quinta-feira, 18 de novembro de 2021

ANO B | TEMPO COMUM | SOLENIDADE DE CRISTO REI DO UNIVERSO | 21.11.2021

Jesus é Pastor, Profeta e Testemunha, o Homem pleno!

Há mais de 100 anos, algumas comunidades católicas imaginaram uma forma de propagar a relevância e a dignidade de Jesus Cristo, afirmar os direitos da Igreja frente à sociedade liberal e destacar a importância da doutrina cristã na formulação das leis civis. Assim nasceu a solenidade de Cristo Rei. Como agenda litúrgica, foi instituída há 60 anos atrás, mas hoje temos consciência de que é preciso evitar o triunfalismo e destacar o mistério essencial de Jesus Cristo: ele é testemunha da verdade e profeta de um Novo Tempo.

Mas Jesus não foi nem sacerdote, nem rei. Como profeta e reformador, irmão dos pobres e pecadores e servidor dos oprimidos, ele revelou o melhor que pode haver no ser humano e fez brilhar no mundo a glória de Deus. Ele não precisa de outra dignidade! A única razão aceitável para aproximar Jesus Cristo da figura do rei seria a de contrastar e relativizar todos os poderes. Quando celebraremos a festa de Cristo Servo de todas as criaturas? Quando os cristãos renunciaremos aos mantos da nobreza e vestiremos o avental do serviço?

É verdade que o Apocalipse de São João atribui a Jesus o poder, a riqueza, a honra, a glória, a sabedoria, a força e louvor e tudo o mais. Mas não podemos esquecer que tudo isso se diz daquele que é a pedra rejeitada, a vítima do poder estabelecido, e que Jesus é “a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dos mortos”. Nessa condição de testemunha e vítima da pena de morte, ele é “chefe dos reis da terra”. Partilhando a sorte dos condenados, Jesus perdoou nossas dívidas e nos constituiu como povo soberano, do qual é guia e líder único e inconteste.

A cena de Jesus diante de Pilatos, que nos é proposta pela liturgia de hoje, é, no mínimo, paradoxal. Um preso despojado de tudo, acusado pelos seus próprios compatriotas, sem direito à defesa, está cara-a-cara com uma autoridade plenipotenciária que está a serviço de um poder invasor. Um homem habituado às estradas é colocado diante de um senhor habitante de palácios. A cena insinua um confronto radical, e a pergunta de Pilatos é clara: “Tu és o rei dos judeus?” Pilatos não pergunta se ele é um rei, mas se é o rei; e não o refere a Israel (povo escolhido por Deus) mas aos judeus (um povo ou uma raça em meio a tantas).

Astuto, Pilatos se interessa mais pela ação que pelos títulos. Por isso, pergunta que tipo de liderança Jesus exerce: “O que fizeste?” Jesus responde chamando a atenção para a diferença e a originalidade libertadora da sua ação. Diz que seu reino “não é deste mundo”, pois sua ação se distancia da força e do poder, tem outro dinamismo e se rege por outra finalidade. Jesus age solidariamente para responder às necessidades do seu povo, recusa assumir o poder (cf. Jo 6,15) e se opõe duramente aos príncipes do mundo (cf. Jo 12,32; 16,11). A marca distintiva da sua liderança é a compaixão solidária ,e não o poder que aniquila e amedronta.

Parece que Jesus aceita a qualificação de rei, mas recusa a redução da sua missão ao povo judeu. “Você está dizendo que eu sou rei’. Ele não é o único rei, nem apenas rei dos judeus. Jesus preside e dirige o amplo movimento do reino de Deus, que reúne todos os homens e mulheres de boa vontade, promove a liberdade e a vida de todos, e não usa da força para defender os privilégios das elites. “Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue às autoridades dos judeus”. Ele é rei exatamente e apenas na medida em que dá sua vida por todos.

Jesus diz que nasceu e veio ao mundo para dar testemunho da verdade. Sua prioridade é dar testemunho do amor incondicional de Deus por todas as criaturas, especialmente pelos oprimidos e, diante disso, sua própria sobrevivência é secundária. A verdade é que Deus ama a ponto de dar a própria vida, e isso não expressa a fraqueza mas a invencível força de Deus. Por isso, é na cruz que se revela e realiza a realeza de Jesus Cristo e do ser humano. Nada mais paradoxal que esta figura de rei! Nada mais distante da imagem de rei do que a figura de um escravo executado na cruz, sem ninguém a quem possa apelar.

Jesus de Nazaré, profeta e pastor, servo e testemunha: reunidos/as em torno da tua mesa e iluminados/as por tua Palavra, queremos acolher teu gesto testamentário e teu chamado a sermos dom e semente. Grava em nosso corpo os sinais da tua realeza: o amor fraterno, o serviço solidário, a compaixão regeneradora. Ajuda-nos a superar a busca de poder dominador e de nobreza vazia de humanidade. Que tua Igreja não se deixe guiar nem pela indiferença, nem pela prepotência. E que à tua palavra-oferta “isto é meu corpo que é dado por vós”, respondamos com liberdade e verdade: “Faremos a mesma coisa em memória de ti”. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Profecia de Daniel 7,13-14 | Salmo 92 (93) | Livro do Apocalipse  de São João 1,5-8 | Evangelho segundo João (18,33-37)

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