Uma pessoa que morre de fome é uma pessoa assassinada!
Há uma lei “sagrada” que
é ensinada em lições que vão do berço à sepultura: “Cada um pra si e Deus por
todos”. Um complemento mais violento fala de “lei da oferta e da procura”, que
eu traduzo como lei “quem pode mais, chora menos”. Não é difícil perceber que
este princípio vai se impondo tranquilamente na arena política, no sistema
econômico, na área cultural e até no âmbito da religião. Basta prestar atenção aos
líderes religiosos e Igrejas que prometem bênçãos em forma de imediata
prosperidade econômica e apresentam exemplos de gente que enriquece dando as
costas aos necessitados. Isso tem nada a ver com o Evangelho.
No evangelho de hoje
João nos apresenta Jesus em plena ação missionária. Já havia realizado três
sinais de demonstração da chegada dos tempos esperados, da utopia do Reino de
Deus, da Vida plena e gratuita para todos: transformara água em vinho numa
festa de casamento fadada ao fracasso; curara o filho de um funcionário do rei;
curara um paralítico que há três décadas não abandonava a esperança de
recuperar a saúde e a plena cidadania. Impactada por esses sinais, uma grande
multidão seguia Jesus. O povo intuía que da periferia e da pobreza estava
nascendo uma grande e promissora novidade.
Jesus sente compaixão
pelo povo do povo, cansado, carente e crente. A compaixão é filha da fraqueza,
da humana vulnerabilidade, das periferias anônimas. Diferentemente, os palácios
se sustentam sobre o poder e o medo. No entardecer das possibilidades de ajuda,
quando as leis do mercado revelam que não têm coração, Jesus percebe a fome do
povo e desperta os discípulos da indiferença que os envolvia inteiramente. Para
ver o povo e resgatar a compaixão ativa e redentora também as Igrejas também
precisam migrar para as periferias, deixar as discussões abstratas e estéreis,
sair da própria barca.
Os discípulos não
conseguiam ver saída para o drama do povo fora da lógica do império. “Onde
vamos comprar pão para eles comerem?” Sem um plano alternativo, constatam
desolados que estão num beco sem saídas: “Nem meio ano de salário bastaria...”
Mas, avaliando suas próprias possibilidades, descobrem que entre eles há alguém
que tem cinco pães e dois peixes que trazia para as necessidades da comunidade.
“Mas o que é isso para tanta gente?”, questionam-se. Parece que eles querem
disfarçar o egoísmo elitista, característico de quem pensa apenas nas próprias
necessidades.
Como está longe de
Jesus uma Igreja que se compraz apenas em palavras e de ritos religiosos, que
lava as mãos diante das tragédias que se abatem sobre o povo! O mundo está
farto de instituições que entregam seus membros à implacável lógica dos
impérios. E não nos desculpemos perguntando o que representam cinco pães e dois
peixes para uma multidão de famintos! “O pouco com Deus é muito; o muito sem
Deus é nada”, ensina a sabedoria popular. Num mundo que produz alimentos de
sobra, a morte anual de milhões de pessoas por causa da fome é um escândalo. Uma
pessoa que morre de fome é uma criança assassinada.
A saída não é simples,
mas seguramente não consiste em cada um cuidar apenas de si mesmo, nem em
considerar povo faminto um simples objeto de caridade. O povo é soberano, e as
autoridades devem colocar-se a seu serviço. E não se trata de povos nacionais,
mas de um único povo, aquele que congrega todos os homens e mulheres. Paulo
enfatiza que há um só corpo e um só espírito, uma só fé, uma só esperança, um
só batismo, um só Senhor. Ou seja: todas as divisões são arbitrárias e fadadas
a desaparecer. Certamente a luta pelo pão na mesa de todos não pode ser
estranha à unidade do gênero humano.
A solução para a crise
alimentar sistêmica que fere a humanidade, agravada ainda mais pela pandemia,
não está ao alcance de um país ou de uma Igreja particular. A saída começa com
a adoção de um consumo moderado pelos ricos e com a erradicação da exploração
comercial por parte dos países poderosos. E prossegue na defesa da soberania
alimentar dos povos e na pressão para que os organismos multilaterais tomem
medidas efetivas que garantam o acesso universal aos alimentos. E isso não é
algo estranho à fé! A comida suficiente aparece quando Jesus assume o
protagonismo e os discípulos se associam à sua ação.
Jesus de
Nazaré, peregrino incansável no santuário das dores humanas, próximo de todos/as
os/as sonhadores/as e construtores/as de um mundo outro! Dá-nos olhos abertos e
lucidez intelectual para que encontremos os recursos necessários para evitar as
tragédias que golpeiam teus irmãos e irmãs. Dá-nos um coração que nos leve ao
encontro deles/as para servi-los com tudo o que somos e temos. Dá-nos um
coração forte que nos livre de pregar doutrinas escapistas ou soluções
violentas. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
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