sexta-feira, 30 de outubro de 2015

MEMÓRIA DOS FIÉIS DEFUNTOS (ANO B – 02.11.2015)

Deus aprecia e ama nossa vida, tão bela quanto breve!

Dia dos finados, dia de saudade, de reflexão e de esperança. Fazer memória dos finados da nossa família e da comunidade significa refletir sobre aquilo que dá sentido verdadeiro e duradouro à nossa vida, decidir responsavelmente sobre o modo de conduzir os dias que nos restam, expressar sem meneios a saudade que nos deixaram aqueles que partiram, muitos dos quais se foram sem pedir licença e sem avisar. No interior dos templos ou no descampado dos cemitérios, repletos de túmulos brancos ou cultivados como se fossem parques ou jardins, renovamos nossa resposta ao Senhor que nos pede: “Escolhe, pois a vida, e faz dela um dom aos teus irmãos e irmãs!”
Não dá para negar ou escamotear: a morte sempre é uma perda. A fé e a religião não podem ter a pretensão de oferecer soluções fáceis ou orações que funcionam como calmantes para o real fracasso que a morte representa. No momento em que a pessoa, no alto da sua maturidade, acumulou experiências, selecionou ensinamentos e provou a sabedoria, os amigos não podem mais contar com ela. E o que dizer quando um jovem, com toda a vida pela frente,  materialização dos nossos sonhos e utopias, nos é roubado brutalmente? É como a água que foge da palma da mão e corre entre os dedos...
O vazio deixado pelas pessoas queridas que se foram é tão grande e a certeza de que seguiremos o mesmo rumo desconhecido é tão desconcertante que procuramos desesperadamente domesticar e dar um sentido a isso que chamamos morte. Não descansamos antes de construir pontes de palavras e símbolos que sinalizam nossa comunhão com aqueles que estão no lado de lá: as flores, as velas, a oração de súplica e de agradecimento, as fotografias, a narração da vida de quem se foi, a visita ao cemitério...  Símbolos e gestos de saudade, reflexão e esperança.
As flores lembram a beleza inigualável das pessoas que tivemos a graça de amar e nos amaram gratuitamente. Não lembram propriamente pessoas perfeitas e puras, firmes e inabaláveis, mas seres que em sua insuperável ambiguidade nos ajudaram a sermos melhores. Mesmo quando têm seu brilho diminuído pela penetrante luz do sol, as velas que acendemos junto das sepulturas ou noutros lugares pretendem resgatar o suave brilho daqueles olhos e rostos quase apagados pelo tempo. Como nos parecem luminosos aqueles dias em que compartilhávamos a vida com as pessoas queridas...
Mas o dia dos finados não celebra apenas a saudade, pois acaba acendendo a esperança, mesmo que esta apareça apenas timidamente. As flores tão frágeis quanto belas e simples que carregamos pelas ruas e depositamos junto às sepulturas falam da nossa esperança de que a vida daqueles que nos deixaram seja semente que há de germinar. Falam também da esperança de que nossa própria vida poderá desabrochar numa beleza que hoje não conseguimos perceber. Falam da esperança de que um dia conseguiremos olhar menos para os defeitos e mais para a bondade que vai no nosso coração.
O dia dos Finados é também um oásis de reflexão no árido deserto da inconsciência e do ativismo. Todos sentimos necessidade de parar um pouco, avaliar nossas escolhas, fazer um balanço dos resultados obtidos, reordenar os valores que nos orientam, discernir o valor absoluto escondido em cada instante, desfrutar o gosto de paraíso de tantas experiências. Também aqui as flores nos ajudam: sendo belas e frágeis, elas nos falam da beleza e da vulnerabilidade da nossa existência; hoje estamos fortes e exuberantes, mas amanhã podemos murchar, secar e desaparecer.
Mas a nossa fé abre horizontes mais amplos e desconcertantes que a saudade, a reflexão e a esperança. Jesus Cristo nos ensina a crer e esperar a ressurreição dos que morrem doando sua própria vida e defendendo a vida dos outros. Ele mesmo, doando-nos sua vida no amor, venceu a morte e o medo paralisador que nasce dela. E desde então, cremos que a vida tem sempre a última palavra. E isso significa que quem rege nossa vida e nossas decisões não é o medo, nem seu irmão gêmeo, o egoísmo. Para quem crê, a morte perdeu sua força, e o comando passou ao amor, que é imortal.
Deus pai e mãe, origem e destino do nosso caminhar. Tua luz brilha na fragilidade da vela que se consome; teu amor é permanente na fragilidade e na beleza das flores; tua vitória sobre o absurdo se revela em cada manifestação de amor, de comunhão e de esperança. A morte dos nossos queridos arranca nossa pele e nos deixa em carne viva, mas nós cremos que nos vínculos que nos unem para além de qualquer interesse egoísta nós veremos teu rosto. Ajuda-nos a te encontrar nestas encruzilhadas nebulosas às quais a vida nos leva e a agradecer pelos amigos que já partiram. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro de Jó 19,1.23-27 * Salmo 236 * Carta aos Romanos 5,5-11 * Evangelho de São João 6,37-40)

Nenhum comentário: