Durante a
caminhada d’Ele rumo a Jerusalém, onde o poder central religioso-político vai
condená-Lo à morte, no intuito de acabar não somente com a pessoa d’Ele, mas
com o seu projeto, Jesus, no texto de hoje, entra primeiro em controvérsia com
os fariseus, os guardiães da prática fiel da Lei. Esses, que gozavam de muito
prestígio diante da população mais simples, se outorgavam o direito de serem os
únicos intérpretes autênticos da vontade de Deus, através da sua interpretação
da Lei. Por isso entram em conflito com Jesus, não na busca de conhecer melhor
a vontade do Pai, mas, como ressalta o texto “para tentá-lo” (v. 2). O campo de
batalha escolhido era o debate sobre o divórcio. O texto de referência para
eles era Dt 24, 1-4, onde não se trata da legitimidade do divórcio, mas, dos
critérios para que possa acontecer.
O Evangelho de
Mateus, no capítulo 19, deixa mais claro do que Marcos o sentido do debate
(veja Mt 19, 1-9). O pano de fundo eram os critérios necessários para que um
homem pudesse divorciar a sua mulher (nem se cogitava a mulher pudesse
divorciar o marido, pois a mulher era considerada “objeto” que pertencia ao
homem!). No tempo de Jesus havia duas tendências, simbolizadas pelas escolas
rabínicas dos grandes fariseus Hillel e Shammai. Uma escola, mais laxista
(Hillel), ensinava que se podia divorciar a mulher por qualquer motivo, mesmo
dos mais banais. A escola mais rigorosa - do Shammai - só permitia o divórcio
por motivos muito sérios. Por isso, em Mateus a pergunta se define melhor: “é
permitido divorciar a mulher por qualquer motivo que seja?” (Mt 19, 4).
Em ambos os
evangelhos, Jesus se recusa a entrar no debate de casuística que cercava a questão
e se limita a reafirmar o projeto do Pai para o casamento: “Portanto, o
que Deus uniu o homem não deve separar”. Jesus reafirma com toda firmeza o
ideal do casamento cristão - uma união permanente, baseada no amor, e
fortalecida pela graça do sacramento. Seria inútil buscar nesse trecho uma
teologia mais desenvolvida do casamento, muito menos orientações pastorais para
os problemas práticos de casamentos malsucedidos, pois, isso não foi a intenção
do autor. Marcos simplesmente reafirma o princípio de que “o que Deus uniu, o
homem não deve separar”. Deixa em aberto a questão de quando é que
Deus realmente uniu o casal! Será que, só porque passaram por uma
cerimônia validamente celebrada na igreja, um casal é necessariamente unido por
Deus? Os problemas reais são muito mais complexos, angustiantes e difíceis de
serem solucionados.
O trecho
continua com a questão das crianças. A questão aqui não é a criança como
símbolo da inocência, mas de dependência. As crianças e os que se assemelham
com elas vivem essa situação de dependência, de “sem-poder”. Quem quer entrar
no Reino de Deus terá que abrogar-se de todo poder dominador, tornando-se como
criança.
Recusando-se a
aceitar a situação em que a mulher era simples objeto de posse do homem e assim
passível de ser divorciada, e propondo o fraco e dependente como modelo em uma
sociedade que valorizava o prepotente, Jesus mostra que os valores do Reino de
Deus estão na contramão dos valores da sociedade do seu tempo - e de hoje.
Propõe uma igualdade de dignidade entre homem e mulher, uma fidelidade e
compromisso permanentes, e a busca de uma vida de serviço e não de dominação!
Realmente, uma proposta no contra fluxo da sociedade pós-moderna que nega o
permanente, perpetua o machismo e admira o poderoso e dominador! O
texto de hoje nos convida para que entremos “com Jesus na contramão” e para que
criemos uma sociedade baseada em outros valores do que os que estão hoje em
vigor, às vezes até no seio das próprias igrejas.
Thomas Hughes
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