FELICIDADE
Pode-se ler e ouvir notícias cada vez mais
optimistas sobre a superação da crise e a recuperação progressiva da economia. Dizem-nos
que já estamos crescendo. Mas,
crescimento de quê? Crescimento para quem? Dificilmente somos informados da
verdade completa do que está a acontecer.
A recuperação econômica em curso está consolidando
e até perpetuando a chamada sociedade
dual: um crescente abismo está a abrir-se entre os que vão poder melhorar o
seu nível de vida cada vez com maior segurança e aqueles que serão deixados
para trás, sem trabalho nem futuro. De fato, está crescendo o consumo ostentoso e provocativo dos cada vez mais
ricos e, simultaneamente, a miséria e insegurança dos cada vez mais pobres.
A parábola do homem rico “que se vestia de púrpura e linho
e que se banqueteava sumptuosamente todos os dias”
e do pobre Lázaro que procurava sem conseguir, para saciar o seu estômago, o
que deitavam fora da mesa do rico, é uma crua realidade da sociedade dual. Percebemos claramente os mecanismos
econômicos, financeiros e sociais denunciados por João Paulo II, “que, embora
manejados pela vontade dos homens, trabalharam quase automaticamente, tornando
mais rígidas as situações de riqueza de uns e as de pobreza de outros”.
Mais uma vez estamos consolidando uma sociedade
profundamente desigual e injusta. Nessa encíclica tão lúcida e evangélica que é
Sollicitudo Rei Socialis, tão pouco ouvida, inclusive por
aqueles que constantemente o vitoriam, João Paulo II descobriu na raiz desta
situação algo que só tem um nome: o pecado.
Podemos dar todos os tipos de explicações técnicas,
mas quando o resultado é o enriquecimento cada vez maior dos já ricos e o
afundamento dos mais pobres, aí se está a consolidar a falta de solidariedade e
a injustiça. Nas Suas bem-aventuranças, Jesus
adverte que um dia se inverterá o destino dos ricos e dos pobres. É possível
que também hoje sejam muitos os que, seguindo Nietzsche, pensam que a atitude
de Jesus é fruto do ressentimento e impotência de quem, não podendo obter mais
justiça, pede a vingança de Deus.
No entanto, a
mensagem de Jesus não nasce da impotência de um homem derrotado e ressentido,
mas da sua visão intensa da justiça de Deus, que não pode permitir o triunfo
final da injustiça. Vinte séculos se passaram, mas a palavra de Jesus
continua a ser decisiva para os ricos e para os pobres. Palavra de denúncia
para alguns e promessa para outros, ainda está viva e interpela-nos a todos.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez
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