteral é sua interface, ou seja, o sujeito a serviço de quem se põe. Sem ignorar a importância do ensino tradicional, segundo o qual o presbítero é uma pessoa consagrada a Deus e a serviço dele, penso que é absolutamente necessário sublinhar, na perspectiva do Vaticano II, que se trata de um serviço específico ao reinado de Deus, à sua ação salvífica no mundo. Em outras palavras: o padre está a serviço do povo de Deus, para que tenha vida em abundância.
Portanto, ou nos colocamos a serviço dos vigários de Jesus Cristo neste mundo – cuja lista incompleta nos é dada por Jesus em Mt 25,31-46 – ou nosso serviço a Deus é uma perigosa ilusão ou uma detestável mentira. A atual insistência de Bento XVI sobre o aspecto sacerdotal e estritamente cúltico do ministério presbiteral me parece um perigoso desequilíbrio na teologia da vocação.
Uma função do Corpo de Cristo
Outro aspecto do ministério presbiteral que não gostaria de desprezar é seu caráter orgânico ou comunitário. O que quero enfatizar é que a vocação presbiteral é um entre os diversos chamados que o Senhor continua fazendo aos membros do povo de Deus. Não é evangélica a teologia (ou ideologia?) que situa o padre no topo de uma pirâmide, como se fosse a única autoridade pastoral e o detentor de todas as honras, poderes e funções.
Segundo a imagem paulina, a comunidade é um corpo organizado, e a função da cabeça não cabe ao padre mas a Jesus Cristo! O padre é um membro, com função específica, mas com o mesmo grau de dignidade dos demais membros ou ministérios. Se faz as vezes de cabeça, é sempre ao modo de Jesus, ou seja, lavando os pés dos demais!
Passou o tempo em que o padre era o único pastor diante de um rebanho indiferenciado e dependente. Hoje somos ministros ordenados que cooperam com um grupo de outros ministros e ministras extraordinários (e aqui eu uso a expressão mais no sentido de valor que de falta de estabilidade). Nossa missão é coordenar e animar uma comunidade ministerial!
Um irmão entre irmãos e irmãs
O Concílio Vaticano II sublinha que o padre é uma pessoa chamada de dentro da comunidade humana e colocada a serviço dela. Por isso, deve viver em meio aos homens e mulheres como um irmão entre irmãos e irmãs, como servidor de todos/as (cf. PO 3). Nem fora, nem estranho, nem acima, nem contra os demais homens e mulheres.
É constitutiva do ministério presbiteral a tarefa de edificar a Igreja como comunidade de irmãos e irmãs e de ajudar os demais fiéis a descobrir, desenvolver e exercitar a própria vocação. “De pouco servirão as cerimônias, embora belas, bem como as associações, embora florescentes, se não se ordenam a educar os homens a conseguir a maturidade cristã.” (PO 6).
Com as marcas da história
Um último – mas de nenhum modo o último em termos de importância – traço da vocação e do ministério presbiteral que julgo oportuno sublinhar é o caráter histórico tanto do seu conteúdo como da sua forma. A identificação exclusiva deste ministério com pessoas celibatárias e com a liturgia sacramental traz em si as marcas de um tempo muito determinado. E isso não quer dizer que sempre foi e sempre deverá ser assim.
Inquieto-me quando escuto dizer que o povo tem direito à eucaristia, e disso se passa diretamente ao apelo à oração para que Deus envie mais vocações sacerdotais, a fim de que o povo não fique sem este alimento. Por quê os sacramentos, especialmente a eucaristia, têm que depender do ministro ordenado nos moldes atuais? E por quê este ministério é concebido e organizado moldes impostos a partir do século XI?
Ousemos um pouco mais, em nome de Jesus Cristo, modelo de liberdade e ousadia crítica diante da religião institucionalizada. Quem pode proibir que Deus chame mulheres e homens casados ao ministério presbiteral? É urgente pensar e organizar diversamente o ministério presbiteral. Ou a Igreja deverá responder perante o tribunal divino por impedir que o rebanho de Deus disponha de pastores/as que tomem conta de suas dores.
Descer, movido pela compaixão
Mesmo que a missão do presbítero seja servir ao povo de Deus indistintamente, o Concílio diz que os pobres e fracos têm direito a receber deles uma atenção especial e prioritária (cf. PO 6). Se o anúncio da boa notícia aos pobres foi um dos critérios para identificar Jesus como Messias, como poderia esta característica estar ausente da vida daqueles que são chamados e enviados a continuar sua missão?
Nunca esquecerei um dos pensamentos que Dom José Gomes desenvolveu na homilia da missa na qual fui ordenado padre. Partindo da parábola do bom samaritano (cf. Lc 10,25-37), que eu havia sugerido para a celebração, disse que o padre precisa interromper as viagens dos seus interesses, descer do cavalo da sua pretensa superioridade e, movido pela compaixão, socorrer solidariamente as pessoas oprimidas e descartadas, caídas à beira das estradas. E isso, às vezes, implica em carregá-las nos próprios ombros.
Força de comunhão
Desde minhas primícias pastorais, leio e releio com grande emoção, entre outras passagens da Bíblia, um trecho do profeta Isaías (42,5-9). Através do profeta, Deus diz que ele pessoalmente deu forma ao nosso ser, tomou-nos pela mão e chamou-nos para o serviço da justiça. Ele nos confia a missão de ser fator de aliança entre os povos, luz das nações, visão para os cegos, liberdade para os presos.
Neste momento de graça e júbilo, louvo o bom Deus por tantas pessoas que, em nome dele e mesmo sem saber, me tomaram pela mão e mostraram o rumo nas encruzilhadas, me acompanharam e me forçaram nas descidas, me guiaram quando se fez escuro. Agradeço a Deus pela graça– o mérito e a honra pertencem a Ele! – de ser fator de aliança e comunhão entre diferentes grupos, comunidades e povos.
E tenho que terminar pedindo!... Que ele seja generoso no perdão que não mereço, mas que necessito, por tantos limites, teimosias, fechamentos, sentimentos e atitudes de superioridade. Que ele não me deixe jamais caminhar solitário, nem sentar-me acima dos meus irmãos e irmãs. Que ele me acompanhe, se for preciso, forçando meus passos, no caminho de descida para encontrar e ser irmão dos últimos, em cuja dor e esperança Ele fez morada.
Pe. Itacir Brassiani msf
Um comentário:
Parabéns amigo querido. Desejo felicidades e toda a proteção nos mais diversos caminhos.Esse texto comovente é a marca da importância desse dia! A passagem de Isaías a que se refere se faz bem viva em suas ações de cidadão transnacional. Deus sabe com perfeição o que faz!Parabéns!
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