Vivemos a primeira semana do Advento sob o signo
da vigilância e do porteiro: alegre e inteligente expectativa de que algo de
bom está sendo gerado; olhos abertos e coração desperto para perceber os sinais
daquele que está sempre vindo e daquilo que está nascendo. A segunda semana se abre solicitando-nos conversão e engajamento: ações que
tragam consolação aos desolados; abertura de estradas onde a vida é difícil;
perseverança quando os novos céus e a nova terra demoram a aparecer; ternura,
como a do pastor que carrega no colo os cordeirinhos e guia mansamente as
ovelhas que amamentam.
Os caminhos
da justiça e da paz ainda são tortuosos e esburacados, especialmente para os
países e as pessoas pobres. O obstáculo não está apenas no terrorismo, mas também
no cassino da Wall Street, onde se compra, vende e especula a vida e a morte
dos povos, e na Praça dos Três Poderes, onde o poder não emana do povo mas é
exercido à revelia do povo e contra o povo. O evangelista Marcos diz que o povo
que vivia no ‘centro do mundo’ (Jerusalém) se deslocou à periferia (deserto)
para escutar o profeta João. E este é o rumo que precisamos seguir se quisermos
que a humanidade tenha futuro. As soluções impostas de cima e dos centros costumam
ignorar ou aumentar o nada dos já sem-nada.
A Palavra de
Deus teima em afirmar que é do deserto e da periferia que vêm as notícias
alegres (Boas Novas), aquelas que anunciam que o Humano está nascendo e que um
Outro Mundo está sendo gerado. Mas isso pede inversão de perspectivas e
conversão de mentalidades. A novidade que vem do deserto é peregrina e
vulnerável, não se realiza nas ações potentes, nem chama a atenção. O agente de
Deus (Messias) nasce migrante e se hospeda na estrebaria... Seus pés não
conhecem o ruído de botas de soldados, mas somente a ágil simplicidade das
sandálias. O amor só tem a força do dom e do martírio.
João Batista
tem consciência de que ele é apenas o precursor, de que o chamado à conversão
será seguido pelo anúncio de uma boa notícia, e que o retiro no deserto será
substituído pela estrada que leva aos povoados. “Depois de mim vai chegar
alguém mais forte que eu. Eu não sou digno sequer de me abaixar para desamarrar
as suas sandálias...” Sandálias lembram caminho, e caminho sugere discipulado.
A estrada a ser aberta no deserto é a estrada do seguimento de Jesus na
pobreza, no dom de si e na solidariedade. É a estrada que leva a Belém e a
Nazaré, e desemboca no calvário.
Que ninguém
queira substituir as sandálias do carpinteiro pelas botas dos soldados
arrogantes ou do gordo papai-noel! Seguimento de Jesus não rima com guerra nem
com shopping. Conservar as sandálias e abrir caminhos é preciso! Mas, até
quando conseguiremos manter viva essa convicção e essa esperança? A realidade
parece desmentir o que acreditamos, e a história parece não considerar nossas
utopias. Que São Pedro nos encoraje! “Para o Senhor um dia é como mil anos e
mil anos é como um dia”. Deus é paciente, mas nossa espera precisa ser
conjugada com o incansável empenho.
O discípulo
não encontra segurança senão na voz do Mestre, e o missionário só pode contar
com o poder da Palavra. É com isso que queremos realmente trabalhar? É essa a
estrada que nos dispomos a abrir e trilhar? Recorrendo à linguagem
apocalíptica, Pedro chama a atenção para a provisoriedade do tempo e para a
precariedade das instituições: tudo o que parece sólido e definitivo se
transformará em ruínas e cinzas. Em meio a isso, os cristãos se mantêm firmes
na esperança de novos céus e nova terra nova, nos quais habite a Justiça. Mas
precisam antecipar esta esperança em suas ações cotidianas...
Ou seja,
precisamos mantermo-nos firmes e ativos na esperança. Jesus, Maria e José também
viveram pacientemente a aparente demora da manifestação de Deus. A espera se
converteu em preparação e discernimento para acolher a ‘Hora’ de Deus. Enquanto
esperavam, lançaram raízes na periferia, mergulharam fundo na Palavra de Deus,
exercitaram generosamente o cuidado com os cordeiros fracos e com as ovelhas
gestantes. E fabricaram sandálias, muitas sandálias: para pés masculinos,
femininos, infantis e jovens, adultos e idosos, brancos e negros, católicos ou
não...
Deus pai e mãe, pastor terno e dedicado! Fecunda
nossos ouvidos com tua Palavra criadora e abre nossos lábios para que
proclamemos, sem medo, que estás vindo à casa nossa e tua, e que trazes nos
braços teus filhos e filhas mais queridos. Converte nosso coração e abre nossos
olhos, para que sejamos capazes de contemplar a delicada coreografia cósmica
que acompanha tua chegada aos desertos e periferias: a verdade brotando da
terra e a justiça se inclinando do céu; a misericórdia e a fidelidade dançando
e a justiça e a paz se abraçando. E põe em nossos pés as sandálias dos
peregrinos! Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
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