A passagem do evangelho segundo Marcos proposta para
este final de semana está claramente dividida em três partes.
A cura de uma
mulher para a diaconia, o serviço (1,29-31)
No Evangelho segundo Marcos, a primeira cura realizada
por Jesus é a expulsão de um espírito impuro de um homem que está sob o domínio
de escribas e da sinagoga de Cafarnaum, cidade onde Jesus foi morar, ao iniciar
sua missão (Marcos 1,21-28). A lei imposta pelos escribas na sinagoga e no
templo, além de ser um peso na vida das pessoas (cf. Mateus 23,1-4; Lucas
13,10-17), impedia que se pensasse e agisse orientado pelo Espírito de Deus.
Pois, no dizer de Paulo,“a letra mata, o Espírito é que dá a vida” (2Coríntios
3,6). Por isso, Jesus salva as pessoas dessa força demoníaca que cria
dependência e não liberta.
“Logo que saíram da sinagoga, foram com Tiago e João
para a casa de Simão e André” (Marcos 1,29). Convém lembrar que, mais do que frequentar o templo, Jesus
prefere as casas, prefere o encontro com povo nos caminhos. Ali, todas as
pessoas têm acesso ao encontro com Deus. No templo, só podiam entrar os
sacerdotes.
Esta narrativa relata a segunda cura de Jesus,
conforme Marcos. Agora, é a sogra de Simão que está doente (Marcos 1,30). Logo
que soube, dirigiu-se à cama em que ela estava. Três coisas chamam a atenção.
1) “Ele aproximou-se” (Marcos 1,31). Mais que procurar quem é o próximo, Jesus
se torna próximo. 2) “Tomando-a pela mão”, Jesus faz algo fundamental para quem
trabalha com pessoas doentes e com quem está na exclusão. Valorizando o toque,
o abraço, Jesus valoriza sobremodo as pessoas debilitadas. 3) Jesus
“levantou-a”. Enquanto estava deitada, essa mulher não podia ser sujeito com
agir próprio. Dependia de outras pessoas. Colocá-la em pé faz dela uma diácona,
uma pessoa livre para servir. “E ela se pôs a servi-los”.
Convém lembrar que, se em Marcos a primeira pessoa
curada foi um homem (Marcos 1,21-28), a segunda foi uma mulher. Jesus tratava
as mulheres com a mesma dignidade com que se relacionava com os homens. Assim
como tinha discípulos, tinha também discípulas. Quando Marcos menciona as
mulheres que foram com ele até a cruz, cita Maria Madalena, Maria e Salomé,
além de muitas outras mulheres que o seguiam, serviam e subiram com ele para
Jerusalém como verdadeiras discípulas (cf. Marcos 15,40-41).
E o que nos resta senão também colocar-nos em pé e,
com a força do Espírito de Jesus ressuscitado, tornar-nos pessoas livres para
servir?
A prática de
Jesus liberta de doenças e de possessões (1,32-34)
Naquele dia, depois do pôr do sol e junto à porta da
casa de Simão e de André, Jesus ainda curou muitas pessoas enfermas e expulsou
demônios, isto é, forças contrárias a Deus e que diminuem a vida de quem está
sob seu domínio. As duas curas realizadas anteriormente, a do homem possesso e
a da mulher enferma, são símbolos de toda prática libertadora de Jesus. E é
prática que não para. Mesmo o sol já posto, Jesus continua libertando pessoas
enfermas e endemoninhas.
A proibição de "falar, pois sabiam quem ele
era" (Marcos 1,34) faz parte da intenção teológica de Marcos. Ele quer
evitar a ideia de Jesus como um messias triunfalista, para reforçar a fé em
Jesus como o ungido pelo Espírito de Deus (Marcos 1,10) que vence, aos poucos e
de forma humilde como o servo sofredor, as forças contrárias ao espírito do
Reino. Por isso, Marcos apresenta Jesus insistindo em que não se divulgue o seu
messianismo aos quatro ventos. A proibição se estende aos demônios (Marcos
1,25.34; 3,12), às pessoas curadas (Marcos 1,44; 5,43; 7,36; 8,26) e a seus
apóstolos (Marcos 8,30; 9,9), reservando essa revelação somente para o momento
da cruz e pela boca de um estrangeiro: "Na verdade, este homem era Filho
de Deus" (Marcos 15,39).
Senhor, Deus da vida,
ajuda-nos a acolher a tua graça que cura e liberta das enfermidades,
dos desejos egoístas e do consumismo individualista.
Ó Deus, livra-nos dessas forças que nos seduzem
e arrastam como possessão demoníaca,
forças que nos dominam e impedem de sermos pessoas livres
para, como criaturas novas, colaborar contigo
no serviço ao teu Reino de justiça, a exemplo da mulher que curaste.
ajuda-nos a acolher a tua graça que cura e liberta das enfermidades,
dos desejos egoístas e do consumismo individualista.
Ó Deus, livra-nos dessas forças que nos seduzem
e arrastam como possessão demoníaca,
forças que nos dominam e impedem de sermos pessoas livres
para, como criaturas novas, colaborar contigo
no serviço ao teu Reino de justiça, a exemplo da mulher que curaste.
De onde vem as forças para a nova prática de Jesus? (1,35-39)
Depois de um dia de atividades salvadoras e que vão
noite adentro, Jesus descansa para estar com as energias renovadas para mais um
dia de serviço à vida. Mas não basta novo vigor físico. Algo mais profundo é
necessário.
Por isso, ainda de madrugada, Jesus se retira para um
lugar deserto e ali cultiva sua íntima comunhão com o Pai, o Deus libertador do
Êxodo. É que vai ao deserto, lugar por onde Deus guiou seu povo para a
liberdade e "lá, ele orava" (Marcos 1,35).
A comunhão com o Pai é o segredo da força de Jesus na solidariedade com
as pessoas mais desprezadas de sua época, entre elas as doentes e as possessas por todas as forças de alienação
e que não permitem que sejam sujeitos de suas vidas. A intimidade com o Pai,
essa espiritualidade de comunhão profunda com o sagrado, faz de Jesus uma
pessoa radicalmente livre. A oração é a
fonte onde Jesus bebe do mais puro Espírito que sustenta sua ação emancipadora
junto às pessoas em estado de dependência, seja em relação às enfermidades,
seja em relação às forças que nos alienam, impedindo-nos de sermos filhas e
filhos livres e com dignidade.
Ó Deus,
concede-nos a graça que permite esvaziar-nos do espírito individualista,
das forças que geram discórdia, exclusão e sofrimento.
Senhor, que teu Espírito libertador do deserto nos transforme e impulsione,
tal como moveu Jesus de Nazaré,
ao ponto de sermos sempre mais semelhantes a ti,
pessoas livres para o serviço da vida,
da cura e de tudo que domina como possessão em nossas mentes e corações.
Amém!
concede-nos a graça que permite esvaziar-nos do espírito individualista,
das forças que geram discórdia, exclusão e sofrimento.
Senhor, que teu Espírito libertador do deserto nos transforme e impulsione,
tal como moveu Jesus de Nazaré,
ao ponto de sermos sempre mais semelhantes a ti,
pessoas livres para o serviço da vida,
da cura e de tudo que domina como possessão em nossas mentes e corações.
Amém!
Ildo Bohn Gass
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