Fomos libertados para viver com paixão o Amor e a Justiça.
Quem
quiser seguir Jesus Cristo em tempos de cultura líquida (que rejeita
referências sólidas, enrijece a lógica que transforma tudo em mercadoria, aceita
a exclusão como destino inexorável e estabelece a indiferença como sinônimo de
liberdade) precisa tomar uma decisão firme e refletida. Não pode ter como única
referência os próprios desejos e sonhos, mas precisa ter claro o objetivo de
seguir e imitar Jesus na sua paixão pela humanidade, na sua solidariedade com
os últimos, no seu enfrentamento com os poderes que se opõem ao projeto de um
mundo no qual todas as criaturas tenham seu lugar.
É
emblemático que, frente à tentação do integralismo e à discussão sobre quem é o
maior e (cf. Lc 9,46-50), Jesus tenha tomado “a firme decisão de partir para
Jerusalém”. Nossa meta da vida cristã não é voltar os olhos ao céu ou
contemplar numa espécie de êxtase o esplendor dos impérios, mas, como o faz
Jesus, perceber e denunciar suas contradições e suas injustiças. Ademais, perseverar
no caminho de Jesus Cristo exige renovada coerência com o Evangelho, imbatível
firmeza diante das resistências e ânimo indestrutível frente às possíveis
decepções. Como os discípulos daquele tempo, somos enviados à frente de Jesus para
preparar-lhe um lugar, sempre cientes das possíveis resistências.
A
reação dos samaritanos – grupo social que, segundo os evangelhos, recebe uma
atenção privilegiada de Jesus – é compreensível diante de um anúncio
possivelmente insuficiente por parte dos discípulos. Assim como haviam proibido
o trabalho daqueles que faziam o bem mas não estavam com eles, é possível que os
discípulos tenham anunciado aos samaritanos um Jesus nacionalista, identificado
com os poderes e doutrinas que diminuíam e excluíam os samaritanos, omitindo
que Ele estava subindo a Jerusalém exatamente para contestar a validade do
templo e para enfrentar a rejeição e o martírio.
Não
seria também essa a principal causa da resistência que o mundo ocidental e
moderno opõe ao cristianismo? Será que não temos identificado demasiadamente
Evangelho e poder? Será que não temos renegado culpavelmente a defesa corajosa
e decidida dos direitos de todos os humanos? Será que não temos esquecido
perigosamente a profecia? Pouco adianta ameaçar os ateus e as (indevidamente
chamadas) seitas com o fogo que desce do céu ou sobe do inferno... O que
precisamos mesmo é de conversão ao Evangelho de Jesus Cristo e de abandono da
pretensão do monopólio da verdade.
Os
cristãos precisam levar a sério a advertência de Jesus de Nazaré e partir para
outros povoados e periferias, cientes de que segui-lo pelos caminhos da
história de hoje é a vocação de todos os homens e mulheres que aderem ao
cristianismo, inclusive dos que não o fazem explicitamente. Se nosso caminho
tiver uma direção clara e permanecer fiel à prática de Jesus, é possível que
muitas pessoas, pertencentes tanto aos setores sociais mais abastados como aos
grupos populares, se sintam também hoje fortemente interpeladas e decidam se
incorporar à comunidade dos discípulos e discípulas.
É
verdade que as pessoas que procuram nossas comunidades trazem consigo contradições
e ambivalências, das quais, aliás, nem prelados da Igreja conseguem se livrar.
Com Jesus, aprendemos a apresentar a elas, com delicadeza e clareza, as exigências
e consequências da opção de estar com ele. Jesus nos apresenta uma espécie de ética do
seguimento, na qual as rupturas e renúncias são uma pedagogia para a liberdade.
Assim como exige um distanciamento frente ao fanatismo, Jesus pede uma ruptura
com alguns costumes que, mesmo conservando um certo valor, podem limitar a
liberdade.
Com
palavras diferentes, Paulo repete o mesmo ensinamento de Jesus: “Toda a lei se
resume neste único mandamento: amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Eis a
liberdade bela e preciosa à qual somos chamados e à qual não podemos renunciar
sem descer ao nível dos mortos: não a autonomia, a indiferença e a
superioridade, mas o respeitoso reconhecimento da dignidade do próximo e o
livre serviço às suas necessidades. Nisto consiste a obediência razoável devida
a Deus e o amor maduro que de nós ele tem direito a esperar. Fomos libertados
para a prática do amor e da justiça.
Jesus de Nazaré, mestre de exigentes
lições e peregrino que avança no caminho para Jerusalém, decidido a enfrentar o
poder: queremos caminhar contigo, aprender aquilo que realmente conta e
alcançar a liberdade profunda e radical. Queremos aprender de ti e dos profetas
que te precederam e seguiram a profecia e o ardor pelos direitos de Deus.
Dá-nos a disciplina e a coragem para romper com todos os compromissos que
reduzem ou adiam nossa autêntica liberdade.
Que São João Batista, festa e alegria dos pequenos, nos estimule e
acompanhe, e que nada nos impeça de caminhar contigo. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(1° Livro dos Reis
19,16.19-21 * Salmo 15 (16) * Carta aos Gálatas 5,1.13-18 * Evangelho de S. Lucas
9,51-62)
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