Jesus nos toma pela mão, nos liberta e nos torna servidores.
Com a
presença de Jesus, a casa de André e de Pedro se converte em espaço de acolhida
e recuperação de doentes. Jesus desconhece a separação rígida entre espaço
público e espaço privado. Sua ação libertadora não conhece fronteiras: supera a
oposição entre religião e política; desconhece a divisão entre espaço público e
espaço privado; une oração e ação; não reconhece a prioridade aos homens em
detrimento das mulheres; vai além do moralismo que impõe o respeito às
autoridades e faz pouco caso do povo simples; une de forma indissolúvel o amor a Deus ao amor ao próximo...
Na casa
de Simão e André, Jesus fica sabendo que a sogra de Simão estava acamada.
Aquela mulher anônima é o símbolo da humanidade oprimida por doenças, dominações
e doutrinas que discriminam e condenam. Constritas ao mundo privado,
quando adoeciam as mulheres eram ainda mais segregadas, inclusive no próprio
espaço doméstico. Ao machismo que lança profundas raízes na mente e no coração dos homens vinha se somar a ideologia da
impureza. E isso sem falar na visão preconceituosa que até entre nós recai
sobre a figura da sogra...
Jesus não
faz pouco caso daquilo que seria uma simples febre, não faz de menos por ser a
doente uma mulher, nem espera que a conduzam a ele. “Jesus foi onde ela estava,
segurou a sua mão e ajudou-a a se levantar.” Este gesto de Jesus é uma espécie
de parábola que evidencia um Deus que se aproxima da humanidade oprimida, para
tomá-la pela mão e firmá-la sobre os próprios pés. Num mundo no qual
predominava a figura masculina, Jesus se importa com a febre de uma mulher. E
mais: rompe as barreiras culturais e toca no corpo de uma pessoa doente.
E seu
gesto não se restringe a isso. Numa sociedade que sujeita os mais fracos e mantém multidões na dependência frente aos
que detém o poder, Jesus ajuda o povo caminhar com os próprios pés. Aquela mulher,
que antes estava segregada e dependente por causa da doença, se descobre livre
e capaz de servir. “Então a febre deixou a mulher e ela começou a servi-los.” E
não se trata de um simples serviço subalterno ao qual são submetidas as
mulheres. Ao servir Jesus e os presentes, a sogra de Pedro exerce a diaconia
emancipada, característica dos discípulos de Jesus.
Fica a
impressão de que Jesus até desrespeita a casa dos seus amigos, e a transforma
em lugar de resgate da dignidade e da autonomia de um povo cansado e abatido,
doente e oprimido. “À tarde, depois do pôr-do-sol, levavam a Jesus todos os
doentes e os que estavam possuídos pelo demônio. A cidade inteira se reuniu na
frente da casa...” Como diz o salmista, Deus “cura os corações despedaçados e
cuida dos seus ferimentos”. Jesus não se cansa de atender às necessidades das
pessoas desamparadas e lhes devolve a possibilidade de cidadania e de vida
plena, de um bom viver.
Mas é
evidente que Jesus não receita um simples tratamento para as doenças, pois não
é enfermeiro nem médico. Ele cura, ou seja, reintegra plenamente as pessoas no
convívio social, mesmo que isso signifique negar radicalmente as leis que
separam e excluem os doentes, considerados impuros e culpados do próprio mal-estar. Mas, devolver ao povo a
dignidade e autonomia que lhe pertence é um trabalho exigente, e corremos o
risco de imaginar-nos auto-suficientes, ou de reduzir as pessoas às suas
necessidades e carências. E é aqui que entra a oração...
Daí a
importância de tomar distância para inserirmo-nos de modo coerente e profundo
na missão. Jesus não se deixou envolver pela fama, nem ser dominado pelo que
parecia mais urgente. “Todos estão te procurando...” Ele sabia distinguir
aquilo que éra urgente e aquilo que era essencial. “Quando ainda estava escuro,
Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto.” Para ele, a oração nunca foi
álibi para não se importar com as necessidades do povo, mas seu jeito de manter
abertura a todos. A oração foi também a pedagogia que o ajudou a centrar a vida
na vontade do Pai e não em si mesmo.
Querido Jesus, tu vens à nossa casa, pois
tua Boa Notícia não fronteiras. Ensina-nos a sair de nós mesmos e das nossas
Igrejas para estendermos a mão a todas as pessoas encurvadas sob o peso de
tantos fardos econômicos, culturais e religiosos. Dá-nos a coragem de seguir teu exemplo e fazer
do serviço aos nossos povos nosso tesouro e destino, de fazermo-nos fracos com
os fracos, tudo para todos. E isso, por causa do Evangelho, cujo anúncio é para
nós uma necessidade que vem da profundidade da fé e o motivo das nossas maiores
alegrias, como ensina Paulo. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
(Livro de Jó 7,1-7 * Salmo 146 (147) * 1ª Carta aos Coríntios 9,16-23 *
Evangelho de Marcos 1,29-39)
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