quarta-feira, 27 de outubro de 2021

ANO B | TEMPO COMUM | TRIGÉSIMO-PRIMEIRO DOMINGO | 31.10.2021

Nada está acima do amor a Deus e aos pobres, nos quais ele vive!

A cena oferecida hoje à nossa meditação neste domingo, mesmo parecendo bastante tranquila e isenta de provocações, faz parte das armadilhas que os chefes do judaísmo colocam a Jesus com a intenção de acusá-lo, e das tensas disputas teológicas e políticas com ele. Não esqueçamos que estas perguntas e discussões ocorrem no ambiente do templo, do qual Jesus já havia expulsado os comerciantes (cf. 11,13-19) e fora duramente questionado pelos doutores da lei e pelos anciãos. Este é o último confronto de Jesus antes de ser preso, ser submetido a um julgamento falso e viciado que o condenou à morte.

O temor, a reverência e o amor a Deus, qualquer que seja a imagem que se faz dele, faz parte das prescrições de todas as religiões. Quando falamos em amor, queremos expressar, em geral, afeição ou apego voluntário a algo ou alguém. A tradição judaica enfatiza o aspecto de temor ou respeito devido a Deus, que deve estar muito acima de outras reverências. Este amor está no contexto da aliança que Deus tomou a iniciativa de selar com seu povo, e se mostra na prática concreta dos mandamentos que decorrem dessa aliança. Por isso, é um amor forte, inteligente, consequente e fiel.

No centro da disputa de hoje está a questão do primeiro ou do principal mandamento da ética judaica. Quem questiona Jesus e o chama ao debate é um mestre da lei, que disfarça sua intenção ardilosa falando num tom bastante simpático. Ele pergunta pelo “primeiro de todos os mandamentos”. Jesus responde no horizonte de uma ortodoxia cautelosa, mas se atreve a juntar ao mandamento de amar a Deus (cf. Dt 6,4-13), conhecido e aceito por todas as tradições do judaísmo, o mandamento de amar ao próximo (cf. Lv 19,18). “Não existe outro mandamento maior que estes!” Daquilo que estava dividido Jesus faz uma unidade!

É importante perceber ainda que o mandamento “ame ao seu próximo como a si mesmo” não vem isolado, mas está situado num conjunto mais amplo de normas que se opõem às práticas de opressão, exploração e indiferença (cf. Lv 19,9-18), que segundo Jesus, são violadas abertamente pelos escribas. Fazemos um grande mal quando ignoramos esse contexto e essa inclusão. Para Jesus, o céu precisa vir à terra, e a terra é o único caminho para o céu. Não há lugar para escapismos e espiritualismos de qualquer espécie.

Na verdade, não existem dois amores que se limitam um ao outro, mas um único amor com duas expressões. Para os cristãos, não existe nada – lei, costume ou instituição – que esteja acima do amor concreto a Deus e à pessoa humana necessitada, na qual Deus vive. E esse amor se desdobra e concretiza em desejar o bem, dizer o bem e fazer o bem. Em outras palavras, amar significa reconhecer e defender a dignidade do outro como outro, dar primazia ao atendimento de suas necessidades em relação à nossa comodidade, à nossa honra e aos nossos interesses. Isso está acima e vem antes da oração, das devoções, do culto e dos sacrifícios.

O doutor e mestre a lei parece concordar com Jesus, quando diz: “Muito bem, mestre. Na verdade, é como disseste”.  Por isso, recebe de Jesus o reconhecimento e uma promessa: “Tu não estás longe do Reino de Deus.” Mas, segundo Jesus, os fariseus e mestres da lei violam constantemente estes dois mandamentos, colocando acima deles outros costumes. Ao dizer ao escriba que ele “não está longe do Reino de Deus”, Jesus deixa claro que a simples ortodoxia não é suficiente, e deve ser acompanhada pela justiça com o próximo. E Jesus não o convida a seguir seus passos.

O texto termina dizendo que ninguém mais se atrevia a apresentar armadilhas a Jesus. Ele venceu todos os seus opositores: expulsou os comerciantes do templo, enfrentou as ciladas de fariseus e saduceus sem cair nelas, questionou a legitimidade e os privilégios dos chefes, assumiu seu papel de mestre. Em síntese, “amarrou o homem forte e reconquistou sua casa” (cf. Mc 3,27). No caminho da conversão precisamos decidir quem manda em nós: Jesus e seu Fvangelho da fraternidade, ou o Mercado, que incensa o individualismo consumista e predatório e vive do angue produzido pela intolerância e pela agrassividade.

Jesus, amor apaixonado de Deus, solidário amante da humanidade! Ajuda-nos a manter a primazia do amor a Deus, que em ti nos adotou como filhos e filhas, sacramentalizado na afirmação da dignidade dos pobres e vitimados nos quais ele vive. Que não nos contentemos em estar perto do Reino pela nossa ortodoxia, mas entremos nele e nos deixemos conduzir por ele em tudo o que somos e fazemos. Faz-nos capazes de amar com perspicácia, força e paixão, pois só assim amaremos de verdade. Amém! Assim seja!

Itacir Brassiani msf

Livro do Deuteronômio 6,2-6 | Salmo 17 (18) | Carta de Paulo aos Hebreus 7,23-28 |  Evangelho  de São  Marcos (12,28-34)

Nenhum comentário: