sexta-feira, 12 de outubro de 2012

28° Domingo do Tempo Comum


é preciso conhecer as dores e aspirações da humanidade.
(Sb 7,7-11; Sl 89/90; Hb 4,12-13; Mc 10,17-30)

A fé é uma caminhada, como é uma caminhada nossa eterna luta por um mundo melhor. É uma caminhada a pé e, por isso, quanto menos bagagem, melhor. A estrada do seguimento de Jesus Cristo, que conduz à realização mais profunda que um ser humano pode desejar, tem seu preço. O caminho que nos leva ao Reino de Deus tem seu próprio pedágio, e quem assume sua missão no mundo precisa evitar a omissão e jamais pedir demissão. Os/as mártires da América Latina, cuja memória coletiva celebramos dia 11, Pe. João Bosco Burnier à frente (+12.10.1976), que o digam! Longe de nos afastar das dores, tensões e buscas da história, a fé nos leva ao seu próprio coração. E a Palavra de Deus – que é sempre viva, eficaz e penetrante – denuncia e traz à luz as ambições inconfessáveis que podem se esconder atrás de inocentes piedades  e de projetos que querem se passar por renovadores...
“Bom Mestre, o que devo fazer para herdar a vida eterna?”
Nossa caminhada de fé se confunde com a nossa própria vida, e é difícil dizer quando começou. Talvez com o próprio nascimento, quando nossos pais quiseram partilhar conosco a fé que dava sentido à vida deles. Não é possível dizer com clareza se essa caminhada exigiu rupturas, mudanças. Tivemos sim momentos mais fortes e entusiastas e fases mais críticas e exigentes, mas ser cristão e ser cidadão sempre nos pareceram coisas que quadram bem e caminham juntas.
Mas o evangelho de Marcos nos lembra hoje que Jesus realiza aformação dos discípulos no caminho para Jerusalém, na estrada que o leva ao enfrentamento com os poderes que oprimem. E este percurso pedagógico exige mudanças, provoca rupturas e contradiz hábitos e expectativas. O seguimento de Jesus não é um caminho linear que casa com todo e qualquer interesse. Desde o começo, muitos são os/as que, tanto ontem como hoje, voltam atrás, cheios/as de tristeza e pesar.
O personagem anônimo apresentado pelo evangelho é paradigmático. Aparentemente não lhe falta fervor e disposição religiosa: corre ao encontro de Jesus, ajoelha-se respeitosamente diante dele, chama-o de bom mestre. Ou seria um entusiasta ingênuo e bajulador, semelhante a muitos/as de nós: orgulhoso de sua tradição religiosa e de sua retidão moral, desejoso de garantir a vida futura como tinha garantido o status presente, dado às aparências e aos gestos afetados?
“Desde jovem tenho observado todas essas coisas...”
Jesus começa jogando um pouco de água fria no fervor superficial e no orgulho oculto daquele homem. “Só Deus é bom, e ninguém mais.” Depois, remete ao conhecido caminho da religião: a estrada dos mandamentos. Cita cinco placas que proíbem passagens perigosas e uma que mostra a direção obrigatória. O candidato a discípulo responde, muito seguro de si: “Mestre, desde jovem tenho observado todas essas coisas.” Refratário às estradas, ele sempre frequentara os genuflexórios...
Para aquele homem piedoso típico, a fé não era um caminho a ser percorrido mas um porto seguro e já alcançado. A fé era uma aquisição garantida pela moeda da piedade superficial e das leis mesquinhas, centrada nos próprios méritos e indiferente à sorte dos outros. Nem mesmo a referência que Jesus faz ao princípio de não roubar consegue inquietá-lo. É a típica pessoa de consciência absolutamente tranquila, imperturbável. Seu único desejo é ser reconhecido e aplaudido como bom e irreprensível.
“Só te falta só uma coisa...”
Jesus entra como um terremoto na tranquila viagem daquele postulante à santidade. Seu amor por alguém qua parece tão correto não o impede de perceber uma grande lacuna: “Falta só uma coisa para você fazer: vá, venda tudo, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me.” Para Jesus, as práticas de piedade e o cumprimento dos mandamentos não atingem sua meta enquanto não nos abrem à partilha e à solidariedade e não nos colocam livres e nus no caminho da cruz.
Em outras palavras, a questão que Jesus coloca é a seguinte: qual é teu verdadeiro tesouro? Ele sabe que nosso coração está onde colocamos aquilo que consideramos precioso e inegociável. A reação daquele crente aparentemente exemplar revela o que intimamente considerava realmente importante: o reconhecimento público como alguém perfeito e superior ao comuns dos mortais; o capital que ele havia acumulado e que lhe conferia um poder nada desprezível numa Palestina espoliada.
