quarta-feira, 8 de setembro de 2021

ANO B | TEMPO COMUM | VIGÉSIMO-QUARTO DOMINGO | 12.09.2021

Que Deus abra nossos ouvidos à sua Palavra, todos os dias!

Neste mês dedicado à Palavra de Deus, somos hoje convidados a dizer, como o profeta Isaías: “O Senhor Javé abriu os meus ouvidos e eu não fiz resistência nem recuei”. Na longa e bela estrada do discipulado, precisamos pedir todas as manhãs que o Senhor abra nossos ouvidos, que nos faça capazes de acolher sua Palavra e assumi-la como luz dos nossos passos, mesmo quando ela nos indica rumos e práticas deveras exigentes. É dessa escuta atenta, inteligente e despojada que brota o anúncio correto e a prática coerente.

Na cena do evangelho de hoje, os discípulos atravessam com Jesus a região de Cesaréia de Filipe, lugar-símbolo da submissão de Herodes ao imperador romano e da capitulação do judaísmo frente à cultura grega. Nesta travessia, Jesus os provoca a fazerem uma avaliação da sua pessoa e sua missão. “Quem dizem os homens que eu sou?” Segundo os discípulos, as respostas coincidem no reconhecimento de Jesus como profeta. Mas Jesus não se satisfaz com respostas simplesmente ouvidas e relatadas, e pede o que os próprios discípulos pensam sobre ele, que lugar ocupa na vida deles. “E vós, quem dizeis que eu sou?”

A resposta a esta pergunta não pode ser teórica ou decorada. Crer em Jesus significa aceitá-lo como definidor das nossas relações e como elemento fundamental na construção da nossa utopia de sociedade. E isso é muito mais que aceitar alguns conteúdos religiosos. Há pregadores/as que lamentam que hoje as pessoas creem em Jesus Cristo mas não aceitam a Igreja. Mas é pior defender a Igreja sem crer de forma consequente na pessoa e na prática de Jesus? “Que adianta alguém dizer que tem fé quando não a põe em prática?”

Parece que a pergunta de Jesus provoca nos discípulos um calafrio geral. Pedro arrisca uma resposta em nome de todos: “Tu és o Messias, o Cristo...” A resposta é formalmente correta, mas nela há algo de errado e perigoso, pois Jesus “proibiu severamente” que os discípulos falassem a respeito dele. Tenho a impressão de que a profissão de fé de Pedro está enredada nas malhas do triunfalismo, e se assenta numa imagem de Deus ligada ao poder e à violência. Em todos os casos, está claro que esta resposta não dá conta da complexa identidade de Jesus, que é irmão, servo e profeta, cordeiro de Deus, filho do homem, etc.

Por isso, Jesus censura as fantasias de sucesso e de poder e, ao mesmo tempo, fala abertamente que o Filho do Homem deve sofrer muito, e experimentar a rejeição e a morte. Ele substitui o título de “Messias” )e ele não pensa no Jair!) por “Filho do Homem”, vinculando-se assim profundamente à humanidade e suas aspirações. Enquanto a ideia messiânica de Pedro contém necessariamente o triunfo e o nacionalismo, o caminho assumido por Jesus é universal, leva ao confronto com a ordem estabelecida e à rejeição. O sofrimento, que ele prevê, é o custo da sua luta pela humanização, e não uma espécie de capricho de Deus.

Aceitar isso não é coisa fácil, nem para Pedro nem para nós, tanto que Pedro leva Jesus para o lado e começa a repreendê-lo, sublinhando sua radical incapacidade de aceitar o caminho de compaixão e serviço, sua dificuldade de passar das declarações ortodoxas às práticas consequentes. “A fé, se não se traduz em obras, por si só está morta”, dirá mais tarde o discípulo Tiago. E as obras geradas no fecundo ventre da fé são conhecidas: compaixão, solidariedade, serviço, humildade. Numa palavra: as obras da fé são o amor vivido como afirmação e defesa da dignidade do próximo!

O evangelista diz que Jesus reagiu olhando para os discípulos e repreendendo Pedro. Para Jesus, Pedro estava agindo como tentador e divisor, com mentalidade limitada e sectária. E quem pensa e age assim é porta-voz do Satanás, rejeita a Palavra de Deus e se apega às tradições humanas (cf. Mc 7,1-13). Por isso, em pleno território da bajulação e da subserviência, Jesus esclarece: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar sua a sua vida vai perdê-la; mas quem perde sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la”.

Jesus, Palavra divina nas tramas da história, mestre do serviço num mundo de senhores. Sustenta nosso desejo de receber teu batismo, de enfrentar os rechaços e de seguir teus passos. Ajuda-nos a negar nossos interesses egoístas para não renegarmos a ti, fonte de vida sem limites. Convence-nos de que salvar nossa própria vida é um mau investimento, e que arriscá-la pelo teu Reino nos assegura para sempre aquilo que há de bom e que realmente necessitamos. Abre hoje nossos ouvidos à tua santa Palavra, e não nos permitas que nos coloquemos à tua frente. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Profecia de Isaías 50,5-9 | Salmo 114 (116A) | Carta de São Tiago 2,14-18 |  Evangelho  de São  Marcos (8,27-35)

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