sexta-feira, 30 de março de 2018

ANO B – TRÍDUO PASCAL: VIGÍLIA DA RESSURREIÇÃO – 31.03.2018


A pedra rejeitada tornou-se princípio e fundamento!
Como quando falece uma pessoa querida, reunimo-nos hoje em vigília, marcados pela dor da perda, recapitulando a história da salvação, regando as frágeis sementes de esperança que restam. Acompanham-nos tantas testemunhas que nos antecederam nessa travessia. Mas a vigília sempre nos possibilita também assumir a herança espiritual de quem partiu, levantar o olhar, contemplar o horizonte e encontrar forças para continuar a caminhada. Aqui estamos, como Elis Regina, acariciando o pequeno fio de esperança: “Eu sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente. A esperança dança na corda bamba, de sombrinha, e, em cada passo dessa linha, pode se machucar...”
É uma ilusão inocente ou uma ideia maldosa imaginar que a vida muda num golpe de mágica. A ação criadora de Deus é sempre lenta, e avança numa luta sem tréguas contra o vazio, o caos e o abismo. Como os hebreus fugindo do Egito, quem luta se vê frequentemente encurralado, com o mar intransponível à frente e as tropas ameaçadoras atrás. Nossa experiência ainda hoje é de que existem pessoas lutadoras e iniciativas promissoras, mas são frágeis e estão muito dispersas, como o povo de Israel no cativeiro da Babilônia. Como identificar os sinais e caminhos de páscoa em tal situação?
O vazio da sepultura não é prova da ressurreição, mas um convite a perceber que as marcas dos pregos e o corpo torturado de Jesus não são a última palavra de Deus sobre a história. Na tumba vazia, anjos e mulheres ensinam que o caos do lixo pode dar lugar a uma criação harmoniosa, que o mar ameaçador pode ser atravessado a pé enxuto, que os grupos dispersos podem ser reunidos, que os crucificados caminham à nossa frente e vislumbram novidades em gestação. Precisamos abrirmo-nos às novas possibilidades escondidas no segredo do átomo, no íntimo das pessoas e nos caminhos da história!
Aquelas mulheres madrugadoras, as poucas conhecidas e as muitas anônimas, nos ensinam que os sinais palpáveis da ressurreição só podem ser tocados na periferia – “Ele vai para a Galileia na frente de vocês, lá vocês o verão” – ou na missão – “Agora vocês devem ir e dizer aos discípulos dele e a Pedro...” É neste caminho de saída que as três mulheres reconhecem o Ressuscitado que vem ao encontro delas, pedindo que se alegrem, que não tenham medo. O lugar onde ele estava deixa de ser importante, pois doravante o que importa agora é ir para onde ele está, para a Galileia daqueles que ‘não contam’.
Como cristãos, completamos em nossos corpos os sofrimentos de Jesus Cristo, ostentamos as marcas de quem vive para servir. A ressurreição se multiplica como semente no testemunho e nas iniciativas de discípulos e discípulas, comunidades e Igrejas, grupos e movimentos. Como na ressurreição de Jesus, os sinais são pequenos, quase desprezíveis, mas igualmente reais e promissores. O batismo, recordado e celebrado comunitariamente na vigília pascal, expressa este dinamismo e esta promessa na vida de cada um de nós e da comunidade eclesial. Morreu o velho homem, nasceu uma nova criatura!
Já vivemos e sofremos o bastante para sabermos que esta passagem não é nem automática, nem evidente. Trata-se de um projeto de vida que, para ser realizado, exige disciplina e empenho sem tréguas. Porque não se trata apenas de lutar contra inimigos externos, mas de vigiar sobre nós mesmos e nossas instituições, sobre a permanente tentação de ser sempre o primeiro, o superior, o mais digno, o merecedor. Mas esta não é uma luta inglória, pois Jesus, nosso irmão maior, já venceu a batalha, removeu muitas pedras, derramou sobre nós seu Espírito e nos tornou capazes de lutar e vencer com ele.
Os primeiros cristãos resgataram uma imagem preciosa para falar da ressurreição de Jesus: Ele é como uma pedra que os construtores jogaram no lixo e que Deus transformou em pedra de ângulo, pedra que sustenta todo o teto em forma de abóbada. Por isso, a páscoa pede que abramos os olhos e as portas às pessoas e grupos sociais que são descartados como desnecessários ou eliminados como incômodos. Se não os tivermos no coração das nossas preocupações e projetos eclesiais, nossa fé poderá ser como casa construída sobre a areia, e nossa utopia pode se deteriorar em simples ideologia.
Senhoras da madrugada, mulheres-coragem: humildemente lhes pedimos ajuda para caminhar na noite que nos envolve, para ver com nossos próprios olhos que o Mestre de vocês e nosso nos precede na fronteira, na periferia e no deserto. Segurem nossas mãos cansadas e firmem nossos passos inseguros. Emprestem-nos um pouco do perfume que vocês souberam conservar, a fim de não chegarmos de mãos vazias ao encontro com Aquele que vive para sempre. E então anunciaremos de mil modos que a carne amada e amante de Jesus vivifica todos os sonhos e esperanças que habitam nossa humanidade. Assim seja! Amém!
 Itacir Brassiani msf
(Gn 1,26-31 * Gn * 22,1-18 * Ex 14,15-15,1 * IS 54,5-14 * Is 55,1-11* Ez 36,16-28* Rm 6,3-11 * Mc 16,1-7)

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