domingo, 25 de agosto de 2013

Um artigo do Pe. Rodolpho Ceolin msf

“Queremos mais asfalto!”

O jornal Correio do Povo (21.10.1999, p. 4) estampou um artigo com o seguinte título: “Queremos mais professores!” Este foi o grito de cem mil estudantes mobilizados em cento e quarenta cidades da França. Este acontecimento me fez lembrar de outro: no  corrente ano, cidadãs e cidadãos gaúchos, aos milhares, debateram democraticamente acerca das prioridades locais e regionais; nas assembléias populares, por votação, a esmagadora maioria decidiu: “Nós queremos saúde, educação e agricultura!”

Transcorridos poucos meses, eis que surgem certos personagens que se dizem paladinos da democracia. Foram entrando em cena e passaram a desfilar pelo Rio Grande afora... Certamente nem todos eles assumiram tal postura unicamente para salvar a soberania de sua instituição, nem tampouco por solidariedade ao povo soberano que os brindou com o poder para que agissem a seu favor e jamais contra ele. Foi para bem servir ao povo, segundo as necessidades por ele sentidas e entendidas como prioritárias, que nós os elegemos...

Infelizmente, poucos deles se misturaram conosco, naquelas noites frias, para nos ouvir e dialogar conosco a respeito do que vemos como prioridades no contexto em que vivemos. Tivessem eles tomado assento em nossas assembléias, estariam hoje melhor aparelhados para definir o orçamento estadual.

Mas não é propriamente esta questão que desejo abordar. Quero externar meu assombro diante de vozes desafinadas com a voz do povo. Ouvem-se vozes que insistem: “Nós queremos é mais asfalto!”

Diante desse fato, veio-me à lembrança que, após o regime militar, o extinto PDS sofreu nas urnas estrondosa derrota em todo o País, enquanto que o PMDB saiu vitorioso de Sul a Norte. Na ocasião, certo militar, deputado estadual, cujo nome é Pedro, foi entrevistado por uma emissora de Porto Alegre. Ressentido e estupefato diante da derrota estonteante, o referido militar declarou:

“Não consigo entender o nosso povo!... Não entendo!... Como entender que o povo tenha votado em massa contra o nosso governo, que tanto fez pelo país?... Pois nós espalhamos a telefonia por todos os recantos; construímos Itaupu, orgulho nacional, e a ponte Rio-Niterói, uma das maiores do mundo; cortamos o Brasil inteiro, semeando estradas asfaltadas em todas as direções... E o povo brasileiro não soube reconhecer o gigantesco progresso que promovemos!”

Findo o desabafo do parlamentar, o entrevistador arguiu: “Mas, Senhor Coronel, o que aconteceu é fácil de entender!... Senhor Coronel, é que o nosso povo está com fome!... Asfalto e concreto não enchem o estômago!... Nosso povo está com fome!

Dizem por aí que a história se repete. Sendo assim, o que o futuro ainda irá trazer de surpresas?... É uma incógnita. O triste, porém, é que a fome continua e aumenta sempre mais. O que sei, biblicamente falando, é que todos aqueles que oprimiram e infernizaram a vida dos pobres sempre se deram mal! Por amor e respeito a estes, eu quisera ouvir ecoar pelo Rio Grande afora: “O que nos queremos é educação para todos e de boa qualidade! É saúde ao alcance de todos! É mais pão em nossas mesas! Porque gaúcho não vive de asfalto!...” E fim de papo!
Pe. Rodolpho Ceolin msf


Nota: Nosso saudoso Pe. Ceolin escreveu este artigo no final de 1999. Não sei se fui publicado ou não. Nele podemos sentir pulsar um coração solidário e uma mente aberta e lúcida, capaz de identificar por onde passam os caminhos e os movimentos que realmente transformam a sociedade. Chamo a atenção para o “nós”, sujeito que atravessa todo o artigo. De fato, o Pe. Ceolin, na época com quase 70 anos de vida, participava assiduamente das assembléias populares do Orçamento Participativo, do Conselho Municipal de Saúde de Passo Fundo e de várias manifestações populares. A foto ao lado, gentilmente partilhada pelo Ir. Moacir, registra o Pe. Ceolin (à direita) puxando a frente nas manifestaçõe que, no amanhecer de um dia qualquer, no final de década de ’90, ocuparam o trevo de Carazinho, fechando temporariamente as BRs 386 e 285. Belo exemplo de militância firme e madura.

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