quarta-feira, 28 de março de 2018

ANO B – TRÍDUO PASCAL: CEIA DE JESUS – 29.03.2018


“Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado!”
Reunimo-nos para celebrar a Aliança nova, terna e eterna de Deus conosco, filhas e filhos queridos, família na qual seu Filho se faz irmão. A mesa está pronta, a toalha está linda, há flores coloridas e o alimento é simples e abundante. E há lugar para todos, inclusive para pecadores, como nós. O próprio Jesus de Nazaré nos diz que preparou e desejou ardentemente celebrar este momento conosco (cf. Lc 22,15). E não recusamos o convite porque intuímos que não temos outra honra senão trazer em nossos sonhos, projetos, ações e relacionamentos as marcas da cruz de Cristo, do seu amor sem fronteiras.
Na mesa que reúne as pessoas que desejam ardentemente viver uma fraternidade sem fronteiras, fazemos memória, recordamos. Esta celebração é um memorial dos êxodos e travessias que somos convidados a empreender: travessias de um eu fechado em si mesmo para uma comunidade aberta e solidária; de uma mesa grande e vazia para uma mesa farta e partilhada; de projetos estreitos e ancorados no sucesso pessoal para utopias coletivas; de lutas empreendidas contando apenas conosco mesmos para alianças muito mais que estratégicas.
A ceia eucarística é a memória de Jesus e dos discípulos que, tendo atrás as memoráveis experiências das refeições partilhadas com toda sorte de pecadores, e, à frente, a ameaça dos poderes que não toleram mudanças, compartilham suor e sangue, vinho e pão. A eucaristia é o alimento de quem ainda e sempre está na estrada. Celebramos esta ceia e aceitamos a aliança que Deus nos oferece ainda “na terra do Egito”. Celebramos esta refeição prontos para as travessias que urgem: com cintos que diminuem os embaraços; com sandálias que agilizam os passos; com cajados que nos sustentam na fraqueza.
No centro da ceia não está um cordeiro, mas um corpo feito inteiramente dom. Jesus Cristo nos oferece a totalidade concreta da sua vida como dom e partilha. É sua vida inteira que ele nos dá sem reservas e sem impor condições. E o faz numa ceia ordinária, numa refeição marcada pelo afeto fraterno, num contexto de ameaça de morte, pedindo insistentemente que façamos o mesmo para manter viva sua memória. “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado...” A eucaristia faz da Igreja uma comunidade aberta em dom àqueles que estão fora ou estão “longe”, uma Igreja em saída, missionária.
Jesus ilustra o sentido da sua vida feita aliança no gesto de lavar os pés. Ele havia dito e repetido que viera para servir e não para ser servido, como Servo e não como Senhor. Demonstrara isso numa dedicação sem cansaço aos últimos. Pois agora, depois de repartir pão e vinho, deixa a mesa e assume o serviço próprio de mulheres e crianças, lavando os pés daqueles que estavam à mesa. É o próprio Deus que se inclina diante da humanidade e, de joelhos, lava nossos pés. E não o faz para demonstrar humildade, mas para negar e desfazer todas as hierarquias e afirmar a absoluta igualdade de todos. Admitir e reivindicar superioridades significa negar o próprio Deus, que rejeita tais hierarquias!
Pedro reage diante dessa provocativa e ousada lição de Jesus. Não lhe parece bem mudar as coisas assim tão radicalmente. Para ele, senhores e superiores devem ser honrados; servos e inferiores devem ser desfrutados; esta é a ordem e nada deve ser mudado. A Pedro parece-lhe difícil aceitar que esta não seja a ordem querida por Deus, que participar da eucaristia implica em fazer-se memória viva da vida de Jesus Servo. Como custa à Igreja e a cada um de nós assimilar esta lição: Deus não se identifica com o soberano, mas com o servo; somente quem hipoteca sua vida pelos outros a ganha verdadeiramente.
A lição é difícil e nada óbvia. É por isso que, depois de comer e de lavar os pés dos discípulos, Jesus nos interroga: “Vocês compreenderam o que eu acabei de fazer?” E para não deixar dúvidas, explica: “Eu lhes dei um exemplo... E vocês serão felizes se o puserem em prática...” Precisamos passar da memória e do gesto teatral à vida concreta: “fazei isso...”; “se puserem em prática...” É preciso dar conteúdo e concretude à eucaristia no dom cotidiano pelos outros, no serviço despojado a todos, mesmo àqueles que aparentemente não o merecem. “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado...”
Jesus, Filho de Deus e da Humanidade, peregrino nas estradas de um mundo desigual, arauto de um tempo novo e promissor. Ajuda-nos a não deixar no interior do templo o avental que nos dás como hábito e identidade. Abre nossa mente e nossas mãos para que o serviço aos irmãos e irmãs não se limite à intenção, mas se realize nas estradas e esquinas do mundo. Faz com que superemos os ritos e transformemos teu gesto em prática cotidiana. Guia e sustenta a Igreja no caminho do esvaziamento que a faz livre e capaz de servir, sem outra parcialidade senão a preferência pelos últimos. Amém! Assim seja!
 Itacir Brassiani msf
(Livro do Êxodo 12,1-14 * Salmo 115 (116) Carta ade Paulo os Coríntios 12,23-26 * Evangelho de São João 13,1-15)

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