Só a compaixão liberta e é digna de crédito!
A
liturgia de hoje nos apresenta Jesus atuando movido pela compaixão,
intrinsecamente implicado com os múltiplos dramas enfrentados diariamente pelos
pobres e abandonados. Nele, Deus visita e liberta a humanidade sofredora,
transforma o pranto em alegria e o lamento em dança. A festa da visitação de
Maria celebrada no dia 31 de maio é uma referência feminina a esta permanente e
libertadora visita de Deus à humanidade. Diante de sua ação recriadora de Deus
em Jesus, somos convidados a trocar nossa pesada roupa de luto e penitência por
leves e alegres trajes de festa.
Esta
é a moldura que enquadra e lança luz sobre a cena narrada pelo evangelista.
Depois de ter se aproximado da casa de um pagão de Cafarnaum e ter atendido seu
pedido para que curasse seu empregado, Jesus vai à pequena cidade de Naim,
acompanhado pelos discípulos e por uma grande multidão. Às portas da cidade,
esta caravana de sonhadores e estropiados se encontra com a procissão que
carrega o corpo sem vida do filho único de uma viúva desamparada. No ambiente
cultural patriarcal do oriente antigo, uma viúva praticamente não podia
sobreviver sem o apoio de um filho homem.
No
centro do episódio narrado por Lucas não está o jovem morto mas a viúva
desamparada. É a esta pobre mãe que Jesus dirige seu olhar, consciente do total
abandono no qual estava jogada. É dela que ele se compadece. É a ela que dirige
uma aparentemente patética e insuficiente palavra de consolo. Enquanto que o
poder, não obstante a sedução que exerce sobre nós, somente afasta e intimida,
a compaixão sempre aproxima e suscita confiança. O que define e caracteriza o
Deus que se revela em Jesus Cristo é a compaixão que age regenerando a vida, e
não o poder sempre pronto a julgar e condenar.
Como
judeu fiel e praticante, Jesus conhecia os mandamentos que obrigavam a socorrer
e proteger as viúvas, juntamente com os órfãos e estrangeiros (cf. Dt 10,18;
24,17-22; 26,12-13). “Não faças mal à viúva nem ao órfão. Se os maltratardes,
clamarão a mim, e eu ouvirei seu clamor” (Ex 22,20-21). E Lucas nos mostra que
Jesus olha positivamente para esta categoria de pessoas: a insistência de uma
viúva diante do juiz é modelo para a oração dos cristãos (18,1-8); a pequena
oferta de uma pobre viúva é mais significativa que a volumosa doação dos ricos
(21,1-4).
Jesus
se aproxima da viúva movido pela compaixão. A compaixão é a força acolhedora e
redentora que move o pai ao encontro do filho libertado da ameaça de morte (cf.
Lc 15,11-32). A compaixão é também o que move o samaritano a socorrer o homem
que caiu na mão dos assaltantes e faz dele modelo para judeus e cristãos (cf.
Lc 10,25-37). As ações restauradoras e libertadoras de Jesus demonstram mais sua
compaixão que seu poder! Por que será que a teologia, a doutrina e a piedade teimam
em esquecer que é mediante a compaixão e não o poder que Jesus realiza sua
missão libertadora?
Movido
pela compaixão, Jesus subverte as leis da pureza, toca no caixão do jovem, faz
parar o cortejo, ordena que o morto se levante e o devolve vivo e sadio à mãe. Como
em todos os sinais maravilhosos que realiza, Jesus intervém numa
situação-limite, neste caso, para diminuir o aperto de uma mulher que, com o
desaparecimento do filho, sendo viúva, perdera a única proteção de que
dispunha. O gesto de Jesus é maravilhoso pela atenção às necessidades de uma
pessoa desamparada. Poucos dispomos de poder, mas a compaixão está ao alcance
de todos!
Lucas
testemunha que “todos ficaram tomados de temor e glorificaram a Deus”. E
tiravam suas próprias conclusões: “Um grande profeta surgiu entre nós”; “Deus
veio visitar seu povo”. É o mesmo temor, a mesma alegria e o mesmo louvor que
brota dos lábios dos pastores diante do nascimento de Jesus entre os pobres de
Belém (cf. Lc 2,8-20); do povo diante da cura de um paralítico (cf. Lc
5,17-26); da mulher curada de uma doença que a encurvava há dezoito anos (cf.
Lc 13,10-13); do leproso gratuitamente curado (cf. Lc 17,11-19); e do cego que
pedia esmolas e recuperara a vista (cf. Lc 18,35-43).
Jesus de Nazaré, peregrino no
santuário das dores humanas: ajuda-nos a extrair da compaixão a sensibilidade,
a coragem e a perseverança para mantermos em movimento a caravana da vida, para
bloquear a caravana da morte e para recriar os mecanismos que protegem os
desamparados. Ajuda-nos a perceber que tu vens para mudar a sorte do teu povo. Nestes
tempos sombrios em que a suprema corte da justiça se mancomuna com os
estupradores da democracia e mergulha nas sombras da conspiração que solapa os
poucos direitos dos pobres, dá-nos fortaleza e inteligência para denunciar com
firmeza e coerência o golpe que está em andamento e articular a resistência e a
luta popular. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(1° Livro dos Reis
17,17-24 * Salmo 29 (30) * Carta aos Gálatas 1,11-19 * Evangelho de São Lucas 7,11-17)
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