segunda-feira, 27 de julho de 2015

O discurso de Jesus sobre o pao da vida

Quem vem a mim nunca mais terá fome!  (João 6,22-40)

Situando
Neste discurso do Pão da Vida (Jo 6,22-71), por meio de um conjunto de sete diálogos, o evangelista explica para os leitores e as leitoras o significado profundo da multiplicação dos pães como símbolo da Ceia Eucarística. É um diálogo bonito, mas exigente. O povo fica chocado com as palavras de Jesus. Mas Jesus não cede nem muda as exigências. O discurso parece um funil. Na medida em que avança, é cada vez menos gente que sobra para ficar com Jesus. No fim, só sobram os doze, e nem assim pode confiar em todos eles.
Quem lê o Quarto Evangelho superficialmente pode ficar com a impressão de que João repete sempre a mesma coisa. Lendo com mais atenção, perceberá que não se trata de repetição. O Quarto Evangelho tem um jeito próprio de repetir o mesmo assunto, mas é num nível cada vez mais alto ou mais profundo. Parece uma escada em caracol. Girando você volta ao mesmo lugar, mas num nível mais alto. Assim é o discurso sobre o Pão da Vida. É um texto que exige toda uma vida para meditá-lo e aprofundá-lo. Por isso, não se preocupe se não entender logo tudo. Um texto assim devemos ler, meditar, ler de novo, repetir, ruminar, como se faz com uma bala gostosa. Vai virando e virando na boca, até se gastar.

