quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (10)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

Fome, terra e acesso aos recursos tecnológicos.

Há pouco tempo atrás a ONU lançou o alerta: 80 países estão no limiar da insegurança alimentar. Do total de 1,2 bilhões de seres humanos que, segundo os critérios do Banco Mundial, vivem na pobreza extrema (ou seja, com menos de 1,25 dólar por dia), 75% vive no meio rural: ou são trabalhadores migrantes/sazonais e arrendatários (em alguns lugares da índia, devem entregar 4/5 da produção aos proprietários!), ou são posseiros sem títulos de propriedade, ou possuem terra em quantidade e de qualidade insuficiente para produzir aquilo que necessitam.

Em pleno século XXI, quase 90% dos camponeses do hemisfério Sul dispõem como ferramentas de trabalho apenas de enxada, facão e foice. Mais de 1 bilhão de camponeses não dispõe nem de animal de tração, nem de trator. E sabemos muito bem que, quando a força de tração é duplicada, duplica-se também a área cultivada. Conforme a Organização Meteorológica Mundial, as colheitas que dependem somente da chuva natural rendem em média 50 kg por hectare, enquanto que as colheitas nas lavouras irrigadas chegam a 1.500 kg por hectare (30 vezes mais!).

Sem tração animal ou mecânica, os pequenos agricultores do Sul ficam confinados na própria miséria. “Diante da situação de absoluta fragilidade econômica das famílias de sem-terra, a ‘Reforma Agrária Assistida’, promovida pelo Banco Mundial em todo o mundo, é uma evidente hipocrisia, uma simples e pura indecência.” (p. 33).

Apenas 3,8% das terras da Africa subsahariana são irrigadas, e 500 milhões de cultivadores do hemisfério Sul não têm acesso a sementes selecionadas, nem a adubos minerais, nem aos adubos orgânicos (uma vez que não possuem animais). E mais de 25% das colheitas mundiais são destruídas anualmente por interpéries e roedores. Os silos são raros nos planaltos andinos e na região Sul da Asia.

“Consideram-se alimentos de base o arroz, o trigo e o milho. Juntos, eles respondem por 75% do consumo mundial. Sozinho, o arroz cobre 50% deste volume.” (p. 45) Em 2011, como em 2008, os preços dos alimentos de base explodiram.  Em janeiro, o preço da tonelada de trigo no mercado mundial dobrou repentinamente. Enquanto que em Paris, Genebra ou Frankfurt, as famílias gastam 10 a 15% das suas receitas com a alimentação, em Manila (e, de modo semelhante, em todos os países pobres) este percentual chega a 85%!

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