quinta-feira, 16 de julho de 2015

DÉCIMO SEXTO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 19.07.2015)

A compaixão é a mais bela expressão da pessoa humana.

Somos filhos do nosso tempo, mas em nossa memória coletiva pulsam também os ideais dos nossos antepassados. Deles e dos pensadores ocidentais, aprendemos que é refletindo, dobrando-nos sobre nós mesmos, que chegaremos a saber quem somos. A tradição bíblica tem uma perspectiva diferente: descobrimos e revelamos nossa identidade respondendo a quem nos interpela, tomando uma atitude diante do rosto do outro que está diante de nós, assumindo nossa responsabilidade na história. Somos a resposta que damos aos dilemas do mundo e aos múltiplos chamados que nos solicitam!  
Um dos aspectos mais profundos da fé que herdamos dos hebreus é a imagem de um Deus que cuida de nós como um pastor toma conta das suas ovelhas: Ele nos guia por caminhos seguros, nos conduz a pastagens abundantes, concede-nos a felicidade e o amor como companheiros que vão à nossa direita e à nossa esquerda... “O Senhor é meu pastor, nada me falta”: assim começa uma das mais belas orações que o judaísmo nos presenteou. Esta não é uma afirmação ingênua e piedosa, mas expressão de resistência, a convicção de um povo que sente falta de quase tudo, mas resiste teimosamente.
As pessoas que fazem a experiência de serem amadas e guiadas por Deus se descobrem também intimadas a amar e cuidar do povo de Deus. E isso sem entrevista com hora marcada. O evangelista nos conta que, depois de enviar os discípulos para um estágio missionário, e depois de saber do assassinato do seu amigo João Batista, é tanta gente que procura Jesus e os apóstolos que eles não têm mais tempo nem para comer. O cansaço da missão recém concluída e a tensão provocada pelo martírio de João pedem descanso, um retiro mais tranqüilo. E isso lhes parece prudente e mais que merecido...
Mas um verdadeiro pastor não dá as costas às suas ovelhas. Jesus não ignora as necessidades do seu povo, e ensina seus discípulos a não se contentarem com a contabilização de pequenos sucessos pastorais. A necessidade fizera o povo apressar o passo, e muita gente, tendo visto Jesus e os discípulos partirem de barco, correram por terra e chegaram ao lugar do descanso antes deles. Diante da multidão que foi ao seu encontro, Jesus poderia ter atitudes: orgulho pelo sucesso da pregação; indiferença e desprezo diante do que poderia ser somente busca de milagres e vantagens fáceis...
Mas Jesus desce do barco e lê no rosto daquela multidão o abandono por parte daqueles que deveriam conduzi-la e defendê-la. “Quando saiu da barca, Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão, porque estavam como ovelhas sem pastor.” Compaixão é a atitude profunda e quase orgânica de quem assume as dores dos outros como e fossem suas, de quem reconhece como próprias as lutas daqueles que são mais vulneráveis. É uma força que destrói os muros que, por medo, comodismo ou egoísmo, os povos, religiões, Igrejas e indivíduos vão construindo em torno de si mesmos e seus interesses.
Por isso, a compaixão é também o dinamismo que comove Jesus e tira os cristãos dos castelos construídos pelo individualismo e os coloca na estrada da missão. É isso que Jesus demonstra ao longo de toda a sua vida, e é isso que ele propõe para aqueles que seguem seus passos. Sua primeira ação diante do povo abandonado é “ensinar muitas coisas para eles”. Ensina que eles sofrem porque foram abandonados pelas autoridades políticas e religiosas; que os muros que separam povos e classes são invenções humanas e devem acabar; que Deus não é um um pastor amigo e compassivo...
Escrevendo aos efésios, Paulo sublinha que, a partir de Jesus Cristo, acabaram os privilégios de raça e de religião que definem quem está mais perto ou mais longe de Deus. Privilégios estabelecem hierarquias, classes, muros; privilégios perpetuam dominações. Pregado na cruz no meio de dois criminosos, Jesus derruba os muros que separam, elimina as distâncias e hierarquias culturais e sociais, assina o tratado de paz que faz de todos os povos uma única família. Não há mais diferença de dignidade entre homens e mulheres, cristãos e pagãos, escravos ou livres. Eis a Boa Notícia, o Evangelho que há dois milênios suscita alegria e compromisso!
Jesus, belo e amado pastor, peregrino no santuário das dores humanas! Atravessamos hoje os sombrios vales da indiferença, da opressão, da discriminação e do ódio transformadas em estrutura e em cultura, inclusive nas redes sociais e comunidades eclesiais. Desperta também hoje na tua Igreja homens e mulheres que, como tu, diante das dores e misérias humanas, se deixem consumir e guiar pela compaixão. Que ninguém busque boas e piedosas razões para justificar a indiferença diante do sofrimento humano. Que a simples visão do teu bastão e do teu cajado nos reanime e oriente.  Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Jeremias 23,1-6 * Salmo 22 (23) * Carta aos Efésios 2,13-18 * Evangelho de São Marcos 6,30-44)

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