A paz é uma flor que desabrocha entre as pedras da violência...
Na celebração cristã do Novo Ano se entrelaçam
três temas: o começo de um novo ano civil, a maternidade de Maria e a Jornada Mundial pela Paz. Mesmo
atordoados pelos fogos e champanhes do réveillon, não esqueçamos que um ano novo, marcado pela Paz, não costuma
chegar da noite para o dia. As novidades promissoras e duradouras são gestadas
sempre muito pacientemente no ventre profundo da história e das pessoas de boa
vontade, daquelas que acolhem os dons e convites que vêm dos desertos, das
periferias e das fronteiras; são dons que desestabilizam e põem a caminho.
Paulo recorda aos cristãos de Gálatas e de
todos os tempos que Deus nos enviou seu Filho quando o tempo se cumpriu e
chegou à maturidade. Nascendo de Maria, o Filho de Deus desceu e se igualou às
criaturas marcadas pelas limitações. Mas também nos resgatou do domínio
escravizador das leis e instituições e nos deu a adoção filial e a liberdade.
Desde então, vivemos na liberdade dos filhos e filhas, e o Espírito derramado
em nossos corações nos pacificou e nos deu a possibilidade de clamar a Deus
como os filhos se dirigem ao pai e à mãe. Não somos mais escravos, mas filhos e
herdeiros!
Quando acolhido, Jesus de Nazaré pacifica o
mundo e gera relações novas, baseadas na justiça e na fraternidade. E ele
cumpre a promessa de Deus e a nossa esperança através de cada um de nós, das
pessoas de boa vontade, dos líderes autênticos e das organizações que não se
resignam à paz aparente, à paz baseada no equilíbrio de forças ou no terrorismo
estatal. “Deus te abençoe e te guarde! Deus mostre seu rosto brilhante e tenha
piedade de ti! Deus mostre seu rosto e te dê a paz!” Falando assim, seremos
princípios e príncipes da Paz, mesmo que ela tenha que desabrochar entre as
pedras da violência (Charles Péguy).
Hoje contemplamos a chegada dos pastores à
gruta Belém. Eles encontram Jesus no seio de uma família pobre e migrante.
Ficam vivamente impressionados com o que veem, e comparam com tudo aquilo que
tinham ouvido. E conseguem compreender este mistério de um Deus a quem não
apraz a força dos cavalos ou dos tanques, dos cortejos de acólitos, das
doutrinas e dos códigos de direito... Deus se alegra com o despojamento
solidário de quem se faz próximo e peregrino com os deslocados e sem-lugar e,
por isso, como os pastores, volta louvando e glorificando a Deus por tudo o que
vê e ouve.
Jesus recebe o nome proposto pelo mensageiro
de Deus a Maria no anúncio-convite. Ele se chama boa notícia da salvação: Deus salva seu povo do pecado. Estamos
livres do pagamento do débito que temos conosco mesmos e com os outros por não
conseguirmos realizar a utopia que realmente sonhamos. Estamos livres da culpa
de termos ficado aquém, ou de termos errado o alvo. Deus não fica esperando que
cheguemos heroicamente a ele. Ele mesmo vem decididamente ao nosso encontro.
Ele é nossa Paz! E é claro que, sendo perdoados e pacificados, tornamo-nos
agentes do perdão e operadores da paz.
Mas, mesmo que alguns torçam o nariz em
protesto, precisamos lembrar que a construção da paz passa também pela
Política! É isso que o Papa Francisco sublinha na sua mensagem para o Ano Novo.
Ele diz que os vícios da vida pública, ou da política – entre os quais está a
corrupção, a negação dos direitos humanos, a falta de respeito pelas regras
comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força e
pelo arbítrio, a xenofobia, o racismo e a falta de respeito ao meio ambiente –
minam a credibilidade dos sistemas nos quais se realizam e a autoridade dos
agentes públicos. Será que o Papa é mais um comunista?
Por outro lado, diz o Papa, a boa Política
está a serviço da Paz, na medida em que respeita e promove os direitos humanos
fundamentais, base sobre a qual se constrói o vínculo de confiança e gratidão
entre os povos e entre as gerações. “Não são sustentáveis os discursos
políticos que tendem a acusar os migrantes como culpados de todos os males e a
privar os pobres da esperança”, diz ele. A paz deve ser cultivada na relação
consigo mesmo (superação da impaciência e da intransigência), na relação com o
outro (ousar o encontro, para acolher e escutar o outro) e com a criação
(cuidando do ambiente como cuidamos da família).
Bem-aventurado o político que tem uma profunda consciência do seu papel
social. Bem-aventurado o político que irradia credibilidade. Bem-aventurado o
político que trabalha para o nem comum e não para si mesmo. Bem-aventurado o
político que permanece fielmente coerente. Bem-aventurado o político que
realiza a unidade. Bem-aventurado o político comprometido com a mudança
radical. Bem-aventurado o político que sabe escutar. Bem-aventurado o político
que não tem medo. (Dom François Xavier Van Thuan)
Itacir Brassiani msf
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