quarta-feira, 21 de agosto de 2013

21° Domingo do Tempo Comum

Lá na praia eu deixei o meu barco...
(Is 61,18-21; Sl 116/117; Hb 12,5-7.11-13; Lc 13,22-30)

Escutando algumas pregações ou lendo certos escritos teológicos e espirituais, às vezes tenho a impressão de que algumas pessoas ainda pensam que os leigos e leigas são gente sem vocação alguma, uma maioria que é paradoxalmente um resto que não foi chamado a nada e, por isso, deve apenas escutar e obedecer. Os leigos e leigas viveriam nos mares deste mundo, e não lhes caberia buscar outros mares. Deveriam esperar uma salvação que só lhes pode vir da oração das pessoas consagradas e dos sacramentos administrados pelos ministros ordenados. Nada contariam na missão de salvar e de libertar. Jamais alcançariam a maturidade espiritual. Seriam os últimos da pirâmide eclesial, uma base sem importância sobre a qual recai todo o peso institucional. Daí que, quando queremos dizer que não entendemos de algo, dizemos que ‘somos leigos’ no assunto... Pobre Igreja aquela que pensa assim e age conforme pensa... Meditemos um pouco sobre isso à luz da Palavra e da prática de Jesus Cristo.
“Senhor, abre-nos a porta!”
Todos os seres humanos aspiram a salvação, mesmo que dela falem usando nomes diversos, ou silenciem. O ponto de partida é a experiência de uma inadequação entre o que somos e o que deveríamos ser, entre as contingências do presente e a plenitude desejada e sonhada para o futuro. Aquilo que a bíblia e a teologia chamam ‘salvação’ ou ‘Reino de Deus’ recebe hoje o nome de liberdade, segurança, realização, plenitude, maturidade, emancipação, paz, bem viver, etc.
Mas, além desta diversidade de nomes, há também duas concepções fundamentalmente distintas sobre a forma de chegar a esta situação descrita como salvação: o caminho da confiança absoluta nas próprias forças e recursos, da submissão servil aos próprios interesses e ambições, do fechamento em si mesmo ou nos grupos limitados; ou o caminho da abertura aos outros, da escuta de outras vozes e do reconhecimento da dignidade dos outros, da acolhida do dom que nos vêm de fora.
“É verdade que são poucos os que se salvam?”
É durante o caminho para Jerusalém, a cidade que persegue e mata os profetas, que um anônimo provoca Jesus sobre a questão do número das pessoas que se salvam. Parece que este sujeito não está interessado no caminho que leva à salvação, mas no número dos que são beneficiados por ela. Estaria preocupado em reservar isso a uma minoria (da qual obviamente ele faria parte)? Estaria interessado em confirmar uma perspectiva elitista e discriminatória presente em alguns setores do judaísmo?
Jesus desloca a questão do número dos que se salvam para as mediações da salvação. Sem desconhecer que a liberdade que cria comunhão e a maturidade que nos faz dom é uma graça que não vem apenas de nós mesmos, Jesus sublinha que ela não dispensa o esforço pessoal contínuo. O caminho da salvação passa pela exigente conversão de uma postura estreita e exclusiva a uma visão aberta e inclusiva, do iate seguro e restrito dos nossos interesses para o barco amplo e frágil do bem comum.
Além de enfatizar a necessidade de empenho pessoal no processo de amadurecimento e libertação, Jesus sublinha que este engajamento é tarefa para o tempo presente, e não pode ser adiado indefinidamente. Comparando o processo de salvação com uma porta estreita, Jesus diz que chegará o tempo em que o dono da casa fechará a porta e não será mais possível entar. Portanto, é preciso desfrutar responsavelmente das possibilidades de crescimento que cada momento nos oferece.
“Comemos e bebemos na tua presença...”
Para muitos, a religião é o caminho mais seguro para a salvação. As pessoas maduras, realizadas, plenamente humanas ou santas seriam aquelas que rezam bastante, que observam as prescrições religiosas, que regem a vida por uma moralidade estrita (especialmente na área sexual e familiar), que vivem no tempo suspirando pela eternidade. Frequentemente são pessoas que, tendo na terra tudo o que desejam, querem garantir antecipadamente uma propriedade no céu. Mas Jesus é a única porta!
Na verdade, a religião não existe em função disso. Esta é uma caricatura ou uma versão empobrecida e ideologizada da religião que, em termos antropológicos e culturais, é uma tentativa de responder às perguntas fundamentais do ser humano e oferecer-lhe indicações de como alcançar o bem-viver. A religião não se divorcia da ética, inclusive da ética social, nem do mundo, inclusive das coisas materiais. A religião propõe uma forma específica de viver no mundo e se relacionar com as pessoas e coisas.
