quarta-feira, 15 de setembro de 2021

ANO B | TEMPO COMUM | VIGÉSIMO-QUINTO DOMINGO | 19.09.2021

O que estamos discutindo nos caminhos, galpões e redes?

Sintonizados com a proposta da Igreja do Brasil, continuamos celebrando o mês da Bíblia. É com os pés no chão brasileiro que acolhemos e escutamos o Evangelho de hoje. Um pouco antes da cena evangélica de hoje, alguns discípulos haviam visto Jesus transfigurado e ouvido uma voz pedindo que escutassem o que ele estava lhes dizendo. Por sua vez, a multidão acorria a Jesus, impressionada pela cura de um menino mudo. É neste contexto que Jesus não quer que ninguém saiba para onde vai.

Marcos diz Jesus fez isso “porque estava ensinando seus discípulos”.  A difícil arte de formar discípulos o ocupa inteiramente. Eles haviam fracassado na tentativa de curar um menino mudo. Faltava-lhes a abertura e a confiança em Deus, cultivadas especialmente na oração. Os evangelhos testemunham que os discípulos só sabiam confiar em si mesmos, e corriam atrás de ações poderosas e lugares de honra. Por mais que Jesus insistisse, eles não conseguiam admitir e reconhecer um Messias marcado pela vulnerabilidade, que não buscasse o sucesso e que, inclusive, poderia padecer a morte na mão dos líderes religiosos e políticos.

Por isso, Jesus repete o ensinamento que ouvimos no domingo passado: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, quando estiver morto, depois de três dias ele ressuscitará”. Mas o resultado não foi muito animador. “Os discípulos não compreendiam o que Jesus estava dizendo”. E o pior, “tinham medo de fazer perguntas”. Trata-se do medo de enfrentar a verdade, de descobrir as exigências do caminho que leva à vida plena. Ser como criança, partilhar a condição dos desprezados e marginalizados parece-lhes algo monstruoso e provoca-lhes medo.

O mais impressionante é que, além de não compreender os repetidos anúncios da rejeição e da humilhação e de demonstrar medo de perguntar, os discípulos se envolvem com outras questões complicadas. Jesus está atento às conversas de estrada, e quando chegam em casa, pergunta-lhes: “Sobre o que vocês estavam discutindo no caminho?” Ninguém se atreve a dizer que discutiam sobre qual deles seria o maior. Ser o primeiro e o maior é a única questão que interessa àquele grupo que segue Jesus aos trancos e barrancos.

E é infelizmente isso que ainda hoje guia a maioria das nossas escolas e até conventos e seminários. Será que não é isso também o que muitos pais e mães sonham para seus filhos e filhas? E não é a busca de uma vida bem-sucedida, o sonho de ser um padre pop-star ou de ser agraciado com a mitra episcopal que anima muitos dos nossos vocacionados e religiosos? Para muita gente, a fé, o trabalho, o estudo, a disciplina e os relacionamentos valem apenas enquanto contribuem para este objetivo. E o próprio nome de Deus acaba sendo subordinado a este fim e se torna um ídolo ou um amuleto.

O apóstolo Tiago percebe que na sua comunidade existe “ciúme amargo e espírito de rivalidade”, uma pretensa sabedoria, rasteira e animalesca. Ele sabe que isso nada tem a ver com a sabedoria cristã, que é pacífica, humilde, misericordiosa, alheia a discriminações hipocrisias. Por isso, atento às competições que ferem a comunidade, pergunta: “De onde surgem os conflitos e competições que existem entre vocês? Vocês cobiçam, e não possuem. Vocês têm inveja e não conseguem nada. Então lutam e fazem guerra”.

Não é essa a perspectiva proposta e trilhada por Jesus Cristo. É importante que levemos a sério as lições daquele que chamamos de mestre e senhor. No clima aconchegante da casa em Cafarnaum ou no ambiente sereno das nossas igrejas, Jesus desmascara as aspirações de poder, coloca fim às nossas discussões sobre quem é o maior. Insistindo que o seu caminho passa pela rejeição e recorrendo ao símbolo das crianças, Jesus aponta claramente para outra direção.  “Se alguém quer ser o primeiro, deverá ser o último, e ser aquele que serve a todos”. Para quem só tem olhos para a celebridade e para o sucesso, e usa o nome de Deus para seus interesseis eleitorais, isso parece absolutamente chocante.

Jesus de Nazaré, filho do homem, tu compartilhas conosco as dores e os sonhos, a origem e o destino. Devemos dizer com sinceridade que tua Palavra e tuas opções desconcertam também a nós, envolvidos que estamos em disputas fratricidas e desejos inconfessáveis. Mas aqui estamos de novo, diante de ti, porque tua Palavra é a única que merece credibilidade, e a vida gratuita e solidariamente doada é a única que vale a pena. Não leves em conta as conversas desajuizadas e pouco evangélicas que vicejam nos galpões e redes, e até em alguns grupos eclesiais. Ajuda-nos a entender a lição da criança! Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Livro da Sabedoria 2,12-20 | Salmo 53 (54) | Carta de São Tiago 3,16-4,3|  Evangelho  de São  Marcos (9,30-37)

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