A viúva que enfrenta o juiz: Impaciência
e persistência como modelo de fé e oração (Lucas 18,1-8)
A parábola da viúva
persistente de Lucas 18,1-8 é material exclusivo do Evangelho de Lucas. Não se
encontra nos outros Evangelhos e tem por tema principal a persistência na
oração aqui entendida e vinculada à ação. A mulher viúva é tomada como exemplo
da oração que agrada a Deus. Sua ação incansável e obstinada em busca da
justiça e do direito é o exemplo maior de fé e oração esperada por Deus.
Essa parábola na
maioria das vezes é superficialmente interpretada limitando a força da parábola
apenas à persistência na oração. Ignora-se que, para além da persistência na
oração, a parábola traz uma mensagem forte de luta incessante, persistente e
impaciente pela justiça. Luta que uma pobre viúva enfrenta diante de um
insensível juiz. Ela o enfrenta com uma atitude obstinada e até agressiva em
busca de justiça.
O que nos conta a Parábola?
A parábola
apresenta certa cidade onde havia um juiz que não temia a Deus e não se
importava com as pessoas. Na mesma cidade, havia também uma viúva que se
dirigia continuamente a ele dizendo: "Faz-me justiça contra meu
adversário!" (18,2-3). O juiz está bem descrito: Ele é um juiz que
não teme a Deus e nem se importa com as pessoas. E sobre a viúva? O que
é dito? Não é apresentada qualquer informação sobre ela, não se sabe sequer
qual era a causa que aflige o direito dessa mulher.
Sabe-se apenas que
ela está sendo prejudicada nos seus direitos por causa de alguém denominado de
"adversário" e que por isso procura o juiz a quem se dirige de forma
contínua e persistente, travando uma luta obstinada e incansável pela justiça.
"Faça-me justiça contra meu adversário"
Essas são as únicas
palavras da viúva na parábola. Nestas palavras está inscrita a história dessa
viúva e a história de tantas outras mulheres e grupos oprimidos em busca e em
espera pela justiça em sua época.
Desprovido de temor
a Deus e interesse pelas pessoas, o juiz não parece se importar pela situação
daquela mulher. A pobre viúva sem dinheiro ou poder tem a seu favor apenas o
recurso da intimidação e da persistência. A ação da viúva é expressa como uma ação
contínua e ameaçadora que atinge o juiz onde ele poderia ser atingido:
na preocupação egoísta do seu próprio conforto.
Aborrecer e importunar até que me faça
justiça
Essa foi a
estratégia de luta dessa mulher. Ela vinha todos os dias diante do juiz e o
importunava e o aborrecia. O termo grego que aparece em 18,5 é
"hypopiadzein", que significa uma bofetada em baixo dos olhos que
deixa uma marca roxa característica que denuncia em público a agressão sofrida.
O uso do termo na
parábola não quer dizer que isso tenha acontecido, mas que o juiz temia que
isso pudesse acontecer o que lhe causaria muito constrangimento público. Por
isso, ele é coagido pela ação ativa e insistente e ameaçadora da viúva a agir
em favor dela.
Naquela mulher
obstinada, o insensível magistrado encontrou adversário à sua altura. Ele podia ter sido assaltado por
persistência obstinada antes, mas nenhuma que se igualasse aos apelos
infindáveis e insistentes desta mulher. Ele lhe fez justiça, não porque fosse
justo ou mesmo compassivo, mas porque percebeu que não conheceria um momento de
paz até que atendesse aquela mulher.
A vida das mulheres viúvas e o sistema
injusto
As viúvas e os
órfãos sempre eram no mundo antigo, do ponto de vista estrutural, as primeiras
vítimas das injustiças e alvos de descaso e de tentativas de fraude e
exploração. Desde o Antigo Testamento, Deus aparece intervindo em defesa dos
grupos que sofrem essa injustiça estrutural. A viúva da parábola de Lucas
18,1-8 chama a nossa atenção pela sua persistência na luta pelos seus direitos.
Ela se fundamenta no direito divino. A atitude dessa mulher é, do começo ao
fim, destacada como referência de quem se deve aprender. Diante da violência do sistema
injusto é preciso resistir com firmeza e intrepidez.
Segundo Ivoni
Richter, a situação de vida e o atuar desta viúva não é um caso isolado na
antiguidade. Com seu exemplo, a parábola condensa a experiência de muitas
viúvas, as quais, conforme a tradição veterotestamentária, tantas vezes está
exposta à injustiça, à não realização dos seus direitos.
A parábola de Jesus
assume positivamente a experiência desta viúva que luta por seus direitos. E os
conquista. Com isto, a parábola quer estimular e animar as
pessoas crentes à oração ativa e contínua em meio ao sofrimento da vida.
Portanto, a parábola reflete a situação de vida das viúvas que muitas vezes
tiveram que levantar-se e impor-se para garantir seus direitos.
A esperança escatológica e a justiça de
Deus
Os versos 6 a 8
inserem a parábola no contexto da esperança escatológica e a ligam com o tema
da vinda do filho do homem de Lucas 17,20-37. Neste sentido, justiça, juízo,
graça e perseverança são temas que se unem na parábola. O estabelecer da
justiça de Deus está vinculado à vinda do filho do homem que virá para fazer
justiça aos pobres e oprimidos que se confrontam com situações cotidianas de
direitos negados. Mas, a justiça de Deus é motivada pelo seu amor e
sua misericórdia e não pela preocupação consigo mesmo como no caso do
juiz injusto da parábola. É nesse contexto que Lucas insere a parábola da viúva
persistente, advertindo para não desanimarmos na luta ativa para fazer presente
a justiça de Deus.
A impaciência e persistência da mulher
como modelo de fé e oração
A parábola encerra
com a pergunta problematizante: "Quando o filho do homem vier, encontrará
fé na terra?" O exemplo da viúva persistente fica claramente
apresentado como modelo a ser seguido pela comunidade de discípulos e
discípulas. A advertência de Jesus é quanto à espera ativa e persistente pelo
reinado de Deus. A fé aqui referida é sinônimo da postura e ação da
viúva em que, na situação de injustiça na qual parecia haver total ausência de
Deus, ela se implica de maneira insistente e incansável.
Portanto, manter
a fé significa não desanimar, não desistir e perseverar em busca incessante da
realização da ação salvadora e libertadora de Deus, comprometendo-se com seu
projeto de justiça, principalmente para os grupos mais excluídos e
oprimidos para quem Ele, justo juiz, dirige sua misericórdia.
O exemplo trazido
nessa parábola nos convida a viver uma fé não fatalista e não conformista, mas uma fé
e oração ativa, combativa e persistente, comprometida e implicada com a luta
pelos direitos das pessoas mais excluídas. A pergunta continua
pertinente: Será que, quando o filho do homem vier, encontrará fé como a dessa
mulher? Que a herança e exemplo dessa parábola nos ajudem a manter uma fé ativa
e operante em meio ao mundo de estruturas injustas.
Odja Barros
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