Aparecida: chave de leitura para a missão
da Igreja
Em Aparecida, Deus ofereceu
ao Brasil a sua própria Mãe. Mas, em Aparecida, Deus deu também uma lição sobre
Si mesmo, sobre o seu modo de ser e agir. Uma lição sobre a humildade que
pertence a Deus como traço essencial e que está no DNA de Deus. Há algo de
perene para aprender sobre Deus e sobre a Igreja, em Aparecida; um ensinamento,
que nem a Igreja no Brasil nem o próprio Brasil devem esquecer.
No começo, a busca e a labuta
No início do evento que é
Aparecida, está a busca dos pescadores pobres. Tanta fome e poucos recursos. As
pessoas sempre precisam de pão. Os homens partem sempre das suas carências,
mesmo hoje. Possuem um barco frágil, inadequado; têm redes decadentes, talvez
mesmo danificadas, insuficientes.
Primeiro, há a labuta, talvez
o cansaço, pela pesca, mas o resultado é escasso: um falimento, um insucesso.
Apesar dos esforços, as redes estão vazias. Depois, quando foi da vontade de
Deus, comparece Ele mesmo no seu Mistério. As águas são profundas e, todavia,
encerram sempre a possibilidade de Deus; e Ele chegou de surpresa, quem sabe
quando já não o esperávamos. A paciência dos que esperam por Ele é sempre posta
à prova. E Deus chegou de uma maneira nova, porque Deus é surpresa: uma imagem
de barro frágil, escurecida pelas águas do rio, envelhecida também pelo tempo.
Deus entra sempre nas vestes da pequenez.
Do mundo divido à fraternidade sem fronteiras
Veem então a imagem da
Imaculada Conceição. Primeiro o corpo, depois a cabeça, em seguida a unificação
de corpo e cabeça: a unidade. Aquilo que estava quebrado retoma a unidade. O
Brasil colonial estava dividido pelo muro vergonhoso da escravatura. Nossa
Senhora Aparecida se apresenta com a face negra, primeiro dividida mas depois
unida, nas mãos dos pescadores.
Há aqui um ensinamento que
Deus quer nos oferecer. Sua beleza refletida na Mãe, concebida sem pecado
original, emerge da obscuridade do rio. Em Aparecida, logo desde o início, Deus
dá uma mensagem de recomposição do que está fraturado, de compactação do que
está dividido. Muros, abismos, distâncias ainda hoje existentes estão
destinados a desaparecer. A Igreja não pode descurar esta lição: ser
instrumento de reconciliação.
Os pescadores não desprezam o
mistério encontrado no rio, embora seja um mistério que aparece incompleto. Não
jogam fora os pedaços do mistério. Esperam a plenitude. E esta não demora a
chegar. Há aqui algo de sabedoria que devemos aprender. Há pedaços de um
mistério, como partes de um mosaico, que vamos encontrando. Nós queremos ver
muito rápido a totalidade; e
Deus, pelo contrário, Se faz ver pouco a pouco. Também a Igreja deve aprender
esta expectativa.
Pescar, acolher e custodiar o Mistério
Depois, os pescadores trazem
para casa o mistério. O povo simples tem sempre espaço para albergar o mistério.
Talvez nós tenhamos reduzido a nossa exposição do mistério a uma explicação
racional; no povo, pelo contrário, o mistério entra pelo coração. Na casa dos
pobres, Deus encontra sempre lugar.
Os pescadores agasalham:
revestem o mistério da Virgem pescada, como se Ela tivesse frio e precisasse
ser aquecida. Deus pede para ficar abrigado na parte mais quente de nós mesmos:
o coração. Depois é Deus que irradia o calor de que precisamos, mas primeiro
entra com o subterfúgio de quem mendiga.
Os pescadores cobrem o
mistério da Virgem com o manto pobre da sua fé. Chamam os vizinhos para verem a
beleza encontrada; eles se reúnem à volta dela; contam as suas penas em sua
presença e lhe confiam as suas causas. Permitem assim que possam implementar-se
as intenções de Deus: uma graça, depois a outra; uma graça que abre para outra;
uma graça que prepara outra. Gradualmente Deus vai desdobrando a humildade
misteriosa de sua força.
O Mistério encanta, atrai, congrega e envia
Há muito para aprender nessa
atitude dos pescadores. Uma Igreja que dá espaço ao mistério de Deus; uma
Igreja que alberga de tal modo em si mesma esse mistério, que ele possa
encantar as pessoas, atraí-las. Somente a beleza de Deus pode atrair.
O caminho de Deus é o encanto
que atrai. Deus faz-se levar para casa. Ele desperta no homem o desejo de guardá-lo
em sua própria vida, na própria casa, em seu coração. Ele desperta em nós o
desejo de chamar os vizinhos, para dar-lhes a conhecer a sua beleza.
A missão nasce precisamente
dessa fascinação divina, dessa maravilha do encontro. Falamos de missão, de
Igreja missionária. Penso nos pescadores que chamam seus vizinhos para verem o
mistério da Virgem. Sem a simplicidade do seu comportamento, a nossa missão
está fadada ao fracasso.
Missão com meios simples e frágeis
A Igreja tem sempre a
necessidade urgente de não desaprender a lição de Aparecida; não a pode
esquecer. As redes da Igreja são frágeis, talvez remendadas; a barca da Igreja
não tem a força dos grandes transatlânticos que cruzam os oceanos. E, contudo,
Deus quer se manifestar justamente através dos nossos meios, meios pobres, porque
é sempre Ele que está agindo.
Queridos irmãos, o resultado
do trabalho pastoral não assenta na riqueza dos recursos, mas na criatividade
do amor. Fazem falta certamente a tenacidade, a fadiga, o trabalho, o
planejamento, a organização, mas, antes de tudo, você deve saber que a força da
Igreja não reside nela própria, mas se esconde nas águas profundas de Deus, nas
quais ela é chamada a lançar as redes.
Outra lição que a Igreja deve
sempre lembrar é que não pode afastar-se da simplicidade; caso contrário,
desaprende a linguagem do Mistério. E não só ela fica fora da porta do
Mistério, mas, obviamente, não consegue entrar naqueles que pretendem da Igreja
aquilo que não podem dar-se por si mesmos: Deus.
Às vezes, perdemos aqueles
que não nos entendem, porque desaprendemos a simplicidade, inclusive importando
de fora uma racionalidade alheia ao nosso povo. Sem a gramática da
simplicidade, a Igreja se priva das condições que tornam possível «pescar» Deus
nas águas profundas do seu Mistério.
Deus se manifesta e nos visita nas encruzilhadas
Uma última lembrança: Aparecida
surgiu em um lugar de cruzamento. A estrada que ligava Rio, a capital, com São
Paulo, a província empreendedora que estava nascendo, e Minas Gerais, as minas
muito cobiçadas pelas cortes europeias: uma encruzilhada do Brasil colonial. Deus aparece nos
cruzamentos. A Igreja no Brasil não pode esquecer esta vocação inscrita em si
mesma desde a sua primeira respiração: ser capaz de sístole e diástole, de
recolher e divulgar.
Papa Francisco
(no encontro com os Bispos do Brasil, no dia 27.07.2013)
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