quarta-feira, 1 de junho de 2016

ANO C – DÉCIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 05.06.2016

Só a compaixão liberta e é digna de crédito!

A liturgia de hoje nos apresenta Jesus atuando movido pela compaixão, intrinsecamente implicado com os múltiplos dramas enfrentados diariamente pelos pobres e abandonados. Nele, Deus visita e liberta a humanidade sofredora, transforma o pranto em alegria e o lamento em dança. A festa da visitação de Maria celebrada no dia 31 de maio é uma referência feminina a esta permanente e libertadora visita de Deus à humanidade. Diante de sua ação recriadora de Deus em Jesus, somos convidados a trocar nossa pesada roupa de luto e penitência por leves e alegres trajes de festa.
Esta é a moldura que enquadra e lança luz sobre a cena narrada pelo evangelista. Depois de ter se aproximado da casa de um pagão de Cafarnaum e ter atendido seu pedido para que curasse seu empregado, Jesus vai à pequena cidade de Naim, acompanhado pelos discípulos e por uma grande multidão. Às portas da cidade, esta caravana de sonhadores e estropiados se encontra com a procissão que carrega o corpo sem vida do filho único de uma viúva desamparada. No ambiente cultural patriarcal do oriente antigo, uma viúva praticamente não podia sobreviver sem o apoio de um filho homem.
No centro do episódio narrado por Lucas não está o jovem morto mas a viúva desamparada. É a esta pobre mãe que Jesus dirige seu olhar, consciente do total abandono no qual estava jogada. É dela que ele se compadece. É a ela que dirige uma aparentemente patética e insuficiente palavra de consolo. Enquanto que o poder, não obstante a sedução que exerce sobre nós, somente afasta e intimida, a compaixão sempre aproxima e suscita confiança. O que define e caracteriza o Deus que se revela em Jesus Cristo é a compaixão que age regenerando a vida, e não o poder sempre pronto a julgar e condenar.
Como judeu fiel e praticante, Jesus conhecia os mandamentos que obrigavam a socorrer e proteger as viúvas, juntamente com os órfãos e estrangeiros (cf. Dt 10,18; 24,17-22; 26,12-13). “Não faças mal à viúva nem ao órfão. Se os maltratardes, clamarão a mim, e eu ouvirei seu clamor” (Ex 22,20-21). E Lucas nos mostra que Jesus olha positivamente para esta categoria de pessoas: a insistência de uma viúva diante do juiz é modelo para a oração dos cristãos (18,1-8); a pequena oferta de uma pobre viúva é mais significativa que a volumosa doação dos ricos (21,1-4).
Jesus se aproxima da viúva movido pela compaixão. A compaixão é a força acolhedora e redentora que move o pai ao encontro do filho libertado da ameaça de morte (cf. Lc 15,11-32). A compaixão é também o que move o samaritano a socorrer o homem que caiu na mão dos assaltantes e faz dele modelo para judeus e cristãos (cf. Lc 10,25-37). As ações restauradoras e libertadoras de Jesus demonstram mais sua compaixão que seu poder! Por que será que a teologia, a doutrina e a piedade teimam em esquecer que é mediante a compaixão e não o poder que Jesus realiza sua missão libertadora?
Movido pela compaixão, Jesus subverte as leis da pureza, toca no caixão do jovem, faz parar o cortejo, ordena que o morto se levante e o devolve vivo e sadio à mãe. Como em todos os sinais maravilhosos que realiza, Jesus intervém numa situação-limite, neste caso, para diminuir o aperto de uma mulher que, com o desaparecimento do filho, sendo viúva, perdera a única proteção de que dispunha. O gesto de Jesus é maravilhoso pela atenção às necessidades de uma pessoa desamparada. Poucos dispomos de poder, mas a compaixão está ao alcance de todos!
Lucas testemunha que “todos ficaram tomados de temor e glorificaram a Deus”. E tiravam suas próprias conclusões: “Um grande profeta surgiu entre nós”; “Deus veio visitar seu povo”. É o mesmo temor, a mesma alegria e o mesmo louvor que brota dos lábios dos pastores diante do nascimento de Jesus entre os pobres de Belém (cf. Lc 2,8-20); do povo diante da cura de um paralítico (cf. Lc 5,17-26); da mulher curada de uma doença que a encurvava há dezoito anos (cf. Lc 13,10-13); do leproso gratuitamente curado (cf. Lc 17,11-19); e do cego que pedia esmolas e recuperara a vista (cf. Lc 18,35-43).
Jesus de Nazaré, peregrino no santuário das dores humanas: ajuda-nos a extrair da compaixão a sensibilidade, a coragem e a perseverança para mantermos em movimento a caravana da vida, para bloquear a caravana da morte e para recriar os mecanismos que protegem os desamparados. Ajuda-nos a perceber que tu vens para mudar a sorte do teu povo. Nestes tempos sombrios em que a suprema corte da justiça se mancomuna com os estupradores da democracia e mergulha nas sombras da conspiração que solapa os poucos direitos dos pobres, dá-nos fortaleza e inteligência para denunciar com firmeza e coerência o golpe que está em andamento e articular a resistência e a luta popular. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(1° Livro dos Reis 17,17-24 * Salmo 29 (30) * Carta aos Gálatas 1,11-19 * Evangelho de São Lucas 7,11-17)

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