Comentando
1º Diálogo: O povo procura Jesus porque quer mais pão (João 6,22-27) 
O povo viu o milagre, mas não o entendeu como um sinal de algo mais alto ou mais profundo. Parou na superfície: na fartura de comida. Buscou pão e vida, mas só para o corpo. Para o povo, Jesus fez o que Moisés tinha feito no passado: deu alimento farto para todos. Indo atrás de Jesus, queria que o passado se repetisse. Mas Jesus pediu que o povo desse um passo. Além do trabalho pelo pão perecível, deveria trabalhar também pelo alimento não perecível. Este novo alimento é que traz a vida que dura para sempre.
2º Diálogo: Jesus pede para o povo trabalhar pelo pão verdadeiro (João 6,28-33) 
O povo pergunta: “O que fazer para realizar este trabalho (obra) de Deus?” Jesus responde: “Acreditar naquele que Deus enviou!”, isto é, crer em Jesus. O povo reage: “Então, dê-nos um sinal para a gente saber que você é o enviado de Deus! Nossos pais comeram o maná que foi dado por Moisés!” Para eles, Moisés é o grande líder do passado, no qual acreditam. Se Jesus quer que o povo acredite nele, deve fazer um sinal maior que o de Moisés... Jesus responde que o pão dado por Moisés não era o pão verdadeiro, pois não garantiu a vida para ninguém. Todos morreram. O pão verdadeiro de Deus é aquele que vence a morte e traz vida. Jesus tenta ajudar o povo a se libertar dos esquemas do passado. Para ele, fidelidade ao passado não significa fechar-se nas coisas de antigamente e recusar a renovação. Fidelidade ao passado é aceitar o novo que chega como fruto da semente plantada no passado.
3º Diálogo: O pão verdadeiro é fazer a vontade de Deus (João 6,34-40)
O povo pede: “Senhor, dá-nos sempre desse pão!” Pensavam que Jesus estivesse falando de um pão especial. Então Jesus responde claramente: “Eu sou o pão da vida!” Comer o pão do céu é o mesmo que crer em Jesus e aceitar o caminho que ele ensinou, a saber: “O meu alimento é fazer a vontade do Pai que está no céu!” (Jo 4,34). Este é o alimento verdadeiro que sustenta a pessoa, dá rumo e traz vida nova.
4º Diálogo: Quem se abre para Deus aceita Jesus e a sua proposta (João 6,41-51) 
A conversa se torna mais exigente. Agora são os judeus, os líderes do povo, que murmuram: “Esse não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos? Como é que ele pode dizer que desceu do céu?” Eles pensam conhecer as coisas de Deus. Na realidade, não é nada disso. Se fossem realmente abertos e fiéis a Deus, sentiriam dentro de si o impulso de Deus atraindo-os para Jesus e reconheceriam que Jesus vem de Deus (Jo 6,45). Na celebração da Páscoa, os judeus lembravam o pão do deserto. Jesus os ajuda a dar um passo. Quem celebra a Páscoa, lembrando só o pão que os pais comeram no passado, vai acabar morrendo como todos eles. O verdadeiro sentido da Páscoa não é lembrar o maná que caiu do céu, mas sim aceitar Jesus como o Pão da Vida e seguir pelo caminho que ele ensinou. Não é comer a carne do cordeiro pascal, mas sim comer a carne de Jesus, que desceu do céu para a vida do mundo!
5º Diálogo: Carne e sangue: expressão da vida e da doação total (João 6,52-58) 
Os judeus reagem: “Como esse homem pode dar-nos a sua carne para comer?” Eles não entenderam as palavras de Jesus, porque tomaram tudo ao pé da letra. Era perto da Páscoa. Dentro de poucos dias, todos iam comer o cordeiro pascal na celebração da noite da páscoa. Comer a carne de Jesus significava aceitar Jesus como o novo Cordeiro Pascal, cujo sangue os libertaria da escravidão. Por respeito à vida, o AT proibia comer sangue (Dt 12,16.23; At 15,29). Sangue era o sinal da vida. Beber o sangue de Jesus significava assimilar a mesma maneira de viver que marcou a vida de Jesus. O que traz vida não é celebrar o maná do passado, mas sim comer este novo pão que é Jesus, a sua carne e o seu sangue. Participando da Ceia Eucarística, assimilamos a sua vida, a sua doação e entrega.
6º Diálogo: Sem a luz do Espírito não se entendem estas palavras (João 6,59-66) 
Aqui termina o discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum. Muitos discípulos achavam que Jesus estava indo longe demais, que acabava com a celebração da Páscoa, que se colocava no lugar mais central de nossa religião. Por isso, muita gente se desligou da comunidade e não ia mais com Jesus. Jesus reagiu dizendo: “É o espírito que dá vida, a carne para nada serve. As palavras que vos disse são espírito e vida.” Não devem tomar ao pé da letra as coisas que ele diz. Só mesmo com a ajuda da luz do Espírito Santo é possível entender o sentido pleno de tudo que Jesus falou (Jo 14,25-26; 16,12-13).
7º Diálogo: Confissão de Pedro (João 6,67-71)
No fim sobram só os doze. Jesus diz a eles: “Se quiserem, podem ir embora!” Jesus não fazia questão de ter muita gente. Nem mudava o discurso quando a mensagem não agradava. Jesus falava para revelar o Pai e não para agradar a quem quer que fosse. Preferia permanecer só do que estar acompanhado por pessoas que não se comprometiam com o projeto do Pai. A resposta de Pedro foi bonita: “A quem iremos? Você tem palavras de vida eterna!” Mesmo sem entender tudo, Pedro aceitou Jesus e creu nele. Apesar de todos os seus limites, Pedro não era como Nicodemos que queria ver tudo bem claro de acordo com as suas próprias ideias. E, mesmo assim, entre os doze havia gente que não aceitava a proposta de Jesus.
Alargando
O Sinal do Novo Êxodo
O sinal da multiplicação dos pães aconteceu próximo da Páscoa (Jo 6,4). A Festa da Páscoa era a memória perigosa do Êxodo, a libertação do povo das garras do faraó. Assim, todo o episódio narrado neste capítulo tem um paralelo com os episódios relacionados com a Festa da Páscoa, tanto com a libertação do Egito quanto com a caminhada do povo no deserto em busca da terra prometida. Apresentaremos este paralelo nos pequenos blocos que formam o capítulo 6 do Evangelho de João:
A multiplicação dos pães (Jo 6,1-15)
Jesus tem diante de si a multidão faminta e o desafio de garantir o alimento para todos. Da mesma maneira, Moisés enfrentou este desafio durante a caminhada do povo pelo deserto (Ex 16,1-35; Nm 11,18-23). Depois de comer, a multidão saciada reconhece Jesus como o “Profeta que devia vir ao mundo” (Jo 6,14) dentro do que pede a Lei da Aliança (Dt 18,15-22).
Jesus caminha sobre o mar (Jo 6,16-21)
Para o povo da Bíblia, o mar era o símbolo do abismo, do caos, do mal (Ap 13,1). No Êxodo, o povo faz a travessia para a liberdade enfrentando e vencendo o mar. Deus divide o mar com seu sopro, e o povo atravessa com pé enxuto (Ex 14,22). Em outras passagens, a Bíblia mostra Deus vencendo o mar (Gn 1,6-10; Sl 104,6-9; Pr 8,27). Vencer o mar significa impor-lhe os seus limites e impedir que ele engula toda a terra com suas ondas. Nesta passagem, Jesus revela sua divindade, dominando e vencendo o mar, impedindo que a barca de seus discípulos seja tragada pelas ondas.
O discurso sobre o Pão da Vida (Jo 6,22-58)
Este longo discurso feito na sinagoga de Cafarnaum está relacionado com o capítulo 16 do livro do Êxodo. Vale a pena ler todo este capítulo de Êxodo, percebendo as dificuldades que o povo teve que enfrentar na sua caminhada, para podermos compreender os ensinamentos de Jesus aqui no capítulo 6 do Evangelho de João. Quando Jesus fala de “um alimento que perece” (Jo 6,27), ele está lembrando Ex 16,20. Da mesma forma, quando os judeus “murmuram” (Jo 6,41), fazem a mesma coisa que os israelitas no deserto, quando duvidaram da presença de Deus junto com eles durante a travessia (Ex 16,2; 17,3; Nm 11,1). A falta de alimentos fazia com que o povo duvidasse que Deus estivesse com eles, de que Deus fosse Javé, resmungando e murmurando contra Deus e contra Moisés. Aqui também os judeus duvidam da presença de Deus em Jesus de Nazaré (Jo 6,42).
Carlos Mesters, Francisco Orofino e Mercedes Lopes 

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