Para aqueles/as que reduzem a religião a um conjunto de prescrições miúdas a serviço do isolamento e da indiferença, Jesus adverte: “Não sei de onde sois...” E não adianta apresentar a lista dos bons comportamentos, da frequência aos sacramentos e prédicas. Infelizmente, estas pessoas demonstram uma imaturidade e uma mediocridade humana e espiritual decepcionantes e, muitas vezes, irrecuperáveis. As práticas religiosas infantis e interesseiras acabam impedindo a salvação.
“Tornai retas as trilhas para os vossos pés...”
Mas há também o caminho da ética, a via da prática da justiça, que pode vir conjugada ou não com a religião. Uma religião sem ética compromete a maturidade humana, enquanto que a prática da justiça, mesmo sem uma perspectiva religiosa, é sinal e caminho de plenitude humana. Apresentando os profetas e patriarcas como plenos cidadãos do Reino de Deus, Jesus reforça o princípio de que a prática da justiça é dimensão instrínseca da religião e expressão de uma humanidade madura.
Justiça é um conceito que descreve a correta relação com Deus, com as pessoas e com as coisas, e está intimamente relacionado à compaixão, à misericórdia e à autêntica piedade. No âmbito da relação com as pessoas, a justiça prioriza a relação com os pobres e oprimidos, de forma que, do ponto de vista bíblico, ser justo significa defender publicamente a dignidade dos pobres, proclamar seu direito a viver dignamente, mesmo quando a lei positiva não reconhece esse direito. Nisso, Jesus é exemplo.
E aqui podemos lembrar, entre muitíssimos outros, o testemunho de Santa Rosa de Lima, a primeira santa das Américas, cuja memória celebramos no dia 23 de agosto. Segundo o Catecismo da Igreja Católica (n° 2449), ela acolhia e atendia em sua casa os pobres e enfermos de Lima, o que provocou a advertência de sua mãe. E Rosa respondeu: “Quando servimos os pobres e os enfermos, servimos a Jesus. Não podemos nos cansar de ajudar o nosso próximo, pois nele servimos o próprio Jesus.”
“Virão muitos do oriente e do ocidente, do norte e do sul...”
A Igreja é a congregação de todos os homens e mulheres apaixonados pelo sonho de uma humanidade redenta e liberta. Os membros do povo de Deus – esta imensa caravana de homens e mulheres salvos e humanamente maduros – não trazem necessariamente este título estampado no rosto ou nos documentos. No caminho da salvação não funcionam as recomendações, os privilégios acumulados, os ‘estados de vida’. A salvação de Deus não conhece fronteiras políticas, religiosas ou culturais.
Respondendo à pergunta sobre o número dos que se salvam, Jesus diz que “virão muitos do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa do Reino de Deus”. Em outras palavras: alguns daqueles que as religiões e instituições descartam ou colocam em último lugar, aos olhos de Deus são os mais importantes e ocupam os primeiros lugares. Todos os homens e mulheres são chamados à salvação e, de um modo que só o Espírito de Deus sabe, participam do mistério pascal de Jesus Cristo.
“Há últimos que serão primeiros e primeiros que serão últimos.”
Será que os leigos e leigas, frequentemente considerados uma maioria desprezível e sem função relevante na Igreja, não são os mais importantes do ponto de vista do Reino de Deus? Será que, imersos/as no mundo sem renunciar ao fermento do Evangelho, eles/as não revelam uma liberdade mais consequente e uma maturidade humana mais que surpreendente? Eles/as recordam, mais com a vida que com discursos, que a encarnação no mundo é uma dimensão irrenunciável da vida cristã.
Jesus de Nazaré, porta aberta pela qual passamos da escravidão à liberdade, do estreito mundo do nosso eu ao fraterno e solidário mundo do Outro: ajuda-nos a reconhecer que a vocação e a missão dos leigos e leigas é essencial. São eles/as que abrem a complexa realidade social à solidariedade e à justiça e testemunham e anunciam com a vida um outro mundo possível. Que sejam sempre mais numerosos os leigos e leigas que, passando por ti, a exigente porta do discipulado missionário, deixam na praia o barco da comodidade e dos privilégios e se lançam heroicamente noutros mares. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

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