Ninguém consegue algemar
o Evangelho de Jesus Cristo!
Apenas
concluímos um mês cheio de memórias de santos populares, e iniciamos julho com
a solenidade de São Pedro e São Paulo. Acolhamos com reverência o testemunho
destes irmãos maiores, colunas que sustentam as comunidades cristãs. Mas, para
chegar à vida real destes personagens é preciso escutar o testemunho das
Escrituras. Se é verdade que Pedro é o primeiro líder dos cristãos e Paulo é o
apóstolo dos povos, também é certo que ambos, cada um a seu modo e a seu tempo,
foram discípulos de Jesus e passaram por sucessivas crises e dificuldades,
provaram a prisão e passaram pelo martírio.
Esqueçamos
por um instante a cena contada por Mateus e centremos nossa atenção no
acontecimento narrado nos Atos dos Apóstolos. Pedro, o primeiro Papa foi
presidiário! “Para que servem as chaves prometidas por Jesus Cristo se não
ajudam a soltar as algemas que o prendem ou abrir a porta da prisão, mantida
sob rigorosa vigilância?” Pedro estava imerso na penumbra desta e outras
perguntas quando uma luz iluminou sua cela, uma mão tocou seu ombro e uma voz
ordenou que se levantasse. As algemas caíram, os guardas não viram nada e a
porta que separava a cela da cidade se abriu sozinha...
Depois de
ter sido um fariseu zeloso e violento e de ter acumulado muitos méritos e honras
por causa disso, Paulo fez a experiência de ser conquistado por Jesus Cristo e,
diante do bem supremo desta acolhida gratuita e imerecida, considerou tudo o
mais como lixo e déficit na
contabilidade da vida (cf. Fil 3,1-14) e se lançou, livre e incansável, no anúncio
desta boa notícia, especialmente às
pessoas e grupos de origem pagã. O zelo e o ardor que Paulo demonstrara pelo
judaísmo se transformou em zelo pela fé e pela autonomia e liberdade recebidas em
Jesus Cristo. Com isso, perdeu de vez a tranquilidade...
Esta
complexa trajetória de vida atraiu contra Paulo a desconfiança dos próprios
cristãos e o ódio dos seus irmãos judeus. Depois de sucessivos enfrentamentos e
perseguições, ele também acabou na prisão. Sendo cidadão romano, exigiu o direito
de ser julgado decentemente em Roma, e para lá foi conduzido. Entretanto,
ninguém conseguiu colocar sob algemas aquilo que o fazia livre: a boa e
emancipadora mensagem de Jesus Cristo. “Por ele, eu tenho sofrido até ser
acorrentado como um malfeitor. Mas a Palavra de Deus não está acorrentada”,
escreveu ele ao fiel amigo e companheiro Timóteo (2Tm 2,9).
Pedro e
Paulo são filhos, irmãos e pais da fé numa Igreja que confirmou com a vida
aquilo que anunciou com as palavras. De um lado, Pedro, Paulo e os demais
cristãos detidos mantêm contato com as suas comunidades de base, inclusive
através de cartas às suas principais lideranças; de outro, as comunidades não
ficam indiferentes, apesar da crise de fé provocada por uma perseguição feita
em nome de Deus e da religião, assim como pelos riscos políticos e sociais que
estas relações implicam. O vínculo entre a comunidade dos discípulos e seus
líderes presos se mostra de um modo singelo e comovente no relato dos Atos dos
Apóstolos proposto pela liturgia de hoje (cf. 12,1-11).
As
escrituras dizem que “enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja orava
continuamente por ele.” É neste contexto que Pedro experimenta a presença fiel
de Deus também na prisão. Logo que é libertado do cárcere, vai à casa da mãe de
João Marcos, onde a comunidade está reunida em oração. Quando Rosa, a mãe de
Marcos, abre a porta e vê que é Pedro, é tomada de tanta alegria que acaba
deixando-o plantado do lado de fora enquanto vai anunciar a surpreendente e boa
novidade à comunidade reunida, a qual pensa que Rosa está doida. Aberta a
porta, Pedro entra e conta, entusiasmado, o que havia acontecido.
O que
sustenta as Igrejas e comunidades cristãs é o encontro com Deus em Jesus
Cristo. O que o evangelho de hoje nos propõe é substancialmente isso. Num lugar
marcado pelo domínio estrangeiro, Jesus interroga seus discípulos sobre o que
pensam dele. E Pedro é o primeiro dentre todos os seguidores a reconhecê-lo e
proclamá-lo Messias. Só quem está aberto e sintonizado com a lógica de Deus pode
reconhecer a presença de Deus nas ações e palavras deste filho da humanidade e
irmão de todos os seres humanos. Esta é a base sólida sobre a qual Jesus Cristo
constrói a comunidade cristã.
Queridos Pedro e Paulo, apóstolos e irmãos na fé! Com
vocês aprendemos que crer, confiar, partilhar e anunciar são verbos essenciais na
gramática cristã. O verdadeiro discípulo é aquele que conjuga estes verbos em
todos os tempos, modos e pessoas. Ajudem-nos a viver de tal modo que, chegando ao
entardecer da existência, também nós possamos dizer: “Chegou o tempo da minha
partida. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.” Suportando
os sofrimentos e incertezas presentes, jamais nos envergonhemos ou desanimemos,
pois sabemos em quem acreditamos! Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 12,1-11 * Salmo 33 (34) * 2ª
Carta a Timóteo 4,6-8.17-18 * Evang. de Mateus 16,13-19)
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