domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Sagrada Família segundo os Evangelhos (17)

Conclusões
A maioria dos textos evangélicos nos quais aparece a imagem da Sagrada Família se situa nas narrativas da infância de Jesus. Neles, Jesus é uma criança que não fala nem age, com exceção do episódio Jesus no templo. Isso dificulta muito a tarefa de delinear os traços da Sagrada Família no Novo Testamento. Os textos que narram fatos familiares de Jesus adulto são poucos e, em geral, revelam um relacionamento conflitivo.
A Sagrada Família aparece como uma autêntica família judaica, herdeira fiel das esperanças messiânicas que alimentavam a vida dos pobres, guardiã fiel e praticante das orientações religiosas do judaísmo. Ao mesmo tempo, se revela como o gérmen da nova família humana, sustentada e orientada pela irrupção do Reino de Deus como graça que congrega as pessoas e derruba as barreiras.
O Novo Testamento informa também que, por estar radicada em Nazaré, na Galiléia, e por desempenhar trabalhos artesanais, a Sagrada Família carregou sobre si a marca da suspeita e do menosprezo frente às famílias de Jerusalém. A moradia em Nazaré destaca a casa e a inserção da Sagrada Família no seu povo, como numa macro­família. O crescimento de Jesus ocorre nessa interação viva. Ele aprende, dialoga, ensina, se relaciona com seu ambiente, unindo a relação com Deus e a relação com os homens.
Em relação à família, Jesus foi uma espécie de transgressor. Rompeu com ela e afastou-­se da vida normal que consistia em casar, cuidar da família e lutar pela sobrevivência. Vivendo o celibato, transgrediu também a obrigação de casar e gerar filhos, o que era impensável para um rabino. Viveu a partir do sonho do reino de Deus, da ‘casa do Pai’. Interessou­-se profundamente pelas pessoas simples e humildes da Galiléia, identificou­-se com seus problemas e esperanças, optou por ficar ao lado das vítimas.
A vida de Jesus, orientada pelo sonho ou êxtase do reino, pelas coisas do Pai, pela vida das vítimas, está na raiz do conflito com sua família. Seus parentes tiveram dificuldades de acreditar nele e até pensaram que ele havia enlouquecido. O desfecho deste conflito foi a ruptura com a família e uma opção por uma forma de vida itinerante. A comunidade que nasceu de sua pregação também foi muito exigente em relação aos laços familiares.
Este distanciamento de Jesus em relação à sua família, especialmente no período de sua missão pública, não significa que as experiências afetivas e religiosas positivas da família na infância e na juventude não tenham permanecido. Tudo o que ele aprendeu, amou e sonhou em Nazaré aflorou mais tarde na sua pregação: a insistência no valor das coisas pequenas e escondidas, na solidariedade com os vizinhos, no caráter paterno e próximo de Deus. As marcas do seu ambiente familiar foram decisivas e se transformaram em parte viva da sua mensagem. Em sua vida de menino e jovem, Jesus experimentou a bondade e a atenção delicada de Maria e José que, mais tarde, o ajudará a expressar sua experiência de Deus.
No que se refere a José e Maria, podemos dizer com segurança que eles realizaram de modo exemplar a participação na família nova, inaugurada pelo filho Jesus Cristo, em obediência ao Pai. Também eles cumpriram com prontidão a vontade do Pai. A Sagrada Família, marcada pelo ambiente simples e desprezado de Nazaré, foi protagonista modelar na busca e no cumprimento da vontade do Pai.
Jesus ocupa um lugar central na Sagrada Família. Sua presença se irradia sobre Maria e José: eles se comovem, se impressionam e se maravilham diante da novidade; acolhem e recebem seu mistério sem o limitar, embora, por vezes, fiquem atrapalhados e desorientados. Jesus transcende seus próprios pais, e isso os estimula ao crescimento na compreensão do mistério do Reino.
A Sagrada Família que nos é dada a conhecer pelos evangelhos é também o espaço onde a misericórdia e a bondade de Deus encontram acolhida, se fazem carne e se transformam em resposta generosa. É o lugar onde a divindade e a humanidade vivem uma aliança profunda e indissociável, que possibilita à humanidade entrar no dinamismo do reino e ao mistério de Deus se encarnar na história.
A Sagrada Família se revela, enfim, como um espaço de cultivo e amadurecimento humano e religioso: neste ambiente, não só Jesus, mas também José e Maria, progressivamente, se abrem à manifestação e acolhida do plano de Deus e, pela meditação paciente, a compreendem com uma profundidade crescente.
Pe. Itacir Brassiani msf

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