quarta-feira, 11 de março de 2020

ANO A | TEMPO QUARESMAL | TERCEIRO DOMINGO | 15.03.2020


“A Vida é um intercâmbio de cuidados!”
No terceiro domingo da quaresma, somos convidados a descobrir o modo como se manifesta a presença de Jesus no meio de nós e desfrutar dessa presença maravilhosa, movente e comovente. Ele vem ao nosso encontro como necessitado, desce às profundezas da condição humana, derruba os muros, relativiza as ideologias que separam e opõem, liberta das rotinas que causam dependência e desperta nossa sede de viver e de servir. O vida é dom de Deus, e não conhece limites nem fronteiras. Como nos ensina a Campanha da Fraternidade, “a Vida é um intercâmbio de cuidados” (Texto-Base, 172).
No evangelho de hoje, João nos apresenta Jesus como sacramento vivo de um Deus que vem ao nosso encontro. Ele se aproxima cansado, sedento, pedinte. O mesmo Deus que, na travessia do deserto, fez brotar água da rocha, aparece agora percorrendo nossas estradas e pedindo água. E assim o faz, terno e cuidadoso, para suscitar e sustentar um profundo intercâmbio de dons, para nos ajudar a descobrir nossas próprias sedes, nosso Desejo mais profundo, que é conhecê-lo e viver plenamente. “Dá-me desta Água Viva!”
Como aquela mulher da Samaria, frequentemente imaginamo-nos poderosos e autossuficientes, e nos entregamos cegamente às regras e doutrinas, tradições e leis, sem desejar nem esperar nada de novo. Cavamos poços e inventamos muros que separam povos, religiões e culturas, e eliminamos nossa própria Sede, aquilo que nos falta. Fazemos de conta que as instituições que criamos nos bastam, e que fora delas não há vida possível ou desejável. “Tu não tens balde e o poço é fundo... Como vais tirar esta água viva?”
Jesus aparece de repente, e entra em nossa vida para nos lembrar que as religiões e culturas, as tradições e leis não têm forças para, por si mesmas, saciar as mais profundas sedes humanas. A função da religião não é estancar, mas manter viva aquela Sede que dinamiza a vida do ser humano, que convida a trilhar caminhos não conhecidos, que nos ajuda a descobrir novas possibilidades de organizar o mundo e a sociedade, que revela brechas alternativas de comunhão e de solidariedade entre os povos.
Como a samaritana, também nós fazemos alianças e buscamos muletas – mais que cinco! – na ilusão de que elas sustentem nossos interesses estreitos e egoístas: a pátria, a raça, a religião, a igreja, o partido, o livre mercado... Acreditamos cegamente que eles nos ajudam a crer de modo correto e a viver com segurança. “Os nossos pais adoraram Deus sobre este monte, mas vocês dizem que é em Jerusalém que se deve adorá-lo”, disse a mulher. Fora disso, no máximo, ensaiamos uma pobre oração pelos que sofrem.
Precisamos compreender que Deus procura verdadeiros adoradores, pessoas que correspondam a ele em espírito e verdade, ou melhor, em ação e fidelidade. Estes são os discípulos e discípulas que, como o Mestre, têm como alimento o desejo de fazer a vontade de Deus, participam da sua obra e a completam: produzem vida abundante para seu povo, geram mais solidariedade que divisão, valorizam e cuidam da vida nas suas diversas expressões, exercitam mais acolhida que a doutrina, propõem mais ações que palavras.
Com seu jeito de se aproximar e com sua acolhida sem limites, Jesus leva aquela mulher da Samaria a descobrir sua própria verdade. E então ela deixa de repetir mecanicamente as ações determinadas pelo hábito, pela cultura e pela condição humilhada que a sociedade lhe impusera, e se torna “uma fonte de água que jorra para a vida eterna”. Ela deixa o balde e corre à cidade para anunciar: “Venham ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não seria ele o Messias?” Aquela que era desprezada renasce como missionária!
Como anuncia Paulo, por meio de Jesus Cristo estamos em paz com Deus e somos dinamizados pela esperança. Esta esperança não engana, pois o amor de Deus já nos envolve e guia, mediante o Espírito Santo. E isso não porque já estejamos plenamente convertidos ou isentos de pecado, mas porque, como ensina a Campanha da Fraternidade, uma vida impulsionada pela ternura não teme enfrentar a escuridão dos erros e dos pecados, pois ultrapassa a escuridão e encontra a pessoa, como Deus a sonhou (cf. Texto-Base, 141).
Jesus, peregrino no meio-dia da história, água que sacia nossa sede! Como a samaritana, sentimo-nos muito seguros das doutrinas que recebemos da tradição. Toca com tua mão, ou com o teu chicote, as pedras das nossas instituições e a crosta do nosso coração, e liberta a água viva e livre que elas querem aprisionar. Ajuda-nos a experimentar tua santa liberdade e a ser testemunhas intrépidas de uma religião que não se compraz na simples repetição de doutrinas e na celebração de ritos. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Livro do Êxodo 17,3-7 | Salmo Salmo 94 (95)
Carta de Paulo aos Romanos 5,1-8 | Evangelho de São João 4,5-42

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