O coração de quem ama e cuida é um coração que sofre...
A Quaresma nos convida
a avançar na descoberta do mistério de uma vida divinamente humana que se
revela em Jesus de Nazaré. E o fazemos tomando consciência das nossas
fragilidades, possibilidades e esperanças. Sabemos que a vida é como a flor do
campo, bela e vulnerável. Desejamo-la ardentemente e a escolhemos
resolutamente, mesmo sabendo das ameaças constantes que ela sofre. A atual
banalização da vida se alimenta de uma mentalidade que relativiza a existência
e do enfraquecimento do conceito de pessoa, e acaba justificando os homicídios
e o extermínio de inteiros grupos humanos (cf. Texto-Base, 54).
A humana experiência
de fracasso pode nos levar a repetir o refrão acusatório contra Deus e contra o
destino, como o fazem Marta e de Maria, pois têm a impressão de que Jesus havia
feito pouco caso da enfermidade de Lázaro. Muitas vezes temos esta mesma
sensação diante de doenças incuráveis, de acidentes trágicos, ou de pandemias
arrasadoras como esta que a humanidade vive hoje. Na revolta, gerada no ventre
dor, chegamos a acusar Deus, pois, nessas circunstâncias, ele nos parece
ausente, desinteressado ou sem coração.
Mas sabemos que “Jesus
amava Marta, a irmã dela e Lázaro”, assim como ama apaixonadamente cada um de
nós. Somos sua família, seus irmãos e irmãs, seus amigos e amigas, ainda que
ele não se deixe prender aos nossos desejos e interesses, nem se submeta às
urgências do nosso calendário. Jesus sempre chega, no tempo oportuno, para nos
ajudar a mudar as coisas, para chorar as dores que nos afligem, e não passa
adiante sem se desdobrar em iniciativas de cuidado. Compassivo e terno, seu
coração também sofre!
Em Betânia, Jesus
encontra suas amigas em pranto, tristes pela perda do irmão e pela sua ausência
injustificável. Mas ele não é indiferente, e participa da dor das amigas, como o faz
também hoje com todos aqueles que choram, impotentes e inconsoláveis. É
mediante sua compaixão que ele nos faz experimentar seu amor. “Vejam como ele o
amava...”, diz o povo. Eis aqui a porta que abre a possibilidade de mudança: o
amor e a compaixão, tão divinos e tão humanos, essencial no enfrentamento das
tragédias que nos arrasam.
Acreditar em Jesus
Cristo não significa simplesmente apostar no poder de Deus, implica em confiar
na força do seu amor. Da parte de Jesus, o amor que se compadece; da nossa
parte, a confiança que abre horizontes e possibilidades. Da fé e da abertura ao
amor compassivo e solidário de Jesus brotam as novas possibilidades de vida e a
força da ressurreição. “Se você acreditar, verá a glória de Deus”. Esta é a
glória de Deus: seu amor pela humanidade. A glória de Deus é o ser humano vivo,
ensinava Santo Irineu.
Jesus convida Maria a
ultrapassar a dor e o medo que obscurecem o olhar da sua fé. E Lázaro, no
escuro da morte e no fundo da sepultura, também é interpelado: “Vem para fora!”
Este grito de Jesus, pronunciado como oração, chama-nos todos à vida, a um novo
olhar e um novo agir. É apelo a sair dos nossos interesses e projetos,
geralmente nascidos e nutridos no ventre do medo e da indiferença. É um convite
a sair da prisão dos sistemas de poder e de morte e a empreender um caminho, a
fazer a passagem-páscoa.
Nesta saída, como em
toda travessia, nossos passos serão sempre necessariamente inseguros.
Pertencemos à história e temos muitas amarras. Mas escutamos, de formas
diversas, uma ordem: “Desamarrem e deixem que ele ande...” A fé em Jesus Cristo
não é doutrina que fecha, peso que oprime, laço que amarra. Oxalá todas as
Igrejas aprendam esta lição! Como diz Paulo, crer significa deixar-se conduzir
pelo Espírito de Deus e superar a busca compulsiva dos interesses egoístas.
Marta e Maria
acreditaram e por isso viram a glória de Deus, patente e potente na compaixão
que resgata a vida. E muitos judeus que “viram o que Jesus fez, acreditaram
nele”. Mas o que é que eles realmente viram? Contemplaram e testemunharam a
profunda humanidade de Deus e este incrível dinamismo que o aproxima das suas
criaturas machucadas e oprimidas, sem se importar se elas cheiram mal,
compartilhando a dor que nos fere. Viram isso na relação de Jesus com Lázaro,
com Maria e com Marta, e por isso acreditaram!
Senhor, as trevas do medo nos envolvem, mas em ti há
luz. Sentimo-nos sozinhos, mas tu não nos abandonas. Sentimo-nos desfalecer,
mas em ti encontramos socorro. Estamos inquietos, mas em ti encontramos a paz.
A amargura nos devora, mas em ti encontramos a paciência. Não compreendemos
teus caminhos, mas tu sabes qual é a boa estrada. Acolhe-nos como membros vivos
do teu corpo, e assim te ajudaremos a chamar para fora, a consolar nossos
irmãos e irmãs, e a vencer o vírus com a vacina da solidariedade. Assim seja!
Amém!
Itacir
Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário