quinta-feira, 5 de setembro de 2013

23° Domingo do Tempo Comum

A Palavra de Deus desinstala e chama à conversão.
(Sb 9,13-18; Sl 89/90; Fm 9-17; Lc 14,25-33)

Estamos concluindo a semana da pátria, que sempre traz consigo o risco de exaltação de um patriotismo vazio e ultrapassado. Neste ano, as manifestações das ruas e o Grito dos Excluídos nos protegeram um pouco dessa tentação.  A vigília contra a guerra pela paz na Síria, convocada pelo Papa Francisco para este sábado, nos chamou à dura realidade. E Jesus Cristo, a Palavra viva de Deus, irrompe chamando a atenção para as consequências da palavra dada e para os custos da realização das nossas decisões. Há pouco, o Papa Bento XVI nos lembrava, na exortação pós-sinodal Verbum Domini, que “é necessário descobrir cada vez mais a beleza e a urgência de anunciar a Palavra para a vinda do Reino de Deus”. E não se trata de “anunciar uma palavra anestesiante, mas desinstaladora, que chama à conversão, que torna acessível o encontro com Ele, através do qual floresce uma humanidade nova” (VD, 93).
“Os pensamentos dos mortais são tímidos, e nossas providências incertas.”
A cultura que rege as pessoas numa sociedade de consumo como a nossa não costuma chamar a atenção para a prudência e para o planejamento. A caderneta de popuança, com seu apelo a economizar e planejar, é coisa do passado. Hoje reina absoluto o cartão de crédito, um permanente e sedutor convite a gastar sem controle e sem planejamento, seguindo apenas os insaciáveis desejos de consumo. Fazer as contas é coisa de um tempo que não volta mais. “Compre no cartão!”
O que predomina e se impõe como regra é curtir e saborear a fundo o momento presente, sem preocupação com princípios e hábitos formulados por outros no passado, nem com aquilo que será no futuro. O passado não existe mais, o futuro ninguém sabe como será, o presente é breve e fugaz; importa desfrutá-lo ao máximo e inocentemente, sem perguntar quem pagará a conta em termos humanos, econômicos e ambientais. “Consumamos e deixemo-nos consumir!...”
Esta forma de viver vai contaminando lentamente (ou rapidamente!) a vivência da fé. Observando a prática de muitas pessoas e o apelo de alguns movimentos e Igrejas, somos levados a concluir que o que importa é viver momentos de intenso gozo e satisfação, relativizando o passado e desistindo de projetar o futuro. E o único custo fixo dessa libertação gostosa é a fidelidade ao dízimo mensal e a generosidade econômica nas ofertas de cada semana. E a Palavra de Deus é usada como anestésico social.
“Se alguém de vós quer me seguir...”
É consciente e consequente nossa decisão de seguir Jesus Cristo? É claro que para a maioria de nós o início de tudo não está ligado a uma decisão pessoal, consciente e madura. Recebemos a fé cristã e católica misturada ao leite que sorvemos do seio da mãe, ligada aos hábitos da nossa vizinhança, conjugada com a cultura trasmitida pela escola. Seguimos esta estrada porque nos parecia a única, e o fizemos como ovelhas indiferenciadas de um rebanho. Era difícil e custoso trilhar outras sendas...
Mas nós crescemos e os tempos mudaram. O pluralismo das opções que batem à nossa porta ou se oferecem aos nossos olhos todos os dias nos interpelam à aventura noutras estradas ou a dar razões para permanecermos naquela que trilhamos. E o nosso conhecimento maduro e esclarecido do Evangelho nos pede prudência e avaliação crítica diante de atitudes e projetos que se travestem de sabedoria e se apresentam  como evangélicos e humanizadores.
“Quem não carrega a sua cruz e não caminha após mim, não pode ser meu discípulo.”
A vida de quem se dispõe a seguir os passos de Jesus Cristo não é apenas alegria e festa.  O Evangelho não se resume a um convite a erguer as mãos e dar glórias a Deus. Mas o cristianismo não se identifica também com a sisudez dos homens e mulheres que parecem dar as costas à história e caminhar na ponta dos pés, com as mãos juntas em piedosa posição, os olhos fixos no céu (que garantiria as honras do mundo) e a vida assegurada pelos títulos de créditos e de propriedade...
Caminhando resolutamente em direção a Jerusalém, Jesus recorda aos discípulos de ontem e de hoje que a decisão de segui-lo tem custos. Estar com ele e seguir seus passos supõe a decisão por uma específica escala de valores: a honra pessoal, a aceitação pública, a segurança dos bens e os próprios vínculos familiares são secundários em relação à prioridade absoluta de acolher e praticar os valores do Reino de Deus. A Palavra viva de Deus, feita carne em Jesus, nos mostra por onde andar.
