quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

ANO C | TEMPO DO NATAL | FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA | 30.12.2018


A aliança no amor e na igualdade é a base que sustenta a família.
No dia em que festejamos a família de Jesus não podemos ceder à piedosa tentação de imaginar uma família idealizada e espiritualizada, alheia à realidade histórica e material. Do ponto de vista sociológico, a Sagrada Família é uma família judia absolutamente normal, tão normal que sequer despertou a atenção dos vizinhos e da sinagoga, a não ser depois do evento pascal de Jesus. Viveu os valores humanos e religiosos de uma família crente, frequentando a sinagoga, meditando a Palavra dos profetas, peregrinando ao Templo, celebrando a liturgia doméstica, esperando a vinda do Messias, lutando para sobreviver.
É isso que vemos no evangelho de hoje. Maria e José levam o adolescente Jesus a Jerusalém e, como família e com o povo todo, participam da festa que recorda e atualiza a superação da escravidão e a constituição de um povo solidário e livre. É uma família a mais em meio à caravana de romeiros! Mas José e Maria descobrem que precisam superar o simples e costumeiro cumprimento das tradições, assim como o estreito limite da convivência e da educação familiar. Eles precisam, mesmo sem entender tudo, ajudar o filho a crescer na sua vocação a missão, a se dedicar ao Reino de Deus, às coisas do seu e nosso Pai.
Unidos pelos laços de um amor profundamente humano e dentro do horizonte das tradições do seu povo, José e Maria avançam no escuro da fé. Como Abraão, se lançam na estrada da fé sem saber onde chegarão. Ousaram acreditar, e isso lhes foi creditado como justiça. Tiveram que se abrir sempre mais à novidade que Deus manifestava através do filho que lhes fora confiado. E os evangelhos fazem questão de sublinhar que Nazaré da Galileia é o lugar onde Jesus cresce, se fortalece e adquire sabedoria. José e Maria educam o filho longe do ambiente glorioso e sedutor do templo!
Para a Sagrada Família, morar em Nazaré significou assimilar a esperança cultivada pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé”. Significou também não se afastar das raízes populares, do vínculo com os pobres, assumir resolutamente o caminho que leva à periferia, àqueles que estão longe, e privilegiar a encarnação no cotidiano que tece a vida normal de todas as pessoas. Jesus afunda raízes e absorve a seiva das esperanças do seu povo a partir da periferia social e religiosa. Eis aqui uma perspectiva que as famílias discípulas missionárias de Jesus jamais podem abandonar!
O Papa Francisco ensina (cf. Amoris Laetitia 65-66) que a encarnação do Verbo de Deus numa família humana comove a nós e ao mundo inteiro. E diz que, para compreender o que isso significa, precisamos mergulhar no mistério do nascimento e da infância de Jesus, mas também nos trinta longos anos nos quais ganhou o pão com o próprio trabalho, assimilando e praticando as tradições religiosas populares, formando-se na fé que recebeu dos pais, até fazê-la desabrochar e frutificar no mistério do Reino de Deus. Vida em família é aprendizado recíproco e permanente, encarnação da fé nas relações da vida cotidiana.
Para o Papa, o que constitui e sustenta a família cristã é a aliança de amor e fidelidade. Vivendo esta aliança no horizonte cultural do povo ao qual pertencia e do Reino de Deus, a Sagrada Família ilumina e concretiza o princípio que dá forma às famílias, e as ajuda a enfrentar criativamente as dificuldades da vida e da história. É sobre esse fundamento – aliança e fidelidade no amor – que as famílias, mesmo com suas feridas e fragilidades, podem tornar-se luzes na escuridão do mundo. Sem isso, mesmo que cumpram formalmente as leis e mantenham as aparências, as famílias serão realidades vazias, como um sino que bate.
É também a convicção de Paulo e da comunidade cristã que o amor é o vínculo da perfeição da vida cristã e da família. É no amor que as esposas podem ser solícitas aos seus respectivos maridos, e estes deixam de ser grosseiros com elas. É o amor que abre possibilidades para que a obediência dos filhos aos pais não atente contra a liberdade e a dignidade de ninguém, e que os pais jamais intimidem os filhos, mas os animem a caminhar rumo à maturidade solidária. É assim que nos revestimos de sincera misericórdia, bondade, humildade e mansidão, e tornamo-nos suportes uns para os outros.
Sagrada Família de Nazaré, nós te acolhemos como proposta de encarnação e de crescimento, como manifestação do dom de Deus e resposta humana e generosa a este dom, como busca comum da vontade de Deus, apelo à hospitalidade e ao amor recíproco e à construção incansável da única família do Pai. Ajuda e inspira nossas famílias a serem escolas da comunhão e solidariedade que ultrapassam os laços de sangue e de fé, ensaios fugazes mas verdadeiros do Reino de Deus, no qual espelhaste tua vida. Assim seja! Amém!
                                                                                                    Itacir Brassiani msf
Livro do Eclesiástico 3,3-7.14-17 | Salmo 127 (128)
Carta de São Paulo aos Colossenses 3,12-21| Evangelho de São Lucas 2,41-52

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