Jesus não nos propõe simplesmente a pobreza, como se lhe agradasse um estilo de vida pauperístico. O que ele pede é que nossos poucos ou muitos bens cumpram sua finalidade legítima: atender solidariamente as necessidades das pessoas humanas, e nada mais. No caminho para o Reino de Deus, ou na estrada que nos leva à maturidade humana, há um pedágio do qual não podemos fugir: em nome de Deus, os pobres estão ali cobrando o preço da nossa passagem.
“E foi embora cheio de tristeza...”
Diante das palavras de Jesus, o homem fica abatido e vai embora cheio de tristeza, porque é muito rico. Seu desejo de uma vida humanamente madura e profunda não é tão forte quanto o amor aos bens que acumula. Essa atitude faz Jesus murmurar desconsolado: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!” E acrescenta, para escândalo dos/as discípulos/as de todos os tempos: “É mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus!”
Para superar este escândalo, tentamos, desde sempre, diminuir o tamanho do camelo ou aumentar as dimensões do buraco da agulha. Mas o fato é que apego às riquezas e seguimento de Jesus Cristo não casam. Quando colocamos nossa segurança nas bens parece-nos difícil empreender travessias. A casa das nossas honras e conquistas nos parece mais segura, e acabamos pensando que os pobres devem sair da miséria com suas próprias forças e meios, cumpir suas obrigações e deixar de exigir direitos.
Vender os bens e dar o dinheiro aos pobres é apenas uma etapa, e prepara a opção decisiva: seguir Jesus no enfrentamento das armas ideológicas da morte. “Depois, venha e siga-me.” Os bens se transformam em problemas quando sequestram a verdadeira liberdade. Nossa grande ilusão é pensar que a honra e o poder nos livram necessidade de caminhar e nos levam automaticamente ao ponto de chegada. Como nosso postulante à vida eterna, que preferiu a segurança da casa à aventura da estrada.
“Amei a sabedoria mais que a saúde e a beleza.”
Isso tudo nos desconcerta e espanta. Temos a impressão de que Jesus exagera ou se engana redondamente. Não seria possível harmonizar a piedade com o acúmulo de bens? Em vez de acompanhar Jesus na subida a Jerusalém, não seria melhor convencê-lo a voltar a Nazaré? Afinal, a vida eterna não estaria no cultivo da paz  interior, na prática da meditação, na harmonização dos pensamentos e sentimentos com a vibração da vida? Jesus ensina que a santidade não se mostra no gesto de cair de joelhos diante dele, mas na partilha dos bens e no seguimento dos seus passos.
Ainda hoje, a idéia do despojamento solidário e da cruz provocam mais espanto que atração. E a proposta do seguimento inquieta. Ser discípulo/a é começar sempre de novo, mas o que a gente deseja é chegar ao final, receber o diploma. Seguir Jesus significa levar adiante sua própria missão, e isso começa, como nos lembra Bento XVI na sua mensagem para o mês missionário, com a leitura atenta da história e com a identificação dos problemas, aspirações e esperanças da humanidade.
“Ensina-nos a contar os nosso dias e assim teremos um coração sábio.”
Jesus de Nazaré, missionário enviado pelo Pai para nos conduzir à vida plena! Ensina-nos a contar os nossos dias e avaliar profundamente nossos desejos e seguranças,  a fim de que tenhamos um coração livre e sábio. Dá-nos uma mente sábia, que aprecie mais a vida que os bens e valorize mais a liberdade que os prêmios das loterias e os cargos políticos. Desperta em nossas comunidades e movimentos eclesiais a capacidade de ler responsavelmente a história, identificando nela os problemas, aspirações e esperanças dos homens e mulheres de hoje, especialmente dos pobres e oprimidios. Suscita e sustenta na tua Igreja, que proclama um Ano da Fé e convoca um Sínodo para repensar sua prática de evengalização, a coragem e a liberdade feminina de Teresa de Avila, o testemunho martirial de João Bosco Penido Burnier e o sonho missionário do Pe. Berthier. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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