Tomar a cruz e caminhar no rastro de Jesus significa estar disposto a enfrentar a rejeição dos grandes e poderosos, libertar-se da busca infantil de cargos e honras e contar com a possibilidade do fracasso dos empreendimentos pessoais e institucionais. Preferir Jesus Cristo ao pai, à mãe, à mulher ou marido e aos filhos e filhas significa viver as relações familiares fora dos moldes patriarcais, no horizonte da geração de um mundo de irmãos (como testemunha Paulo em relação a Onésimo e Filemon).
“Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo.”
Uma bagagem pesada acaba dificultando a caminhada, especialmente se for longa e por estradas acidentadas. E os bens acumulados podem pesar muito e levar a parar à beira estrada, a desistir da viagem e até a construir uma casa confortável e segura. Não se trata apenas de imóveis, móveis e automóveis, mas também de títulos de crédito e de cidadania, de cartas de crédito, de honras e compromissos que impedem a liberdade e a solidariedade.
Jesus conclui sua lição com uma afirmação radical e de longo alcance: “Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo.” Ele sabe muito bem – e nós também intuímos, mas exorcizamos apressadamente esta percepção – que o problema não é possuir os bens ou consumir de modo maduro e consciente, mas deixar-se dominar totalmente pelos bens e pelo consumo, como se o sentido da nossa vida dependesse disso.
A necessidade de renunciar a tudo está ligada ao seguimento de Jesus. A renúncia é um meio para percorrer um caminho que conduz à vida abundante, tanto para si mesmo como para os outros. Renunciar a tudo significa limpar a casa, abrir espaço, ordenar as prioridades e orientar-se pela prática e pela proposta de Jesus. Ele é a Palavra de Deus que nos desinstala e chama à conversão. Sua proposta está longe de ser un anestésico barato. O caminho para a humanidade nova tem seus custos!
“Senta primeiro e examina bem...”
Precisamos avaliar e fazer as contas: dispomos de recursos e estamos dispostos/as a pagar os custos do seguimento de Jesus Cristo nas estradas deste mundo de relações líquidas e flutuantes? A primeira impressão, especialmente depois de ouvir as parábolas do construtor e do rei em guerra, é que Jesus quer desencorajar-nos. Na verdade, o que ele quer é que avaliemos bem as exigências do reino de Deus, tanto antes de começar a caminhada como no momento atual da nossa vida.
É possível que, como a maioria dos cristãos, tenhamos começado sem uma decisão esclarecida e madura. Mas hoje, com o acesso que temos à Palavra de Deus, à teologia e ao ensino da Igreja, não podemos permanecer na fácil superficialidade ou buscar refúgio nos hábitos e costumes ou nas versões interesseiramente conservadoras do cristianismo. Passou o tempo do ufanismo triunfalista, ao estilo dos discursos da semana da pátria e das palavras agradáveis dos palanques.
A difícil situação dos cristãos na Síria e no Egito, especialmente nos últimos tempos, é um sinal eloquente de que o seguimento de Cristo tem seus riscos. Mas o casamento entre o seguimento de Jesus Cristo e a mentalidade capitalista, consumista, indiferente e excludente talvez seja ainda mais perigosa e destruidora que estes conflitos. É tempo de avaliar e fazer as contas: estamos dispostos e temos condições de assumir a escala de valores de Jesus e realizá-la em todos os âmbitos da vida?
“Ensina-nos a contar os nossos dias, e assim teremos um coração sábio.”
Jesus de Nazaré, irmão maior nos caminhos para uma humanidade reconciliada, ensina-nos a conhecer e acolher os desígnios do teu e nosso Pai, a compreender o sentido dos nossos dias, a avaliar bem as possibilidades e exigências do nosso tempo. Alimenta-nos diariamente com a tua Palavra, para que nossa consciência não permaneça anestesiada diante dos imensos desafios do nosso mundo. Vem em nosso auxílio para que compreendamos as exigências do seguimento dos teus passos e saibamos renunciar a tudo o que possa nos afastar de ti. E que teu apóstolo e nosso irmão Paulo nos estimule a lançar as sementes da igualdade na Igreja e no mundo, ainda divididos e desiguais. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

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