quinta-feira, 7 de outubro de 2021

ANO B | TEMPO COMUM | VIGÉSIMO-OITAVO DOMINGO | 10.10.2021

“Existem periferias que estão muito perto de nós!”

A fé é uma caminhada, como o é também nossa eterna luta por um mundo melhor. A estrada do seguimento de Jesus, um caminho que conduz à realização mais profunda que poderíamos desejar, não tem seu preço. Mas o caminho que nos leva ao Reino de Deus tem seu pedágio, e quem descobre e assume sua própria missão no mundo precisa evitar a omissão e jamais pedir demissão. Longe de nos afastar das dores, tensões e buscas da história, a fé nos leva ao seu próprio coração. E isso pede de nós lucidez, coragem e generosidade.

O personagem anônimo apresentado pelo evangelho de hoje é paradigmático. Ao que parece, não lhe falta fervor religioso: corre ao encontro de Jesus, ajoelha-se respeitosamente diante dele, chama-o de bom mestre. Mas Jesus “joga um balde de água fria” no fervor superficial e no orgulho oculto daquele homem. “Só Deus é bom, e ninguém mais”. Depois, remete ao conhecido caminho dos mandamentos: cita cinco sinais que proíbem passagens perigosas e um que mostra a direção obrigatória. O candidato a discípulo se mostra refratário às estradas, pois frequentara apenas os genuflexórios: acha que tem cumprido tudo direitinho.

Para este homem piedoso e rico, a fé não é um caminho a ser percorrido, mas um porto seguro já alcançado, uma aquisição garantida pela moeda da piedade superficial e das leis mesquinhas, centradas nos próprios méritos e indiferente à sorte dos outros. Nem mesmo a referência que Jesus faz ao mandamento de não roubar consegue inquietá-lo. É a típica pessoa que tem a consciência absolutamente tranquila. Seu único desejo é ser reconhecido e aplaudido como bom e irrepreensível.

O amor de Jesus por este homem que parece tão correto e piedoso não o impede de perceber nele uma grande ausência, uma lacuna: “Falta só uma coisa para você fazer: vá, venda tudo, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me”. Para Jesus, as práticas de piedade e o cumprimento dos mandamentos não atingem sua meta enquanto não nos abrem à partilha e à solidariedade e não nos colocam livres e nus no caminho do discipulado. Como nos lembra o Papa Francisco, “há periferias que estão muito próximas de nós” e não queremos ver (cf. mensagem para o Dia das Missões, 2021).

A reação do homem aparentemente exemplar traz à luz o que ele considerava realmente importante: o reconhecimento público como alguém perfeito e superior ao comum dos mortais; o capital que havia acumulado e que lhe conferia um poder nada desprezível numa Palestina espoliada. Pedindo-lhe que venda seus bens, Jesus não está propondo a pobreza como tal, como se lhe agradasse um estilo de vida miserável. Jesus está pedindo que os bens cumpram sua finalidade legítima: atender solidariamente as necessidades das pessoas humanas, e nada mais. E que ele saia de si mesmo para as periferias que estão sob seu nariz.

Diante das palavras de Jesus, o homem fica abatido e vai embora cheio de tristeza, porque é muito rico. Seu desejo de uma vida humanamente madura e profunda não é tão forte quanto seu amor pelos bens que acumulou. Essa atitude faz Jesus murmurar desconsolado: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!” E acrescenta, para escândalo dos discípulos: “É mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus!” E não adianta querermos superar este escândalo diminuindo o tamanho do camelo ou aumentando as dimensões do buraco da agulha.

Apego às riquezas e seguimento de Jesus Cristo não podem andar de mãos dadas. Quando colocamos nossa segurança nos bens, parece-nos difícil empreender travessias. A casa das nossas honras e conquistas nos parece mais segura, e acabamos pensando que os pobres devem sair da miséria com suas próprias forças e meios, cumprir suas obrigações e deixar de exigir direitos. Vender os bens e dar o dinheiro aos pobres é apenas uma etapa, e prepara a opção decisiva: “Depois, venha e siga-me...” Seguir Jesus no enfrentamento das armas ideológicas da morte, na missão de em tudo e sempre amar e servir.

Jesus de Nazaré, missionário enviado pelo Pai para nos conduzir à vida plena! Dá-nos uma mente sábia, que aprecie mais a vida que os bens, e valorize mais a liberdade que os prêmios das loterias e cargos políticos. Desperta em nossas comunidades cristãs a capacidade de ler responsavelmente a história, de identificar nela os problemas, aspirações e esperanças dos pobres e oprimidos. Ajuda-nos a descobrir as periferias que estão bem perto de nós, a sair da nossa autorreferencialidade e a não calar sobre aquilo vimos e ouvimos. Dá-nos; a coragem feminina de Teresa de Ávila e o testemunho de João Bosco Penido Burnier. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Livro da Sabedoria 7,7-11 | Salmo 89 (90) | Carta de Paulo aos Hebreus 4,12-13 |  Evangelho  de São  Marcos (10,17-30)

Nenhum comentário: