domingo, 11 de março de 2018

A sagrada terra da missão (1)


“Tire as sandálias, pois esta terra é santa!”
O missionário, que parte respondendo a um chamado e um mandato de Deus, vive e atua em nome dele, no horizonte dele, e nunca em nome próprio. Na imaginação poética e crítica de Paulo Suess, sua aventura se parece a de um jardineiro que, surpreso e encantado com a beleza e a variedade das flores que vicejam alhures, trata-as com delicadeza quase sagrada e vai, progressivamente, relativizando o amado jardim que deixou para trás. Ou comporta-se como o amante de borboletas, que renuncia às armadilhas para captura-las e decide cultivar jardins para atraí-las.
Por isso, convido você a acompanhar os passos delicados e as impressões primeiras e deslumbrante do Fr. Ricardo Klock msf, que recentemente aceitou interromper seus estudos teológicos no Instituto Santo Tomás de Aquino, em Belo Horizonte, e seguiu para Mecubúri, Moçambique, onde se incorpora aos demais missionários/as, coirmãos e leigos/as, que por lá vivem a aventura de testemunhar a fé em Jesus Cristo, e, em nome dele, amar e servir. Acolhamos as impressões, sensações e emoções que ele viveu do desembarque em terras moçambicanas e da viagem entre Nampula e Mecubúri.
Pisando o chão de Nampula
“Eis me aqui!”, cheguei à missão! Depois de 24 horas de viagem, aterrissei em Nampula dia 14 de fevereiro de 2018, às 13:30 horas. Fui acolhido com muita alegria pela Edina (missionária leiga), pelo Padre Celso e, depois, em casa, pelo Raphael (missionário leigo). Os primeiros metros percorridos de carro pela cidade de Nampula foram um grande choque de realidade. Por mais que eu tá tivesse visto fotos das casas, pessoas, da realidade como um todo, vê-las com os próprios olhos é totalmente diferente.
Ainda na cidade de Nampula, percebi o agito de uma metrópole com seus 500 mil habitantes. Muitos vendedores nas ruas, vendendo de tudo, desde alimentos até materiais escolares (estamos na época de início das aulas!). As construções da cidade misturam estilos moderno e rústico. ´s vezes a gente tem a impressão de que a cidade não passa de um aglomerado de casinhas. A cidade parece um grande formigueiro humano, eis a triste realidade. O trânsito me parece um pouco caótico, pois usa-se a mão inglesa: o motorista está do lado direito do veículo.
Na caminhada para uma breve visita à Catedral, o Pe. Celso me avisou que não se podia caminhar sobre determinadas calçadas. Ao cidadão é proibido pisar a calçada que circunda a casa do governador! São obrigados a caminhar pela rua mesmo, sob o olhar de guardas muito bem armados. A catedral, construída ainda numa estilo colonial, ostenta paredes largas, portas enormes, duas torres altas. Seu interior muito sóbrio, sem luxo. Tem como padroeira Nossa Senhora de Fátima. Após essa pequena visita fomos tomar uma água e depois rumamos para o meu destino final, Mecubúri.
“Há uma nuvem de lágrimas molhando meu rosto...”
Da mesma forma que me vieram lágrimas nos olhos ao pousar no aeroporto de Nampula, elas voltaram, as lágrimas, durante o logo caminho até a casa da missão, que fica no interior de Nampula, no distrito de Mecubúri. A gente quase não vê estradas, somente vielas, trilhas, ou corta-mato como aqui dizem.
Esta viagem é, em si mesma, uma nova aventura! Os primeiros trechos, uns 30 km, são asfaltados, beirados por inúmeras feiras que vendem de tudo e mais um pouco. Depois de alguns quilômetros, acaba o asfalto, e a aventura começa. Como o terreno é muito arenoso, qualquer chuva forma poças e pequenas valas. E aqui está chovendo muito, desde dezembro. Assim, há açudes e crateras imensas na estrada. É uma situação adequada para pra um rali, mas não para viajar!  A sorte é que nosso carro é grande e conseguiu passar com certa tranquilidade por esse terreno tão sinuoso. Somente uma vez tivemos que parar e sair do carro e avaliar a situação e poder continuar.
Nesta época, abençoadamente chuvosa, o verde toma conta da região. Até as montanhas, que são grandes blocos de pedra, estão cobertos de vegetação. É uma paisagem muito bonita! A estrada entre Nampula e Mecubúri, em torno de 80 km, é maiormente de terra. Não há muitos povoados ao longo da estrada, apenas muitas casinhas espalhadas, e em alguns lugares, pequenas aglomerações destas casinhas. A sua maioria delas é construída com bambu e barro, cobertas com palha. Outras, um pouco mais resistentes, são de tijolo e barro. A maioria delas não resiste e às chuvas e cai, precisando ser reconstruídas depois do período chuvoso.
Percebi muita gente caminhando ao longo da estrada: crianças voltado da escola, mulheres voltando das machambras (assim eles denominam a terra que cultivam e plantam, geralmente bem longe do lugar onde moram). A gente vê poucos carros, algumas motos e um grande número de bicicletas. Existem as “chapas”, que são pequenas vans e até caminhões abertos que fazem o transporte das pessoas, o transporte público.
Na beira das estradas, a gente vê enormes mangueiras e cajueiros, além de outras arvores menores, lembrando muito o cerrado brasileiro. Não há grandes plantações, somente pequenas plantações de milho, mandioca e amendoim. Aqui se planta em meio a natureza, ao redor das casas. O que me chamou muito a atenção foram as inúmeras plantações de arroz. Como a chuva está sendo abundante, o que não é normal, existem vários lugares alagados nos quais planta-se arroz. É uma plantação bonita de se ver, e espero que o pessoal possa colher uma bela quantidade de arroz. Não vi muitos animais, apenas galinhas e cabras.
Muitas crianças e uma contagiante alegria!
“Quanta criança, meu Deus!” Esse foi o meu pensamento durante a viagem. Sentadas à beira da estrada, debaixo dos pés de manga e caju, elas são muitas mesmo! Há algo que identifica claramente as crianças e adultos aqui: a alegria! Quando passávamos, sempre recebíamos um sorriso. Por mais que essa gente enfrenta as dificuldades, o sorriso está sempre estampado no rosto. Na maioria das pequenas pontes que cruzávamos, havia crianças, jovens e até adultos tomando banho e se divertindo. As mulheres aproveitavam para lavar a roupa. A água é portadora de alegria!
Como está chovendo muito, muito mesmo, durante um trecho do caminho enfrentamos a chuva torrencial. Em questão de minutos, a estrada estava alagada e escorregadia. Mas viajando alguns minutos já estávamos fora da chuva e podíamos seguir a nossa viagem com tranquilidade. Era preciso apenas cuidar os “pequenos” buracos e açudes que haviam se formado no meio da estrada.
Minha família e minha casa
Ao chegarmos na sede da missão, vi que de um lado está a escola e do outro a nossa casa. Não consigo descrever a emoção... Escrevendo, agora, as lagrimas voltam aos meus olhos... Como estava muito cansado, conversei um pouco com o Celso e o Raphael, e depois fui dormir. Estava a quase 48 horas sem deitar numa cama. E dormi continuamente por quase 12 horas...
Estou me sentindo em casa. Pode ser muito cedo para afirmar isso, não importa. Sinto-me parte deste projeto e dessa missão!
Fr. Ricardo Klock msf
(15.02.2018)

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