Jesus Cristo é um ‘rei’
pobre, misericordioso e servidor!
Há mais
de 50 anos atrás, durante o Concílio Vaticano II, o saudoso e profético Dom
Helder Câmara escrevia, de Roma, aos seus colaboradores: “Celebrei a missa de
Cristo Rei. Claro que ele é Rei. Mas de uma realeza tão diferente, que eu me
angustio ao ver que, de certo modo, exploramos a realeza dele para justificar
inconscientemente a nossa. Durante a missa, pensei o tempo todo no pobre Rei,
com estopa nas costas e coroado de espinhos. E fiquei repetindo baixinho: ‘Meu
pobre Rei, para mim você é (o mendigo) Luciano’. Dependesse de mim, criaríamos
uma festa nova: a festa de Cristo Servidor e Pobre”.
Ainda
hoje, as imagens do poder continuam exercendo sobre uma irresistível sedução
sobre muita gente. Muitos experimentam uma espécie de êxtase quando têm a
oportunidade de se aproximar de um chefe de estado, de um rei ou príncipe, de
um ídolo do esporte, de um cardeal ou do Papa. Mas os Evangelhos nos previnem
severamente contra os riscos de uma aproximação ingênua entre Jesus Cristo e um
rei ou um destes ídolos famosos e poderosos. Quem identifica Deus com os reis,
príncipes e sacerdotes acaba olhando o Cristo crucificado e os excluídos de
todos os tempos sem entender nada.
É verdade
que Jesus anunciou algo como um reino ou reinado de Deus. Ele mesmo foi
aclamado como descendente do rei Davi, como o Messias e o rei esperado. Mas
isso nada tem a ver com a figura dos reis e chefes que a história nos deu a
conhecer, pois alguns deles assassinaram os próprios familiares para alcançar o
trono. A referência a Davi expressa a esperança de uma liderança nova e
popular, de um líder humilde e corajoso na defesa dos injustiçados, nos moldes
do frágil e rejeitado filho de Jessé, excluído pelo próprio pai da festa dos
filhos e herdeiros (cf. 1Sm 16,1-13).
Jesus
anunciou e colocou em ação o reinado de Deus. Deus reina quando os coxos andam,
os cegos veem, os mudos falam, os presos conquistam a liberdade, os oprimidos
adquirem a cidadania, os mortos ressuscitam e os pobres recebem boas notícias.
Deus reina na medida em que homens e mulheres superam as relações de dominação
e exercitam a liberdade e a solidariedade. Jesus realiza o reinado de Deus
esquecendo-se de si, fazendo-se irmão e servidor de todos, prioritariamente dos
últimos na escala social. Ele renunciou à igualdade com Deus, despojou-se de
tudo e assumiu a vida humana e a posição social dos escravos. E é por isso que
o mundo inteiro deve fazer reverência diante dele.
A cena
descrita por Lucas no evangelho de hoje nos apresenta Jesus crucificado entre
dois condenados à morte. Toda a sua vida foi uma proclamação viva de um Deus
que acolhe os últimos e faz justiça aos oprimidos. Pregado na cruz entre dois
condenados, Jesus proclama silenciosa e inequivocamente a solidariedade de Deus
com os excluídos e põe em ação o reinado de Deus. Enquanto os reis e príncipes
se afastam dos homens e mulheres e os consideram desprezíveis, Jesus
compartilha a sorte dos condenados e os acolhe no seu reinado. Certamente esse
não é um rei muito convencional.
Por isso,
o Cristo pendente da cruz permanece uma espécie de espada que penetra nossa fé
até à medula e incomoda a Igreja e seus chefes. E não passam de fuga e de
traição as tentativas de substituir os espinhos por uma coroa de ouro e a cruz
por um trono glorioso. É nesta condição de condenado e de proscrito, de quem
compartilha a condição dos desclassificados, que Jesus nos livra das trevas do
poder impostor e é o primogênito da humanidade regenerada, a cabeça da Igreja
seu corpo, o príncipe das mulheres e homens libertos. A ele podemos pedir:
“Lembra-te de mim quando entrares no teu reinado!”
Enquanto
expressão mais radical da proximidade e da solidariedade de Deus com a
humanidade discriminada, Jesus é potente e eloquente sacramento da humanidade
renovada. É entregando-nos a vida como dinamismo e força de uma compaixão que
regenera que ele nos salva. É compartilhando a humana carência que ele
conquista a plenitude pela qual todos anelamos. E é fazendo-se em tudo irmão e
servo que ele resgata a dignidade da verdadeira autoridade. É na boca de um dos
companheiros proscritos e condenados que ressoa a proclamação da inocência de
Jesus: “Ele não fez nada de mal.”
Diante de ti, Jesus de Nazaré, e dos irmãos que estão
à tua direita e à tua esquerda, reconhecemos a loucura dos nossos desejos de
poder e de glória, e te suplicamos: elimina do nosso coração e da tua Igreja
estas pretensões descabidas e o medo que elas escondem. Reveste-nos da tua
corajosa compaixão e guia-nos no caminho da solidariedade com os últimos, a fim
de que sejamos apenas mas sempre Servidores dos mais pobres, multiplicando
sinais luminosos e efetivos do teu reinado ativamente presente na compaixão. Só
assim contribuiremos para que reines, e seremos realmente teus irmãos e irmãs. Assim
seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(2° Livro de Samuel 5,1-3 * Salmo 121 (122) * Carta
aos Colossenses 1,12-20 * Evangelho de Lucas 23,35-43)
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