“Tire as sandálias, pois esta terra é santa!”
O missionário, que parte respondendo a um
chamado e um mandato de Deus, vive e atua em nome dele, no horizonte dele, e
nunca em nome próprio. Na imaginação poética e crítica de Paulo Suess, sua aventura
se parece a de um jardineiro que, surpreso e encantado com a beleza e a
variedade das flores que vicejam alhures, trata-as com delicadeza quase sagrada
e vai, progressivamente, relativizando o amado jardim que deixou para trás. Ou
comporta-se como o amante de borboletas, que renuncia às armadilhas para captura-las
e decide cultivar jardins para atraí-las.
Por isso, convido você a acompanhar os
passos delicados e as impressões primeiras e deslumbrante do Fr. Ricardo Klock
msf, que recentemente aceitou interromper seus estudos teológicos no Instituto
Santo Tomás de Aquino, em Belo Horizonte, e seguiu para Mecubúri, Moçambique,
onde se incorpora aos demais missionários/as, coirmãos e leigos/as, que por lá vivem
a aventura de testemunhar a fé em Jesus Cristo, e, em nome dele, amar e servir.
Acolhamos as impressões, sensações e emoções que ele viveu do desembarque em
terras moçambicanas e da viagem entre Nampula e Mecubúri.
Pisando o chão de Nampula
“Eis me
aqui!”, cheguei à missão! Depois de 24 horas de viagem, aterrissei em Nampula
dia 14 de fevereiro de 2018, às 13:30 horas. Fui acolhido com muita alegria
pela Edina (missionária leiga), pelo Padre Celso e, depois, em casa, pelo
Raphael (missionário leigo). Os primeiros metros percorridos de carro pela
cidade de Nampula foram um grande choque de realidade. Por mais que eu tá
tivesse visto fotos das casas, pessoas, da realidade como um todo, vê-las com
os próprios olhos é totalmente diferente.
Ainda na
cidade de Nampula, percebi o agito de uma metrópole com seus 500 mil habitantes.
Muitos vendedores nas ruas, vendendo de tudo, desde alimentos até materiais
escolares (estamos na época de início das aulas!). As construções da cidade misturam
estilos moderno e rústico. ´s vezes a gente tem a impressão de que a cidade não
passa de um aglomerado de casinhas. A cidade parece um grande formigueiro
humano, eis a triste realidade. O trânsito me parece um pouco caótico, pois
usa-se a mão inglesa: o motorista está do lado direito do veículo.
Na
caminhada para uma breve visita à Catedral, o Pe. Celso me avisou que não se
podia caminhar sobre determinadas calçadas. Ao cidadão é proibido pisar a
calçada que circunda a casa do governador! São obrigados a caminhar pela rua
mesmo, sob o olhar de guardas muito bem armados. A catedral, construída ainda
numa estilo colonial, ostenta paredes largas, portas enormes, duas torres
altas. Seu interior muito sóbrio, sem luxo. Tem como padroeira Nossa Senhora de
Fátima. Após essa pequena visita fomos tomar uma água e depois rumamos para o
meu destino final, Mecubúri.
“Há uma nuvem de lágrimas molhando meu rosto...”
Da mesma
forma que me vieram lágrimas nos olhos ao pousar no aeroporto de Nampula, elas
voltaram, as lágrimas, durante o logo caminho até a casa da missão, que fica no
interior de Nampula, no distrito de Mecubúri. A gente quase não vê estradas, somente
vielas, trilhas, ou corta-mato como aqui dizem.
Esta
viagem é, em si mesma, uma nova aventura! Os primeiros trechos, uns 30 km, são asfaltados,
beirados por inúmeras feiras que vendem de tudo e mais um pouco. Depois de
alguns quilômetros, acaba o asfalto, e a aventura começa. Como o terreno é
muito arenoso, qualquer chuva forma poças e pequenas valas. E aqui está
chovendo muito, desde dezembro. Assim, há açudes e crateras imensas na estrada.
É uma situação adequada para pra um rali, mas não para viajar! A sorte é que nosso carro é grande e conseguiu
passar com certa tranquilidade por esse terreno tão sinuoso. Somente uma vez
tivemos que parar e sair do carro e avaliar a situação e poder continuar.
Nesta
época, abençoadamente chuvosa, o verde toma conta da região. Até as montanhas,
que são grandes blocos de pedra, estão cobertos de vegetação. É uma paisagem
muito bonita! A estrada entre Nampula e Mecubúri, em torno de 80 km, é
maiormente de terra. Não há muitos povoados ao longo da estrada, apenas muitas
casinhas espalhadas, e em alguns lugares, pequenas aglomerações destas casinhas.
A sua maioria delas é construída com bambu e barro, cobertas com palha. Outras,
um pouco mais resistentes, são de tijolo e barro. A maioria delas não resiste e
às chuvas e cai, precisando ser reconstruídas depois do período chuvoso.
Percebi
muita gente caminhando ao longo da estrada: crianças voltado da escola, mulheres
voltando das machambras (assim eles denominam a terra que cultivam e plantam,
geralmente bem longe do lugar onde moram). A gente vê poucos carros, algumas
motos e um grande número de bicicletas. Existem as “chapas”, que são pequenas
vans e até caminhões abertos que fazem o transporte das pessoas, o transporte
público.
Na beira
das estradas, a gente vê enormes mangueiras e cajueiros, além de outras arvores
menores, lembrando muito o cerrado brasileiro. Não há grandes plantações,
somente pequenas plantações de milho, mandioca e amendoim. Aqui se planta em
meio a natureza, ao redor das casas. O que me chamou muito a atenção foram as
inúmeras plantações de arroz. Como a chuva está sendo abundante, o que não é
normal, existem vários lugares alagados nos quais planta-se arroz. É uma
plantação bonita de se ver, e espero que o pessoal possa colher uma bela
quantidade de arroz. Não vi muitos animais, apenas galinhas e cabras.
Muitas crianças e uma contagiante alegria!
“Quanta
criança, meu Deus!” Esse foi o meu pensamento durante a viagem. Sentadas à
beira da estrada, debaixo dos pés de manga e caju, elas são muitas mesmo! Há algo
que identifica claramente as crianças e adultos aqui: a alegria! Quando
passávamos, sempre recebíamos um sorriso. Por mais que essa gente enfrenta as
dificuldades, o sorriso está sempre estampado no rosto. Na maioria das pequenas
pontes que cruzávamos, havia crianças, jovens e até adultos tomando banho e se
divertindo. As mulheres aproveitavam para lavar a roupa. A água é portadora de
alegria!
Como está
chovendo muito, muito mesmo, durante um trecho do caminho enfrentamos a chuva
torrencial. Em questão de minutos, a estrada estava alagada e escorregadia. Mas
viajando alguns minutos já estávamos fora da chuva e podíamos seguir a nossa
viagem com tranquilidade. Era preciso apenas cuidar os “pequenos” buracos e
açudes que haviam se formado no meio da estrada.
Minha família e minha casa
Ao chegarmos
na sede da missão, vi que de um lado está a escola e do outro a nossa casa. Não
consigo descrever a emoção... Escrevendo, agora, as lagrimas voltam aos meus
olhos... Como estava muito cansado, conversei um pouco com o Celso e o Raphael,
e depois fui dormir. Estava a quase 48 horas sem deitar numa cama. E dormi continuamente
por quase 12 horas...
Estou me
sentindo em casa. Pode ser muito cedo para afirmar isso, não importa. Sinto-me
parte deste projeto e dessa missão!
Fr.
Ricardo Klock msf
(15.02.2018)
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