Viver a alegria do
Evangelho na conversão das nossas relações.
O apelo à
igualdade, a abaixar e elevar, ressoou como toque de sino no segundo domingo do
advento. Hoje, quando se nos abre a terceira semana dessa bela e exigente
caminhada espiritual, somos chamados à alegria profunda e duradoura e a mudanças
práticas e concretas em nossas relações. Na preparação para o Natal é preciso
afastar a inquietação com presentes e festas e focar nossas energias na alegria
agradecida pelo presente maior, o Filho de Deus, e na conversão das nossas
relações com as pessoas e coisas.
Somos parte de
uma comunidade de pessoas que preparam fervorosas a celebração do nascimento de
Jesus e esperam ansiosas a manifestação do Reino de Deus, que desejam provar as
alegrias de crescer em humanidade, ou alcançar a salvação, e celebrá-la com
júbilo inocente e intenso. O profeta Sofonias vem em nossa ajuda, pedindo-nos
que cantemos de alegria, que nos alegremos e exultemos de todo o coração, que não
tenhamos medo nem caiamos no desânimo... E nos assegura que Deus já está ou
continua no meio de nós, que também ele, movido unicamente pelo amor e porque
nos quer bem, exultará de alegria por nós.
Mas essa
exultante e jubilosa alegria tem sua razão de ser naquilo que Deus faz por nós,
em nós e através de nós. O que nos motiva é a experiência de sermos amados e
capacitados para contribuir de modo efetivo com a libertação que está em curso
na história, vontade e obra incansável de Deus. “Alegrai-vos sempre no Senhor!
Alegrai-vos! Que a vossa bondade seja conhecida por todos! O Senhor está
próximo”, insiste o apóstolo Paulo. Somos convocados a alegrar-nos em Deus e a
perceber que Deus se alegra conosco! Também Isaías nos convida a publicar em
toda a terra as maravilhas que Deus está fazendo, e a exultar com isso.
Mas temos que
nos perguntar se esta insistência na alegria e no júbilo não é exagerada, e se
não é insuficiente como preparação para o Natal. De fato, a situação e as
coisas ruins – que não faltam em nosso país neste momento e se prevê que serão
mais abundantes e letais no futuro – só começam a mudar realmente quando as
pessoas singulares começam a se confrontar com a própria verdade e com o
Evangelho e, dispostas a transformar suas relações, perguntam: o que posso e
devo fazer? Essa é a pergunta que o testemunho de João Batista suscitou no seu
povo e que a vida de Jesus deve suscitar em nós.
Mesmo tendo
tomado a decisão de viver no deserto e de modo austero, não é isso que João
Batista seus interlocutores. Mesmo pertencendo ao judaísmo, ele sabe que, para
acolher a vinda de Deus e o seu Reino, não basta peregrinar ao tempo ou cumprir
as leis. Na sua interação com pessoas e grupos que detém algum poder ou gozam
de um status acima do remediado, João Batista sublinha que o caminho para Deus
supõe a mudança das estruturas de relacionamento e de poder e a organização de
uma sociedade menos injusta e violenta, mais solidária e fraterna. A comunidade
cristã jamais esqueceu três exemplos deixados por João...
Às pessoas e
grupos que gozam de certa comodidade, que não sente falta do básico em termos
de comida, vestuário e habitação, João pede que não pensem apenas no próprio
bem-estar e que se engajem na correção das desigualdades sociais. Aos
cobradores de impostos, que extorquem, com o amparo da lei, o povo cansado e
abatido, pede que não abusem dos pobres e não enriqueçam às custas deles. Aos
soldados, que usam de violência para proteger os poderosos e oprimir os
dominados, pede que não acusem ou condenem ninguém recorrendo à mentira, nem
usem de sua autoridade para roubar os indefesos.
Como os
cobradores de impostos, os soldados e o povo em geral, também nós precisamos
nos confrontar: e eu, o que devo fazer para viver bem o Natal e acolher o
Evangelho do Reino? A resposta não pode ser um sentimento difuso ou um
pensamento abstrato. Não valem também constatações cínicas e ofensivas do tipo
“como é difícil ser patrão no Brasil”, ou “os pobres não precisam de ajuda, mas
de oportunidade”. Nada muda se não conseguirmos olhar para além dos interesses
de classe ou do mito da meritocracia. Nosso critério de vida não são as leis do
mercado ou a falsa piedade, mas a prática e o Evangelho de Jesus!
Deus pai e mãe, fonte de alegria e movente
de toda mudança, vem em nosso auxílio para que saibamos descobrir alegremente o
que devemos fazer para preparar os caminhos do Senhor, combater o mal que fere
teus filhos e construir o teu Reino. Não permitas que caiamos na tentação de
resumir tudo na montagem de presépios, na distribuição de presentes, na promoção
de ceias faustosas ou nos difusos e fugazes sentimentos religiosos. Possamos
todos aprender as lições de Maria e de José, que começaram aprofundando os
próprios vínculos, abrindo espaços para os outros e inventando novos caminhos. Assim
seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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