“A Vida é um intercâmbio de cuidados!”
No terceiro domingo da
quaresma, somos convidados a descobrir o modo como se manifesta a presença de
Jesus no meio de nós e desfrutar dessa presença maravilhosa, movente e
comovente. Ele vem ao nosso encontro como necessitado, desce às profundezas da
condição humana, derruba os muros, relativiza as ideologias que separam e
opõem, liberta das rotinas que causam dependência e desperta nossa sede de
viver e de servir. O vida é dom de Deus, e não conhece limites nem fronteiras.
Como nos ensina a Campanha da Fraternidade, “a Vida é um intercâmbio de
cuidados” (Texto-Base, 172).
No evangelho de hoje,
João nos apresenta Jesus como sacramento vivo de um Deus que vem ao nosso
encontro. Ele se aproxima cansado, sedento, pedinte. O mesmo Deus que, na
travessia do deserto, fez brotar água da rocha, aparece agora percorrendo
nossas estradas e pedindo água. E assim o faz, terno e cuidadoso, para suscitar
e sustentar um profundo intercâmbio de dons, para nos ajudar a descobrir nossas
próprias sedes, nosso Desejo mais profundo, que é conhecê-lo e viver
plenamente. “Dá-me desta Água Viva!”
Como aquela mulher da
Samaria, frequentemente imaginamo-nos poderosos e autossuficientes, e nos
entregamos cegamente às regras e doutrinas, tradições e leis, sem desejar nem
esperar nada de novo. Cavamos poços e inventamos muros que separam povos,
religiões e culturas, e eliminamos nossa própria Sede, aquilo que nos falta.
Fazemos de conta que as instituições que criamos nos bastam, e que fora delas
não há vida possível ou desejável. “Tu não tens balde e o poço é fundo... Como
vais tirar esta água viva?”
Jesus aparece de
repente, e entra em nossa vida para nos lembrar que as religiões e culturas, as
tradições e leis não têm forças para, por si mesmas, saciar as mais profundas
sedes humanas. A função da religião não é estancar, mas manter viva aquela Sede
que dinamiza a vida do ser humano, que convida a trilhar caminhos não
conhecidos, que nos ajuda a descobrir novas possibilidades de organizar o mundo
e a sociedade, que revela brechas alternativas de comunhão e de solidariedade
entre os povos.
Como a samaritana,
também nós fazemos alianças e buscamos muletas – mais que cinco! – na ilusão de
que elas sustentem nossos interesses estreitos e egoístas: a pátria, a raça, a
religião, a igreja, o partido, o livre mercado... Acreditamos cegamente que
eles nos ajudam a crer de modo correto e a viver com segurança. “Os nossos pais
adoraram Deus sobre este monte, mas vocês dizem que é em Jerusalém que se deve
adorá-lo”, disse a mulher. Fora disso, no máximo, ensaiamos uma pobre oração
pelos que sofrem.
Precisamos compreender
que Deus procura verdadeiros adoradores, pessoas que correspondam a ele em
espírito e verdade, ou melhor, em ação e fidelidade. Estes são os discípulos e
discípulas que, como o Mestre, têm como alimento o desejo de fazer a vontade de
Deus, participam da sua obra e a completam: produzem vida abundante para seu
povo, geram mais solidariedade que divisão, valorizam e cuidam da vida nas suas
diversas expressões, exercitam mais acolhida que a doutrina, propõem mais ações
que palavras.
Com seu jeito de se
aproximar e com sua acolhida sem limites, Jesus leva aquela mulher da Samaria a
descobrir sua própria verdade. E então ela deixa de repetir mecanicamente as
ações determinadas pelo hábito, pela cultura e pela condição humilhada que a
sociedade lhe impusera, e se torna “uma fonte de água que jorra para a vida
eterna”. Ela deixa o balde e corre à cidade para anunciar: “Venham ver um homem
que me disse tudo o que eu fiz. Não seria ele o Messias?” Aquela que era
desprezada renasce como missionária!
Como anuncia Paulo,
por meio de Jesus Cristo estamos em paz com Deus e somos dinamizados pela
esperança. Esta esperança não engana, pois o amor de Deus já nos envolve e
guia, mediante o Espírito Santo. E isso não porque já estejamos plenamente convertidos
ou isentos de pecado, mas porque, como ensina a Campanha da Fraternidade, uma
vida impulsionada pela ternura não teme enfrentar a escuridão dos erros e dos
pecados, pois ultrapassa a escuridão e encontra a pessoa, como Deus a sonhou
(cf. Texto-Base, 141).
Jesus,
peregrino no meio-dia da história, água que sacia nossa sede! Como a samaritana,
sentimo-nos muito seguros das doutrinas que recebemos da tradição. Toca com tua
mão, ou com o teu chicote, as pedras das nossas instituições e a crosta do
nosso coração, e liberta a água viva e livre que elas querem aprisionar.
Ajuda-nos a experimentar tua santa liberdade e a ser testemunhas intrépidas de
uma religião que não se compraz na simples repetição de doutrinas e na
celebração de ritos. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
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