quarta-feira, 26 de agosto de 2020

ANO A | TEMPO COMUM | VIGÉSIMO-SEGUNDO DOMINGO | 30.08.2020


O seguimento de Jesus passa pelo dom de si mesmo!
A atitude contraditória de Pedro, mesmo depois de ter professado sua fé ter sido elogiado por Jesus, nos previne contra todo triunfalismo. Como Pedro, muitos de nós desejamos desesperadamente impedir que Jesus realize sua missão pelo caminho do serviço e da cruz, e acabamos sendo uma pedra de tropeço na sua missão.  No domingo em que celebramos o dia dos/as catequistas, descobrimo-nos todos aprendizes na escola de Jesus, convocados seguir atrás dele e não entrar na lógica do mundo (cf. Rm 12,2).
A resposta de Pedro à pergunta de Jesus havia sido correta, mas incompleta: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. Mas a salvação não depende unicamente da ortodoxia das declarações! Por isso, assim que Pedro termina sua profissão de fé e recebe o elogio, Jesus muda o tom da conversa e começa a falar do seu futuro próximo: ele havia tomado a firme decisão de ir a Jerusalém, apesar dos riscos; lá sofreria muito nas mãos das autoridades religiosas; acabaria sendo morto, mas depois ressuscitaria. Atenção! A ênfase de Jesus não está no anúncio da ressurreição mas da paixão, de um Deus despojado!
Com este anúncio, Jesus quer corrigir os resquícios de um certo messianismo triunfalista, do qual os próprios discípulos estavam imbuídos, e mostrar outra imagem e outro caminho do Messias: ele é o Servo que sofre solidariamente e o Profeta perseguido. E é aqui que Pedro tropeça e faz tropeçar. Com uma ousadia sem precedentes, “levou Jesus para um lado e o repreendeu. Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!” A tradução ameniza um pouco as palavras duras de um Pedro atordoado que intima, adverte e ameaça Jesus, como se fosse ele e não Jesus quem conhece e revela a vontade de Deus.
Na verdade, o que Pedro não consegue admitir é um Messias sem poder e crucificado, um Messias pobre e rejeitado, humano e servidor. O que ele não consegue aceitar é uma Igreja sem glórias e sem sucesso, chamada a correr o risco da profecia; uma Igreja que ao invés de se aliar aos poderes sofre nas mãos deles. Também aqui, Pedro é porta-voz dos discípulos de todos os tempos. Como é difícil pensar as coisas ao modo de Deus, e como é fácil, cômodo e atraente pensar as coisas ao modo dos homens! Coisas de Deus são a compaixão, a solidariedade e o serviço; coisas dos homens são a indiferença, o sucesso e o poder.
Há um discernimento que sempre desafia os discípulos e discípulas de Jesus. A cruz não é simplesmente uma imposição à qual Jesus não pode escapar, mas a um caminho que todos devemos percorrer. “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga.” E tomar a cruz significa assumir a condição das pessoas desprezadas e colocadas à margem, assim como daquelas que resistem e enfrentam os poderes que as marginalizam e oprimem. E também a disposição de dar a vida, de sofrer a morte por amor.
A expressão “renuncie a si mesmo” não agrada a muitos. Seria possível entender esse mandamento de modo positivo e emancipador, não como desprezo por tudo o que é original, pessoal e individual? É claro que não se trata de negar o que há de mais pessoal e original em cada indivíduo, mas de libertar-se da ideologia de sucesso que nele se aninha. A questão é: negar os interesses mesquinhos, os sonhos infantis de sucesso e onipotência, ou negar o Messias, a compaixão, a solidariedade? Pedro teve dificuldades de negar ou renunciar às suas próprias ideias de onipotência e de sucesso, e acabou negando Jesus e sua proposta.
Mas isso não implica em contrapor coisas materiais e coisas espirituais, vida terrena e vida eterna, e sim em escolher o caminho do amor aos outros e a Deus a ponto de esquecer as mais promissoras vantagens pessoais e não o caminho do amor a si mesmo a ponto de excluir do nosso horizonte os outros e Deus. São dois amores, duas cidades, dois projetos de civilização, dois caminhos opostos de realização humana. É nesse horizonte que Paulo pede que evitemos a acomodação às estruturas deste mundo, que transformemos nossa maneira de pensar e prestemos culto a Deus mediante o dom da nossa vida.
Deus, pai e mãe, vida que se perde por amor. Salva-nos da ideologia religiosa, tão triunfalista quanto medrosa e subserviente frente aos esquemas do mundo. Suscita comunidades de homens e mulheres enraizados na tua santa Palavra e ecos vivos dela, humanamente maduros, com corações, mentes e mãos conformadas a Jesus de Nazaré. Ansiamos por um tal fogo aceso no coração das pessoas e no coração do mundo. Desejamos seguir os passos do teu filho no despojamento de si e no serviço alegre e solidário aos últimos. É esta graça que vale mais que a vida. É isso que procuramos desde a aurora, e é isso que nos basta. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Jeremias 20,7-9 | Salmo 62 (63)
Carta de Paulo aos Romanos 12,1-12| Evangelho de São Mateus 16,21-27

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