quinta-feira, 9 de junho de 2016

ANO C – DÉCIMO PRIMEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 12.06.2016

Não existe santo sem passado, nem pecador sem futuro!

O bispo vietnamita François van Thuan sentiu-se tocado por uma frase escrita desajeitadamente na parede da cela da prisão na qual passou mais de 20 anos: “Não existe santo sem passado, nem pecador sem futuro.” François, hoje em processo de beatificação, viu nesta frase um resumo do Evangelho, e eu penso que é também uma boa chave-de-leitura para o evangelho proclamado deste domingo. Santa é a pessoa que, tocada pelo amor de Deus, entra num permanente processo de conversão. E, diante de Deus, ninguém está preso às culpas do passado ou às contradições do presente, por maiores que sejam.
O Evangelho de Jesus deixa claro: os cristãos não são superiores a ninguém, não ocupam o centro de nada. Mas as tentações são muitas, persistentes e fortes: muitos católicos se sentem superiores aos pentecostais e muçulmanos; há padres e religiosos se consideram melhores que os demais membros da comunidade; existem ricos e bem-sucedidos se sentem mais dignos e meritórios que os fracassados... No ventre desta postura de superioridade vigora um distanciamento, uma força que separa e traça fronteiras intransponíveis. Na sua base está a presunção de ser o centro de tudo...
No evangelho de hoje, o fariseu Simão convida Jesus para uma refeição em sua casa e observa escandalizado que o honrado convidado não evita uma mulher reconhecidamente pecadora que, entrando sem permissão na sala da festa, lava os pés de Jesus com as lágrimas e os enxuga com os cabelos. Diante disso, Simão e seus correligionários concluem que Jesus não é um profeta nem pode agir e falar em nome de Deus; é um “comilão e beberrão, amigo dos publicanos e pecadores” (Lc 7,35). Para Simão, Deus não poderia senão confirmar sua ideologia farisaica. Como muitos ainda pensam hoje: Deus e a bíblia confirmam a superioridade dos homens sobre as mulheres, dos ricos sobre os pobres...
Mas os verdadeiros profetas começam por desvelar os limites e fraquezas que escondemos sob nossas belas doutrinas. Diante de Deus, ninguém é puro nem perfeito! O que nos sustenta no seguimento de Jesus Cristo é a experiência de que ele nos ama pessoalmente e se entregou por nós. É isso que faz com que Paulo considere todos os méritos acumulados no judaísmo como lixo desprezível. É isso que leva a mulher pecadora a vencer todas as barreiras, a ultrapassar os muros levantados pela hipocrisia e a irromper na própria casa daqueles que a condenam. Para Jesus, não há pecador sem futuro!
Paulo elabora a seu modo os princípios fundamentais deste Evangelho da gratuidade da salvação. Para ele, não atingimos a maturidade espiritual e a plenitude da liberdade observando prescrições, que acabam sempre fortalecendo nosso ego ou nossas instituições, mas acolhendo o amor de Deus que nos é oferecido como graça e como tarefa em Jesus Cristo. A lei é uma via superada e precisa ser descartada, enquanto que a fé é um caminho de vida, uma via pascal. Dos cristãos se espera que assumam o espírito de Cristo como orientação pessoal de vida. “Eu vivo, mas não sou eu: é Cristo que vive em mim!”
Diante de tamanha bondade e gratuidade, não há como não ser agradecido e reorganizar a vida. Mas o fariseu, como muitos o fazem também hoje, não demonstra gratidão e hospitalidade porque pensa que é merecedor da salvação, que é credor diante de Deus. A presunção de mérito o prende ao passado e fecha o futuro. A presunção nunca se dá bem com a gratidão, uma vez que eleva, incha, distancia, despreza, exige. E cobra até o último centavo, inclusive do próprio Deus. Esta é uma lógica terrivelmente mortal, que acaba desumanizando tanto quem a vive como aqueles com quem se relaciona.
A vida cristã é um caminho de acolhida, liberdade e gratidão. “Eu não anulo a graça de Deus”, diz Paulo. Isso significa reconhecer que somos pecadores acolhidos gratuitamente por Deus, mas implica também em fazer da gratuidade e da acolhida sem discriminação o princípio regente das nossas práticas e projetos, tanto individuais como comunitários e institucionais. Longe de nós a fria superioridade do fariseu, incapaz de qualquer gesto de hospitalidade para com Jesus. Precisamos entrar ritmo de Jesus Cristo, que derrubou os muros que separavam e fez nascer um único povo (cf. Ef 2,14).
Jesus de Nazaré, coração sem fronteiras, amor que prioriza os marginalizados, perdão que redime e devolve a dignidade aos pecadores! Somos uma comunidade de pecadores reconciliados, a serviço da reconciliação da humanidade. Queremos manter as portas abertas a todas as pessoas tratadas como restos descartáveis. Não estamos totalmente livres das ideologias que discriminam e classificam, mas continuamos desejando ser uma Igreja que acolhe e promove a dignidade dos pobres, a diaconia das mulheres, a partilha de bens e a eliminação dos muros. Ajuda-nos a namorar apaixonadamente esse ideal. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(2° Livro de Samuel 12,7-13* Salmo 31 (32) * Carta aos Gálatas 2,16-21 * Evangelho de São Lucas 7,36-8-3)

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