“Existem
periferias que estão muito perto de nós!”
A fé é uma caminhada,
como o é também nossa eterna luta por um mundo melhor. A estrada do seguimento
de Jesus, um caminho que conduz à realização mais profunda que poderíamos
desejar, não tem seu preço. Mas o caminho que nos leva ao Reino de Deus tem seu
pedágio, e quem descobre e assume sua própria missão no mundo precisa evitar a omissão e jamais pedir demissão.
Longe de nos afastar das dores, tensões e buscas da história, a fé nos leva ao
seu próprio coração. E isso pede de nós lucidez, coragem e generosidade.
O personagem anônimo
apresentado pelo evangelho de hoje é paradigmático. Ao que parece, não lhe
falta fervor religioso: corre ao encontro de Jesus, ajoelha-se respeitosamente
diante dele, chama-o de bom mestre. Mas Jesus “joga um balde de água fria” no
fervor superficial e no orgulho oculto daquele homem. “Só Deus é bom, e ninguém
mais”. Depois, remete ao conhecido caminho dos mandamentos: cita cinco sinais
que proíbem passagens perigosas e um que mostra a direção obrigatória. O
candidato a discípulo se mostra refratário às estradas, pois frequentara apenas
os genuflexórios: acha que tem cumprido tudo direitinho.
Para este homem
piedoso e rico, a fé não é um caminho a ser percorrido, mas um porto seguro já
alcançado, uma aquisição garantida pela moeda da piedade superficial e das leis
mesquinhas, centradas nos próprios méritos e indiferente à sorte dos outros.
Nem mesmo a referência que Jesus faz ao mandamento de não roubar consegue inquietá-lo.
É a típica pessoa que tem a consciência absolutamente tranquila. Seu único
desejo é ser reconhecido e aplaudido como bom e irrepreensível.
O amor de Jesus por
este homem que parece tão correto e piedoso não o impede de perceber nele uma
grande ausência, uma lacuna: “Falta só uma coisa para você fazer: vá, venda
tudo, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e
siga-me”. Para Jesus, as práticas de piedade e o cumprimento dos mandamentos
não atingem sua meta enquanto não nos abrem à partilha e à solidariedade e não
nos colocam livres e nus no caminho do discipulado. Como nos lembra o Papa
Francisco, “há periferias que estão muito próximas de nós” e não queremos ver
(cf. mensagem para o Dia das Missões, 2021).
A reação do homem
aparentemente exemplar traz à luz o que ele considerava realmente importante: o
reconhecimento público como alguém perfeito e superior ao comum dos mortais; o
capital que havia acumulado e que lhe conferia um poder nada desprezível numa Palestina
espoliada. Pedindo-lhe que venda seus bens, Jesus não está propondo a pobreza
como tal, como se lhe agradasse um estilo de vida miserável. Jesus está pedindo
que os bens cumpram sua finalidade legítima: atender solidariamente as
necessidades das pessoas humanas, e nada mais. E que ele saia de si mesmo para
as periferias que estão sob seu nariz.
Diante das palavras de
Jesus, o homem fica abatido e vai embora cheio de tristeza, porque é muito
rico. Seu desejo de uma vida humanamente madura e profunda não é tão forte
quanto seu amor pelos bens que acumulou. Essa atitude faz Jesus murmurar
desconsolado: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!” E
acrescenta, para escândalo dos discípulos: “É mais fácil passar um camelo pelo
buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus!” E não adianta
querermos superar este escândalo diminuindo o tamanho do camelo ou aumentando
as dimensões do buraco da agulha.
Apego às riquezas e
seguimento de Jesus Cristo não podem andar de mãos dadas. Quando colocamos
nossa segurança nos bens, parece-nos difícil empreender travessias. A casa das
nossas honras e conquistas nos parece mais segura, e acabamos pensando que os
pobres devem sair da miséria com suas próprias forças e meios, cumprir suas
obrigações e deixar de exigir direitos. Vender os bens e dar o dinheiro aos
pobres é apenas uma etapa, e prepara a opção decisiva: “Depois, venha e
siga-me...” Seguir Jesus no enfrentamento das armas ideológicas da morte, na
missão de em tudo e sempre amar e servir.
Jesus de Nazaré, missionário enviado pelo Pai para nos
conduzir à vida plena! Dá-nos uma mente sábia, que aprecie mais a vida que os
bens, e valorize mais a liberdade que os prêmios das loterias e cargos
políticos. Desperta em nossas comunidades cristãs a capacidade de ler
responsavelmente a história, de identificar nela os problemas, aspirações e
esperanças dos pobres e oprimidos. Ajuda-nos a descobrir as periferias que
estão bem perto de nós, a sair da nossa autorreferencialidade e a não calar
sobre aquilo vimos e ouvimos. Dá-nos; a coragem feminina de Teresa de Ávila e o
testemunho de João Bosco Penido Burnier. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
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