Os pobres e perseguidos
podem contar com Deus e têm futuro!
Como cristão que reflete sobre aquilo que crê, às vezes me pergunto se a
ressurreição dos mortos era uma preocupação fundamental de Jesus de Nazaré. É
verdade que a fé na ressurreição dos mortos faz parte do credo cristão, e o
próprio Paulo questiona: “Se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos,
como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? E Se
Cristo não ressuscitou, a vossa fé não tem nenhum valor e ainda estais nos
vossos pecados.” Mas a fé na ressurreição e na vida eterna não é uma fuga, e está
a serviço da vida terrena e terna, da vida engajada na transformação do mundo.
Escutando atentamente o Evangelho deste domingo, não podemos contornar
uma outra pergunta, tão importante como a pergunta pela vida após a morte: os pobres
e oprimidos têm futuro, já que a opressão e a escravidão teimam em não
desaparecer e, com o passar dos séculos, vem se maquiando e reciclando?
Revoluções feitas em nome dos oprimidos, aos poucos esquecem suas promessas e
se fecham em torno dos interesses de uma nova classe hegemônica. O próprio
cristianismo, que lança suas raízes nas esperanças dos pobres e oprimidos, caiu
na tentação da fuga na tranquilidade do culto e na segurança da doutrina.
No breve texto do Evangelho que ouvimos hoje, Jesus retoma sua pregação
inaugural na sinagoga de Nazaré. Depois de colher trigo em propriedade alheia e
em dia de sábado e de curar um homem que tinha uma mão paralisada, depois de
retirar-se para rezar e de constituir uma comunidade de discípulos, Jesus é cercado
por uma numerosa multidão, profundamente necessitada de ajuda. É neste contexto
que Jesus ensina seus discípulos, definindo claramente quem é feliz e pode
contar com Deus e quem dá as costas a Deus e caminha para uma vida frustrada. E
ele fala com a força e a autoridade do próprio Deus.
Para Jesus, os pobres e oprimidos podem contar com Deus, e por isso têm
futuro. Às pessoas sem segurança material e social, tratadas como últimas nos
projetos políticos, famintas e sofredoras, Jesus não promete riquezas, mas
afirma: “Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Sereis
saciados! Havereis de rir!” E esta esperança não engana, porque o próprio Jesus
veio, como intuiu Maria, para mostrar a força do braço de Deus, dispersar os
orgulhosos, derrubar os poderosos, exaltar os humildes e beneficiar os famintos
(cf. Lc 1,51-53). E porque ele reúne, forma e envia discípulos e discípulas
para continuarem sua ação.
E os ricos e opressores têm um futuro, merecem nossa admiração? O peso
dos fatos quase nos obriga a crer que os ricos e poderosos sempre têm a última
palavra, riem por último, riem melhor. “Eles confiam na sua força e se orgulham
da sua grande riqueza” (Sl 49/48,7). Mas, para Jesus, eles já escolheram sua
consolação e, permanecendo indiferentes e violentos, se auto excluem do
banquete do Reino. “Mas ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai
de vós que agora estais rindo, porque ficareis de luto e chorareis!” Com a
parábola do pobre Lázaro e do rico anônimo Jesus não deixa dúvidas sobre isso
(cf. Lc 16,19-31).
Não se trata de revanchismo barato, mas de justiça de Deus. Deus trata
as pessoas e governa o mundo seguindo o critério da necessidade concreta, e não
do mérito. E Jesus leva isso à radicalidade, começando pela inclusão dos ‘últimos’.
Nenhuma concessão aos ricos, famosos e poderosos. Para o Evangelho, a felicidade
que não fere e não é roubada é aquela que se enraíza na fidelidade a Jesus de
Nazaré e nos engaja na sua missão, a assumir, se for o caso, o ódio e os
insultos que isso traz. Beatos e felizes são os mártires, cuja caravana
exultante e jubilosa atravessa os séculos e provoca instabilidade nos poderes e
igrejas.
Jesus delimita muito bem o lugar e o caminho daqueles que chama a seguir
seus passos. Precisamos granjear fama e honra a qualquer preço, mesmo que seja
o alto preço do silêncio diante dos opressores? “Ai de vós quando todos falarem
bem de vós, pois era assim que seus antepassados tratavam os falsos profetas.”
A profecia e a perseguição são sinais inequívocos da fidelidade a Jesus Cristo.
“Pois era assim que os seus antepassados tratavam os profetas.” Eles são como
árvore plantada na beira do rio: suas folhas não murcham e dão frutos no tempo
certo. Há esperança para sua descendência! (cf. Jr 31,17)
Jesus de Nazaré,
missionário intrépido do Pai: a caravana dos homens e mulheres de boa vontade,
que transforma a possibilidade de um outro mundo em realidade, se manifesta em
nossas comunidades cristãs, mas as ultrapassa por todos os lados. Ajuda-nos a
tomar consciência de que este mundo está sendo gestado, que somos chamados a
ajudar no seu parto, que nisso reside a verdadeira felicidade, aquela alegria profunda
e verdadeira que ofusca as apoteoses do carnaval e dos vencedores de plantão.
Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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