Maria
tem pressa...
Magnífica
e Apressada - um poema rápido de natal
Maria
tem pressa: aceitou ser mãe num tempo de império e cruzes. Jovem, grávida e
solteira ela aperta o pano em volta dos ombros e
pensa: “Deus está comigo, não vou ter medo”.
Maria tem pressa: a insegurança de José - um seguro pai possível
- pede agilidade e ela vai ao encontro da prima Isabel. Apressadamente. Ela
precisa de parceria, cumplicidade e alegria, o que só uma outra mulher, nesses
casos, sabe ser. “Bem-aventuradas”.
Maria tem pressa: tece canções de ninar o filho com palavras que
rimam com derrubar, dispersar e destronar; ela cantarola o sonho apressado dos
humildes, dos pobres e famintos. Deus nunca mais foi o mesmo.
Maria tem pressa: completa os dias de gestação no tempo em que
os poderosos instauram leis de morte, controle e exploração. Empurrados pelo
censo ela viaja com José até Belém para cumprir as fantasias teológicas e
literárias de messias esperados, mas ela sabe que o filho dela é Galileu. É
pobre, preto e periférico: menino Jesus, o salvador.
Maria tem pressa: encontrar um lugar de parir menino: uma grota,
um buraco, uma marquise, um banheiro, um curral, uma gruta... qualquer lugar
onde Deus faz questão de nascer pobre. Ela sente as contrações que se avizinham;
ela abre as pernas pra parir o novo... e viu que tudo era bom. Houve choro e
placenta na primeira noite.
Maria tem pressa: precisa fugir, migrar, escapar da fúria dos
exércitos de ocupação. Ela segura o menino como quem conhece a esperança e se
lança nas estradas impossíveis de desertos e checkpoints. Ela amamenta o menino
com apressadas tetas natalinas. Ela serve a ceia do natal nela mesma: o filho é
a fome e a vontade comer, ela é o peito, o prato e a profecia de sobreviver.
O verbo se fez peito e migrou até nós.
Maria tem pressa: criar menino no tempo de império e cruz é
sentir a dor de toda mãe de criança pobre; ela sabe que a cruz estará sempre
lá, esperando pelo filho numa esquina qualquer, de uma UPP qualquer; ela não
tem medo! vai apressar o menino, acreditar no milagre – “começa a festa!” – até
transformar toda dor em ressurreição: “nossos mortos tem voz”, ela diz com
sangue nos olhos. Mil outros filhos e filhas nascerão ali.
Mães de Maio Maria, rogai por nós nesse advento agora e na hora
da longa noite apressada. Amém.
Nancy Cardoso
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