Partilhar os bens para seguir Jesus com mais liberdade.
A fé é
uma caminhada, como o é também nossa eterna luta por um mundo melhor. É uma
caminhada a pé e, por isso, quanto menos bagagem, melhor. A estrada do
seguimento de Jesus, um caminho que conduz à realização mais profunda que um
ser humano pode desejar, tem seu preço. Mas o caminho que nos leva ao Reino de
Deus tem seu próprio pedágio, e quem assume sua missão no mundo precisa evitar a omissão e jamais pedir demissão.
Longe de nos afastar das dores, tensões e buscas da história, a fé nos leva ao
seu próprio coração. E isso supõe lucidez, coragem e generosidade.
O
personagem anônimo apresentado pelo evangelho de hoje é paradigmático.
Aparentemente não lhe falta fervor religioso: corre ao encontro de Jesus,
ajoelha-se respeitosamente diante dele, chama-o de bom mestre... Mas Jesus
começa jogando um pouco de água fria no fervor superficial e no orgulho oculto
daquele homem. “Só Deus é bom, e ninguém mais.” Depois, remete ao conhecido caminho
dos mandamentos: cita cinco sinais que proíbem passagens perigosas e uma que
mostra a direção obrigatória. O candidato a discípulo responde, muito seguro de
si: “Mestre, desde jovem tenho observado todas essas coisas.” Refratário às
estradas, ele sempre frequentara os genuflexórios...
Para este
homem piedoso e rico, a fé não é um caminho a ser percorrido, mas um porto
seguro e já alcançado, uma aquisição garantida pela moeda da piedade
superficial e das leis mesquinhas, centrada nos próprios méritos e indiferente
à sorte dos outros. Nem mesmo a referência que Jesus faz ao mandamento de não
roubar consegue inquietá-lo. É a típica pessoa de consciência absolutamente
tranquila, imperturbável. Seu único desejo é ser reconhecido e aplaudido como
bom e irreprensível. Mas Jesus entra como um terremoto no tranquilo status
deste postulante à santidade.
O amor de
Jesus por este homem que parece tão correto e piedoso não o impede de perceber
uma grande lacuna: “Falta só uma
coisa para você fazer: vá, venda tudo, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um
tesouro no céu. Depois, venha e siga-me.”
Para Jesus, as práticas de piedade e o cumprimento dos mandamentos não atingem
sua meta enquanto não nos abrem à partilha e à solidariedade e não nos colocam
livres e nus no caminho da cruz. Em outras palavras, a questão que Jesus coloca
é a seguinte: qual é teu verdadeiro tesouro? Em que puseste tua confiança?
A reação do
homem aparentemente exemplar revela o que ele considerava realmente importante:
o reconhecimento público como alguém perfeito e superior ao comuns dos mortais;
o capital que ele havia acumulado e que lhe conferia um poder nada desprezível
numa Palestina espoliada. Pedindo que ele venda seus bens, Jesus não está
propondo a pobreza como tal, como se lhe agradasse um estilo de vida
pauperístico. Ele pede que os bens cumpram sua finalidade legítima: atender
solidariamente as necessidades das pessoas humanas, e nada mais.
Diante
das palavras de Jesus, o homem fica abatido e vai embora cheio de tristeza,
porque é muito rico. Seu desejo de uma vida humanamente madura e profunda não é
tão forte quanto seu amor pelos bens que acumula. Essa atitude faz Jesus
murmurar desconsolado: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!”
E acrescenta, para escândalo dos discípulos: “É mais fácil passar um camelo
pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus!” E não
adianta querer superar este escândalo diminuindo o tamanho do camelo ou
aumentando as dimensões do buraco da agulha...
Apego às
riquezas e seguimento de Jesus Cristo não se conjugam. Quando colocamos nossa
segurança nas bens, parece-nos difícil empreender travessias. A casa das nossas
honras e conquistas nos parece mais segura, e acabamos pensando que os pobres
devem sair da miséria com suas próprias forças e meios, cumpir suas obrigações
e deixar de exigir direitos. Vender os bens e dar o dinheiro aos pobres é
apenas uma etapa, e prepara a opção decisiva: seguir Jesus no enfrentamento das
armas ideológicas da morte, na missão de em tudo e sempre amar e servir.
“Depois, venha e siga-me...”
Jesus de Nazaré, missionário enviado pelo
Pai para nos conduzir à vida plena! Dá-nos uma mente sábia, que aprecie mais a
vida que os bens e valorize mais a liberdade que os prêmios das loterias e cargos
políticos. Desperta em nossas comunidades a capacidade de ler responsavelmente
a história, de identificar nela os problemas, aspirações e esperanças dos
pobres e oprimidios. Suscita e sustenta na tua Igreja a coragem e a liberdade
feminina de Teresa de Avila, o testemunho martirial de João Bosco Penido
Burnier e o sonho missionário do Pe. Berthier. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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