O Evangelho da misericórdia gera justiça e paz!
No centro
do evangelho de hoje está a questão da correta atitude na oração. Se, no último
domingo, Jesus pedia que não desistamos de rezar, hoje ele nos pede atenção
sobre o modo de rezar. Jesus confronta a postura de dois personagens bem
conhecidos: o fariseu, cioso de sua superioridade e perfeição, separado das
pessoas comuns, ostensiva e exteriormente piedoso; o publicano, cobrador de
impostos, colaborador do poder estrangeiro, impuro e execrável aos olhos dos
judeus nacionalistas, excluído da vida social e religiosa que gira em torno do
templo. Mas, na sua mensagem para o Dia
das Missões, o Papa Francisco nos lembra que o evangelho da misericórdia
gera reconciliação, igualdade e justiça.
Desejoso
de ser visto e reconhecido, o fariseu reza de pé, e olha os demais de cima para
baixo. Sua oração é uma espécie de autoelogio, marcada pelo desprezo e pela condenação
dos demais, considerados inferiores e pecadores. É como se Deus fosse obrigado
a agradecer o fariseu por ele ser bom e correto. O publicano não entra no
templo e, sem coragem até de levantar os olhos, bate no peito reconhecendo sua
condição ambivalente e pedindo que Deus se compadeça dele. É bem possível que
estas diferentes posturas na oração não sejam um problema somente do judaísmo,
nem dos primeiros cristãos...
A
ostentação e a pretensão de superioridade, sempre acompanhadas de uma agressiva
discriminação, contaminaram também os cristãos e, infelizmente, resistem, como
erva daninha difícil de erradicar, até nossos dias. E, o que é pior, quase
sempre vêm revestidas com a atraente roupagem da piedade... Mas, desde o mito bíblico
de Abel e Caim, sabemos que Deus que não trata todas as pessoas do mesmo modo. “Ele
não é parcial em prejuízo do pobres, mas escuta, sim, as súplicas dos
oprimidos; jamais despreza a súplica do órfão, nem da viúva, quando desabafa
suas mágoas”, lembra o livro do Eclesiástico.
Por outro
lado, precisamos lembrar que, por mais que nos custe admitir, nosso mundo está
dividido. Não é necessário viajar o mundo para perceber que, em termos gerais,
os países do Norte, vivem na abundância de bens e oportunidades, enquanto que
os países do Sul são condenados a digerir a miséria à qual a secular
expropriação os condenou. E existem também divisões entre pessoas e grupos
sociais... Basta lembrar a primazia que a mídia dá às pessoas e grupos
ocidentais, brancos, masculinos, cultos e ricos. Os negros e índios, as
mulheres, os analfabetos e os pobres são tratados como inferiores.
Será que
esta divisão nefasta e nada evangélica está presente também no interior das
nossas igrejas? Infelizmente, parece que sim! Basta dar uma olhada atenta à
primazia conferida às Igrejas europeias – à teologia, ao direito e à liturgia
por elas elaboradas – no confronto com as Igrejas do Terceiro Mundo. E não
podemos esquecer aquela profunda e dolorida divisão – que às vezes se
transforma em oposição e em condenação recíproca – entre as próprias
comunidades cristãs: ortodoxos e romanos, católicos e protestantes, igrejas
clássicas e igrejas pentecostais, e assim por diante. Fariseus versus publicanos!
A
humanidade tem como vocação ser uma só família, e essa é também a vontade de
Deus. A interdependência dos povos e nações é já um fato objetivo, mas precisa
se tornar um valor subjetivo, garantido ética e institucionalmente. O desafio é
transformar essa solidariedade objetiva e estrutural num valor buscado e
assegurado para todos. A dignidade da pessoa humana independe da sua origem
étnica, da pertença religiosa, da nacionalidade, da convicção política, da identidade
sexual, da instrução. Estas diferenças não dividem, nem hierarquizam; apenas
distinguem, complementam e enriquecem.
Ao ouvir
a prece da pessoa humilde e discriminada, Deus resgata sua dignidade e a verdadeira
igualdade entre todos os seres humanos. A este propósito, é impressionante o
testemunho de Paulo. Ele combate com tenacidade a pretensão de superioridade
dos judeus e dos novos cristãos de origem judaica frente aos cristãos vindos do
paganismo. Quando diz, em forma de testamento, que combateu o bom combate,
completou a corrida e guardou a fé, está se referindo à sua convicção de que
Cristo é nossa paz, pois de dois povos fez um só povo, derrubando o muro da
inimizade que os separava (cf. Ef 2,14).
Deus Pai e Mãe, tu fazes a prece do humilde atravessar
as nuvens e escutas atenta e cordialmente o clamor dos oprimidos. Então, despoja-nos
de todo orgulho arrogante e de toda competição infantil. Ajuda-nos a anunciar
teu Evangelho integralmente e a fazer resplandecer, pelo anúncio e pelo
testemunho, a boa notícia e a boa convivência que ele nos pede. Ajuda-nos a
vislumbrar em Jesus teu rosto compassivo e misericordioso, e anunciá-lo a
todos. E isso até que a humanidade seja de fato uma só família, na qual todos
os membros são queridos e respeitados, para além de toda e qualquer diferença.
Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Eclesiastico 31,15-22 *
Salmo 33 (34) * 2ª Carta a Timóteo
3,6-8.16-18 * Evangelho de São Lucas 18,9-14)
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