Páscoa
do Pe. Berthier: recordar, agradecer e prosseguir!
A Casa-Mãe de Grave, hoje |
Começava
o outono europeu. A névoa e a umidade que caracterizam a pequena cidade
holandesa chamada Grave, às margens do rio Maas, já se faziam sentir. No
amanhecer daquele 16 de outubro de 1908, a comoção tomava conta de uma centena
de jovens e homens feitos, de diversas nacionalidades, que haviam intuído o
convite de Jesus e respondido generosamente, iniciando sua árdua preparação
para a vida missionária. Naquele momento, enquanto a comunidade juntava ao
louvor das criaturas sua própria voz e celebrava a santa missa, o Pe. Joao
Berthier, aquele que havia dado um coração ao velho e arruinado prédio do
quartel, fazia a oferta definitiva da sua frágil vida Àquele que fora a razão
de tudo.
A
comoção dos membros da jovem comunidade dos Missionários da Sagrada Família
tinha ao menos dois motivos: o sentimento de perda daquele que proporcionara um
ritmo e uma meta ao desejo de servir à vinha do Senhor ao sentimento difuso que
habitava o coração de tantos jovens cuja vocação apostólica era desprezada pela
Igreja; o sentimento de responsabilidade de fazer o possível para que essa
humilde iniciativa prosperasse, com fidelidade e ousadia. Não haveria homenagem
melhor que essa ao pai, amigo, irmão, fundador e formador que partia.
Poucos
anos antes, em setembro de 1895, com 55 anos de vida e uma saúde muito frágil,
o Pe. Berthier, Missionário Saletino, deixava sua amada montanha, o Santuário
de Nossa Senhora da Salette e a comunidade missionária que ajudara a configurar,
para acolher e formar as vocações missionárias que, por terem mais de 15 anos
de idade ou não terem recursos para pagar as despesas de formação, eram
descartadas pelos seminários da época. A busca de um ambiente menos hostil à fé
crista o fizera deixar a França e estabelecer-se na Holanda.
Imagem no Cemitério de Casa-Mãe, onde estão os restos mortais dos primeiros Missionários da S. Família |
Graças
às mãos hábeis e generosas do Pe. Berthier e de muitos jovens vocacionados, um
velho e decadente prédio, que servira de abrigo a sucessivas tropas militares –
soldados e animais –transformou-se em sementeira, jardim e lavoura de gente que
sonhava levar a Boa Notícia de Jesus Cristo a todas as fronteiras da terra. A
aparente confusão de línguas – a casa acolhia holandeses, franceses, alemães,
suíços e poloneses! – era facilmente superada pela união de corações, pela
delicada atenção recíproca e pelo sonho missionário, tudo inspirado no espírito
da Sagrada Família, na escola de vida de Nazaré.
A
páscoa definitiva daquele que dera fundamento e horizonte à vocação missionária
daqueles jovens não os deixou desorientados. As lágrimas pela perda do ‘pai’
regaram as sementes generosas que ele lançara nas férteis terras dos Países Baixos.
Pouco mais de dois anos depois daquele 16 de outubro de 1908, o primeiro grupo
de Missionários da Sagrada Família era enviado além-fronteiras, às úmidas e
inóspitas terras da foz do rio Amazonas, no Brasil. E, logo depois, foi a vez
do Nordeste do Brasil, da Indonésia, da Noruega, dos Estados Unidos... Hoje,
somos mais de 750 missionários, espalhados em 22 países dos cinco continentes...
Montagem sobre uma foto autentica do Pe. Berthier, com a Casa-Mãe ao fundo |
Em
1995, por ocasião do primeiro centenário do nascimento da Congregação, os
restos mortais do Pe. Berthier foram levados de volta à Montanha da Salette,
onde vivera grande parte de sua vida e fizera história como missionário,
pregador e escritor. Ali, sua memória continua sendo cultuada pelos coirmãos da
Congregação que ele jamais quis deixar e do Instituto que nasceu da sua paixão
missionária, mas também pelos muitos peregrinos que anualmente sobem a montanha
para se reconciliar com Deus, respondendo ao convite da ‘Bela Senhora’ que
apareceu a Maximino e Melânia no dia 19 de setembro de 1846.
Por
mais importante que seja, o passado não fecunda nem garante o futuro. A fé não
se resume à memória da ação de Deus no passado, mas ajusta nosso olhar para que
vejamos e preparemos aquilo que está nascendo, para que encontremos soluções
plenamente humanas para os problemas humanos. Recordando agradecidos os 108
anos do falecimento do Pe. Joao Berthier, avivemos nossa paixão missionária;
vivamos em autenticas comunidades de irmãos; ajudemos a Igreja a sair de si e a
percorrer os belos e difíceis caminhos que levam às periferias; sejamos
criativos na animação da pastoral das famílias; ajudemos os cristãos na
descoberta e realização da própria vocação; e façamo-nos cada vez mais próximos daqueles que estão longe.
Itacir
Brassiani msf
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